Escrito por: Contraf-CUT
Obras no exterior beneficiaram mais de 2 mil empresas brasileiras e auditoria, mesmo encomendada no governo passado, comprovou que banco de estímulo nunca apresentou perdas
O nome do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltou às manchetes dos jornais e a repercutir em comentários nas redes sociais, depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmar que o Brasil voltará a financiar projetos de engenharia e desenvolvimento no exterior por meio da entidade de fomento, ao anunciar o interesse do país em apoiar a construção de gasoduto na Argentina que, futuramente, poderá abastecer o Brasil com gás de xisto.
Segundo o presidente, há interesses “no gasoduto, nos fertilizantes, no conhecimento científico e tecnológico que a Argentina tem”. Lula destacou ainda que “países maiores têm que auxiliar os países que têm menos condições”. O BNDES é atualmente o terceiro maior banco de estímulo do mundo, atrás apenas de instituições da China e da Alemanha.
“A primeira grande fake news que temos que combater é de que o BNDES empresta dinheiro diretamente aos países”, pontua o vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Vinícius Assumpção. “Quem recebe os aportes financeiros são empresas brasileiras que prestam serviços para as obras que serão desempenhadas no exterior”, destaca.
Na página Agência BNDES de Notícias, o banco esclarece que “apoia a exportação de bens e serviços brasileiros para o exterior” e não envia dinheiro para outros países. “São coisas bem diferentes. No apoio à exportação, os recursos são desembolsados aqui mesmo, no Brasil, em R$ [reais], para a empresa brasileira exportadora”, explica.
Por outro lado, os países estrangeiros que recebem as obras ficam responsáveis pelo pagamento dos débitos, de forma parcelada, com taxa de juros definida no acordo com o governo brasileiro.
Em 1997, ainda no governo Fernando Henrique, foi criado o Fundo de Garantia à Exportação (FGE), vinculado ao Ministério da Fazenda, que, em caso de inadimplência do devedor, indeniza o banco.
O Brasil chegou a ter 2,3% de presença no mercado global nos serviços de engenharia, nos anos em que o BNDES atuou ativamente para financiar obras de engenharia no exterior. Segundo levantamento feito pela LCA Consultores, na década passada, mais de 2 mil empresas brasileiras, sendo 76% médias e pequenas, faziam parte da rede de fornecedores nesses empreendimentos. Hoje, a presença da engenharia brasileira está em menos de 1%.
“Estamos falando de um modelo de investimento que prioriza o fortalecimento de empresas nacionais, gera mais empregos e, consequentemente, mais renda. No exterior, as empresas brasileiras podem atuar em tudo que envolve a obra, desde os processos de engenharia, até os insumos e os equipamentos necessários para levantar do papel o empreendimento, tanto cimento, caminhões, e produtos básicos, como os uniformes e a alimentação dos trabalhadores”, observa o dirigente da Contraf-CUT.
De 1998 até 2022, o BNDES desembolsou US$ 10,5 bilhões em obras realizadas no exterior. Nesse período, recebeu de volta US$ 12,7 bilhões. Portanto, o banco brasileiro teve lucro de US$ 2,2 bilhões ou pouco mais de R$ 11 bilhões. “O banco não perdeu, mas ganhou dinheiro, com o financiamento para países da América Latina e da África. Não são dados da Fundação Perseu Abramo ou do Dieese. Estão no site do BNDES”, observou o colunista do jornal Valor Econômico, Daniel Rittner, em matéria especial, publicada em novembro de 2022.
Ainda segundo informes divulgados pelo BNDES, em todo o período de 2003 a 2015, nos governos Lula e Dilma, o banco seguiu apresentando lucro líquido.
De 1998 até 2022, o banco emprestou US$ 274 bilhões à infraestrutura nacional, valor 26 vezes maior do que os empréstimos para financiar bens e serviços em obras de empresas brasileiras no exterior (US$ 10,5 bilhões).
Nada de “ditadura socialista” no BNDES, nem durante os governos Lula e Dilma. Um informe divulgado pelo BNDES, em 2019, mostra que, desde 1998, o BNDES destinou recursos para obras em mais de 40 países. O campeão dos recursos destinados pelo banco de fomento brasileiro foram os Estados Unidos, com mais US$ 17 bilhões, atrás de Argentina (US$ 3,5 bilhões) e Angola (US$ 3,4 bilhões).
Os países que estão em atraso com o BNDES, atualmente, são Venezuela (US$ 681 milhões), Moçambique (US$ 122 milhões) e Cuba (US$ 226 milhões). Os débitos totalizam US$ 1,03 bilhão, até setembro de 2022. Mas outros US$ 573 milhões estão por vencer. Os valores relativos a esses empréstimos foram pagos pelo FGE.
A pedido do então presidente Bolsonaro, que ainda propagava a fake news da “caixa preta do BNDES”, o banco encomendou uma auditoria aos escritórios de advocacia Levy & Salomão e Cleary, Gottlieb Steen & Hamilton, com sedes no Rio e em Nova York, para analisar os contratos com o grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
O relatório, de oito páginas e que custou R$ 48 milhões ao BNDES, nada constatou. “As decisões do banco parecem ter sido adotadas após considerações de diversos fatores negociais relevantes e ponderações dos riscos e potenciais benefícios para o banco”, concluíram os escritórios.
Vinícius Assumpção, ressalta que, na guerra de informações sobre o tema, pouco se comentou nas redes sociais sobre o que o Brasil pode ganhar com o gasoduto argentino. “A agência de notícias Reuters, por exemplo, avalia que a obra é interessante para o Brasil, que hoje compõe grande parte da sua demanda pelo gás boliviano”, destaca o dirigente da Contraf-CUT.
Os argentinos já concluíram a primeira fase do gasoduto Néstor Kirchner, para transportar gás de xisto produzido na região de Vaca Muerta, no oeste do território do país. “Temos a decisão, nos próximos 90 dias, de colocar em licitação a segunda parcela [do gasoduto] para garantir, por um lado, o abastecimento de Uruguaiana, mas, por outro, explorar o desenvolvimento da infraestrutura para abastecer o Rio Grande do Sul”, disse o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, no dia 23 de janeiro, em reunião ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “O desafio que temos que enfrentar juntos é que Vaca Muerta chegue ao Brasil para que os brasileiros tenham acesso ao volume de gás que precisam para o processo de desenvolvimento industrial e para que os argentinos tenham a oportunidade de exportar parte do que é nosso recurso”, completou.
Para se conectar ao Rio Grande do Sul, o gasoduto precisará de uma terceira fase, que não está incluída na licitação a ser anunciada. Mas a fala de Massa já indica que os argentinos querem que o plano saia do papel.
Os Estados Unidos são, atualmente, o país que mais explora o xisto, por deter a maior reserva mundial do tipo de rocha de onde é possível extrair petróleo e gás. Por ser uma fonte de energia barata, contribuiu para que o país do Norte mantivesse vantagens no crescimento econômico. A grande questão em torno da fonte de energia são os danos ambientais, pela forma como ocorre a extração e pela emissão de dióxido de carbono na atmosfera.