Escrito por: Paulo Donizetti de Souza, da RBA

Bancários: reajuste de 5% e manutenção de direitos se devem a unidade

Juvandia Moreira, da Contraf-CUT, diz que assembleias nesta quarta (29) votam proposta que derrota reforma trabalhista. E alerta: eleições são meio de afastar perigos que ainda assombram os trabalhadores

PAULO DONIZETTI DE SOUZA/RBA

Bancários de todo o Brasil realizam assembleias, a maioria delas n nesta quarta-feira (29), com objetivo de avaliar a proposta de renovação da convenção coletiva nacional de trabalho. O Comando Nacional dos Bancários obteve em longa rodada de negociação no último fim de semana proposta da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) que prevê aumento salarial de 5% com impacto em todas as verbas e na participação nos lucros ou resultados (PLR).

O reajuste inclui um aumento real estimado em 1,18% (a previsão do INPC oficial a ser conhecido apenas na primeira semana de setembro é de 3,78%) e incide também sobre valores como vales refeição (vai para R$ 35,18/dia) e alimentação (R$ 609,87/mês), auxílio-creche (R$ 468,42), a fórmula básica da PLR (valor fixo de R$ 2.355,76 mais 90% do salário) e também na parcela adicional de PLR (R$ 4.711.52).

Prevê também a manutenção de todos os direitos econômicos e sociais previstos na atual convenção, inclusive para os chamados hipersuficientes, bancários que têm curso superior e recebem acima de dois tetos do INSS (R$ 11.291,60). A não inclusão desse segmento, onde se encontram cerca de 20% dos 487 mil bancários do país, era uma das “brechas permitidas” pela “reforma” trabalhista.

Tendo a nova lei trabalhista aprovada sob o governo de Michel Temer como “aliada”, os bancos iniciaram as negociações com ameaças de redução e cortes de direitos, especialmente os bancos públicos. Os bancários, por sua vez, anteciparam todo o processo de organização da campanha e calendário de mobilizações com vistas a empreender pressionar por um desfecho antes de o atual acordo expirar, em 31 de agosto.

“Antecipamos toda preparação da campanha e das negociações. Porque se corria o risco de ficar sem acordo. E não bastava conseguir a ultratividade na Fenaban, porque o governo já tinha dito que as empresas públicas não estavam autorizadas a aplicar”, diz a coordenadora do Comando Juvandia Moreira, presidenta da confederação nacional da categoria (Contraf-CUT).

“Nós nos preparamos para a greve, caso necessário, pois o objetivo sempre é chegar a um bom acordo. Chegamos a esse limite por conta da conjuntura e também da nossa organização”, afirma Juvandia, para quem as incertezas no cenário político também levaram os bancos a ser mais objetivos nas negociações.

A sindicalista ressalta que o acordo de dois anos traz uma garantia importante para todos, um fôlego, qualquer que seja o resultado eleitoral. Mas, alerta ela, o movimento sindical e os trabalhadores têm nas eleições de outubro oportunidade de discutir se se quer um Brasil para todos ou só para alguns. Se se pretende eleger um Congresso que defende os interesses do povo e dos trabalhadores ou que dará continuidade à obra de Michel Temer – a ponte para o futuro que na realidade é um túnel para o passado, como observa Juvandia.

Como foi esse processo de negociação diante de um ambiente tão hostil para os trabalhadores desde o golpe de 2016?

Isso é importante. Estamos fazendo campanha dentro de uma conjuntura extremamente difícil, de retirada de direitos. A “nova” lei trabalhista possibilita tirar uma parte dos trabalhadores do acordo (os chamados hipersuficientes, funcionários com salários acima de duas vezes o teto do INSS, R$ 11.291, e com curso superior), possibilita retirada de direitos, trocar trabalhadores diretos por terceirizados.

Mais de 85% de nossa categoria tem nível superior. E temos 91 mil bancários com nível superior e salários superiores a R$ 11.291. Eles estariam fora do acordo, não teriam direito ao reajuste de 5%, à participação nos lucros ou resultados e aos demais itens de nossa convenção coletiva, e também fora dos itens previstos nos acordos específicos por banco, que são adicionais à convenção.

Vivemos uma conjuntura de retirada de direitos, de desmonte das empresas públicas, de tentativas de preparação para privatização. Os bancos públicos – Caixa, BB, BNDES – têm sido desmontados, estão fechando agências, descomissionando funcionários. Houve planos de demissão voluntária, saíram quase 20 mil pessoas dos bancos públicos e essas pessoas não foram repostas. As agências estão sobrecarregadas.

Então nessa conjuntura de desmonte, mais a reforma trabalhista que permite a retirada de direitos, conseguimos fechar um acordo que garante aumento real (que é estimado em 1,18% se a inflação ficar em 3,78%, pode ser uma pouco mais se a inflação for menor) acima da média das categorias que fecharam com aumento real.

E conseguimos garantir a preservação de um acordo, se ele for aprovado nas assembleias, que é muito importante para a categoria – um terço das categorias que tiveram negociação neste ano não conseguiram fechar acordo. Sem contar o cenário incerto, de desemprego alto, recessão, economia patinando há mais de dois anos. É nessa conjuntura que estamos fechando acordo. Além disso, considerados os trabalhadores de empresas públicas, os bancários estão sendo os únicos a conseguir aumento real.

Essa lógica da reforma trabalhista e da possibilidade de redução de direitos esteve muito presente nas negociações?

Com certeza, e não era “bode” não. O objetivo deles era retirar direitos mesmo. Em várias cláusulas, queriam retirar ou reduzir direitos. 

Estavam excluindo da PLR mães que voltavam de licença-maternidade. As mulheres não podem ser punidas por seu papel social serem mães. Houve repercussão muito negativa a essa tentativa-

Também os que retornavam de afastamento por doença e nós conseguimos garantir todos esses direitos. Nesta conjuntura é uma grande vitória.

Era de esperar que estando sob o comando do governo Temer os bancos públicos fossem criar mais dificuldades para se chegar a uma solução negociada para o acordo?

Acho que o governo tentou. O objetivo do governo sempre foi dificultar. Tanto que nos acordos específicos também estava a pauta da retirada de direitos. E a nossa unidade, a composição da mesa única (com bancos privados e públicos), levou à derrota desse objetivo do governo e da reforma trabalhista de retirar direitos. Não é à toa que eles estão dizendo que estamos fazendo uma contrarreforma trabalhista.

O fato de o acordo ser válido por dois anos, que já traz uma segurança por um período mais longo em meio ao cenário incerto, acaba sendo, então, mais importante ainda para o pessoal dos bancos públicos?

É muito bom falar sobre o acordo de dois anos, porque tem muita gente que ainda não compreende essa importância. O fato de termos feito acordo de dois anos em 2016, permitiu que a gente chegasse até aqui, nas empresas públicas em especial, com todos os direitos.

E neste ano, o fato de a gente estar renovando por dois anos, vai garantir que esses trabalhadores, independentemente de quem ganhe a eleição, mantenha todos os direitos. Por exemplo, os empregados da Caixa, por conta de uma resolução do governo, estavam correndo risco de ter retirado do acordo específico a garantia do Saúde Caixa e estavam ameaçados, pessoal da ativa e aposentados.

Os da ativa quando aposentarem e os já aposentados de perderem a manutenção do plano de saúde. Ou ter um aumento na contribuição do trabalhador. E a gente garante que até janeiro de 2021 não muda nada. É uma vitória.

Imagine que vários presidenciáveis defendem as privatizações. Eu estava ouvindo entrevista do economista (Paulo Guedes) da campanha do Bolsonaro que defende a privatização de todas as empresas estatais. O Alckmin a mesma coisa, e que começaria pela Caixa. Então pra nós é importante ter esses dois anos para garantir esses direitos.

E se a gente tem um governo progressista que ganha as eleições, nós temos tempo de fazer o diálogo para tirar essa CGPAR, que quer alterar os planos de saúde das estatais, que na verdade é um lobby dos planos de saúde privados para destruir os planos de saúde fechados para ter um público maior para esse mercado.

O ambiente eleitoral é de apreensão para todos os lados. Para as forças de esquerda, favoritas nas pesquisas, porque temem um eventual desrespeito às regras do jogo. E para o mercado, que quer a continuidade das medidas do governo Temer, porque ainda não conseguiu achar um candidato. Como o movimento sindical se posiciona neste momento?

Nós temos uma posição clara sobre isso. Nós discutimos, primeiro nos estados e depois na Conferência Nacional dos Bancários (em junho), que o cenário eleitoral é muito importante. É fundamental dialogar com os trabalhadores que nós precisamos eleger candidatos comprometidos com a pauta da classe trabalhadora, com um Brasil para todos, e não com um Brasil excludente, como essas forças que deram o golpe estão implementando, que concentrou mais riqueza, que aumentou o desemprego, atacou os direitos dos trabalhadores, que congelou investimentos em saúde e educação por 20 anos. Então, não é esse o Brasil que o povo quer. E nossa campanha também é influenciada por essa disputa.

E fato de a direita não ter um candidato forte faz com que eles também negociem. A gente conseguiu negociar. Se tivesse de fazer greve, a gente estava organizando a categoria para isso. O objetivo sempre é chegar a um bom acordo. E nós chegamos a esse limite por conta da conjuntura e também da nossa organização, e ter uma unidade muito grande no Brasil todo.

Nós queríamos negociar e esse é o objetivo sempre. Mas mostramos para os bancos que a gente está preparada para fazer o embate, se for necessário. Isso ajuda a chegar aonde a gente está. Tivemos a nossa firmeza por nenhum direito a menos, e tivemos inclusive avanço, uma nova conquista, que é parcelamento do adiantamento de férias. Isso é fruto do sucesso da estratégia que a gente traçou.

Não deve chamar a atenção dos trabalhadores, além da eleição presidencial, a eleição de um novo Congresso, já que pode estar em jogo no próximo período a revogação da reforma trabalhista?

Acho que o movimento sindical tem uma grande oportunidade de fazer o debate com os trabalhadores sobre a importância das eleições. Sabendo que a revogação desses desmontes todos que fizeram passa pelo Congresso e no sentido também de impedir o que ainda querem fazer, por exemplo, acabarem com o direito à aposentadoria. Eles não querem uma reforma, discutir, sentar negociar. Querem acabar unilateralmente com as aposentadorias dos trabalhadores sem mexer nos privilégios. 

Se a gente não mudar o Congresso, se não elegermos uma bancada que defenda o interesse de verdade do povo e dos trabalhadores, nós vamos enfrentar, depois das eleições, essas reformas.-

Quem é o candidato dos bancos à Presidência da República?

Eles estão tentando achar. O Alckmin é um candidato da direita. E o Bolsonaro é o da extrema-direita, que tem o discurso anti-distributivista, discriminatório e que explora muito a questão da segurança, fala em armar a população como se o direito a portar uma arma trouxesse alguma qualidade de vida. A elite testa candidatos e nenhum decolou. Se você pegar o Partido Novo, por exemplo, é o partido do sistema financeiro, mas também não decola.

Nas campanhas anteriores era comum os bancos justificarem propostas salariais baseadas em inflação futura. Desta vez foram mais ágeis em trazer uma proposta incluindo reposição e aumento real. O que mudou?

Os bancos usavam isso mais como desculpa. Nosso debate foi sempre não ter perdas e ter aumento real. Então, nem tiveram coragem de usar esse argumento este ano. A principal tentativa deles foi de retirar direitos, suprimindo ou alterando cláusulas da convenção, “já que a reforma trabalhista permite...”

É também a primeira vez que uma proposta de acordo chega perto de se concluir antes da data-base, que é 1º de setembro. Como é essa experiência de chegar a esse termo antes mesmo de a categoria ir à greve, como nos últimos 14 anos?

Isso tem a ver com o sucesso da nossa estratégia. Nós antecipamos todo o processo de preparação da campanha e das negociações. Já sabendo do fim da ultratividade (extensão da validade do acordo em vigor até que se concluam as negociações do próximo) antecipamos o processo, as consultas, as assembleias locais, as conferências regionais e a nacional.

Nunca fizemos um Conferência Nacional em junho, era sempre no final de julho. Porque se corria o risco de ficar sem acordo. E não bastava conseguir a ultratividade na Fenaban, porque o governo já tinha dito que as empresas públicas não estavam autorizadas a aplicar.

Assista aos principais trechos da entrevista: