Escrito por: Redação CUT
Ministério Público de Minas Gerais, Defensoria Pública de Minas Gerais e outros órgãos estão negociando uma prorrogação, mas até a última audiência realizada na semana passada não houve avanços
As vítimas do rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, Minas Gerais, ainda nem enterraram todos os mortos na tragédia e já convivem com a incerteza sobre o futuro dos pagamentos emergenciais mensais. Até agora, foram encontrados 256 corpos e as buscas continuam.
O acordo que garantiu os pagamento é válido por apenas um ano e termina em 25 de janeiro de 2020. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Defensoria Pública de Minas Gerais e outros órgãos estão negociando uma prorrogação, mas até a última audiência realizada na semana passada não houve avanços. Uma nova reunião está agendada para a próxima quinta-feira (28), de acordo com a Agência Brasil.
As vítimas do crime da Vale recebem um percentual do salário mínimo de acordo com a faixa etária: adultos (100%, ou R$ 998,00); adolescentes (50%, o equivalente R$ 499,00). Já as crianças recebem um quarto do piso nacional (R$ 249,50).
Esses valores foram assegurados a todos os moradores de Brumadinho, sem distinção. Nos demais municípios atingidos, o benefício foi concedido a pessoas que residem até um quilômetro de distância da calha do Rio Paraopeba. Atualmente, cerca de 108 mil fazem jus aos valores definidos.
A incerteza em relação ao futuro do pagamento levou um grupo de atingidos e protestar na semana passada, bloqueando uma linha férrea na altura do município de Mário Campos. Segundo André Sperling, promotor do MPMG, a divergência ocorre porque a Vale quer manter os repasses apenas para um número limitado de pessoas.
Prorrogação dos pagamentos emergenciais
A Vale informou a Agência Brasil que já apresentou à Justiça uma sugestão de prorrogação dos pagamentos emergenciais e aguarda avaliação, mas não revelou detalhes da proposta. A Defensoria Pública de Minas Gerais defende uma prorrogação que não restrinja os repasses feitos atualmente. Já para o MPMG, é necessária uma mudança de critério que permita corrigir distorções e, ao mesmo tempo, incluir atingidos que hoje não estão recebendo os valores.
"Para nós, a grande maioria deve continuar recebendo com alguns ajustes. Temos que cortar excessos, excluindo moradores dos condomínios de luxo de Brumadinho, por exemplo. O critério territorial foi implementado no início porque havia um caos na cidade. Foi uma decisão correta em função da situação de emergência. Através dele, foi possível minorar o impacto gigantesco desse desastre. Mas agora que já passou um tempo, temos condições de implementar critérios que tenha uma racionalidade maior e uma relação mais direta com o dano", disse Sperling.
A proposta que ele apresenta é abandonar o critério territorial e substituí-lo por um socioeconômico, estabelecendo o pagamento para quem teve comprometimento da renda ou do modo de vida.
Segundo o promotor, esse seria o caminho mais justo, permitindo que as pessoas que hoje enfrentam mais dificuldades sejam contempladas. Ao mesmo tempo, seriam interrompidos repasses para aqueles que moram em condomínios de luxo e que, pelo critério atual, têm direito ao benefício.
O MPMG também defende que a mudança de critério envolva um período de transição, no qual não ocorreriam cortes imediatos para quem atualmente recebe os valores. Isso porque a nova avaliação sobre quem tem direito ao benefício precisaria envolver as assessorias técnicas dos atingidos.
A contratação de entidades independentes para prestar suporte profissional às vítimas da tragédia se espelha nos desdobramentos do rompimento da barragem da Samarco, ocorrido em Mariana (MG) em 2015.
Os atingidos nesse episódio conquistaram judicialmente, com o apoio do MPMG, o direito de receberem apoio de organizações que contassem com uma equipe multidisciplinar composta por advogados, sociólogos, arquitetos e engenheiros, entre outros. A medida busca assegurar que eles estejam munidos de informações técnicas para negociar com a mineradora.
Após a ruptura da barragem da Vale em Brumadinho, um acordo judicial permitiu que esse direito também fosse assegurado às vítimas da tragédia. A área afetada foi dividida em cinco trechos e os atingidos em cada uma delas escolheram uma assessoria técnica. Em maio, por exemplo, 300 moradores de Brumadinho, reunidos em assembleia, optaram pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas).
As entidades são sempre escolhidas pelos próprios atingidos e cabe à Vale formalizar a contratação e arcar com os custos. No entanto, segundo o MPMG, apesar de todas as seleções estarem concluídas e homologadas pela Justiça, a mineradora tem questionado os planos de trabalho apresentados e retardado as contratações. Nenhuma delas foi formalizada até o momento.
"O direito às assessorias técnicas é fundamental. Sem elas, não vamos ter uma estimativa do total de atingidos. É preciso que essas entidades estejam em campo. É ela [a assessoria] que vai reunir os atingidos, que vai fazer um levantamento mais local. Tem categorias atingidas que nós nem conhecemos ainda. Recentemente, descobrimos uma comunidade quilombola no município de Paraopeba que tirava minhocuçu do solo e vendia às margens da rodovia para pessoas que iam pescar no rio Paraopeba. Agora ninguém mais compra. Então, veja bem: pessoas que trabalham retirando minhocuçu do solo foram atingidas. E não estão recebendo nada até hoje porque elas, as comunidades, ficam a mais de um quilômetro de distância do rio, que é a distância estabelecida pelo critério atual do pagamento emergencial", disse Sperling.
Ele também ressalta diferenças da proposta em relação ao mecanismo como os repasses emergenciais estão sendo feitos aos atingidos da tragédia de Mariana. Lá também foi estabelecido um critério socioconômico e, há cerca de quatro anos, os que perderam suas fontes de renda recebem um salário mínimo, acrescido de 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica.
"No modelo adotado para o desastre de Mariana, quem diz se a pessoa tem direito ao pagamento emergencial é a Fundação Renova, que é controlada pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billiton. Assim, nós entendemos que as próprias empresas que cometeram o crime estão dizendo quem são as vítimas. Por isso, nossa proposta é diferente. Nós queremos que uma empresa terceirizada, que não tenha relação com a Vale, seja contratada para fazer a análise dos dados e determinar quem deve ou não receber", explicou o promotor.
A empresa terceirizada, segundo Sperling, só entraria em campo depois que todas as assessorias técnicas dos atingidos estivessem funcionando. "As assessorias técnicas devem fazer busca ativa na região para mapear todos os atingidos e reunir suas informações. E aí a contratada analisaria essas informações", acrescentou.
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