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Boicote de jogadores da NBA contra violência policial nos EUA repercute mundialmente

Atletas do Milwaukee Bucks decidiram não entrar em quadra nesta quarta (26) após homem negro ser baleado pelas costas

Publicado: 27 Agosto, 2020 - 14h29

Escrito por: Lu Sudré Brasil de Fato | São Paulo (SP)

David Dow/AFP
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Em repúdio a mais um caso de violência policial contra a população negra nos Estados Unidos, atletas do Milwaukee Bucks não entraram em quadra nesta quarta-feira (24) e paralisaram a NBA (National Basketball Association), o campeonato norte-americano de basquete.

A suspensão da partida, que aconteceria contra o Orlando Magic, é um boicote histórico no mundo do esporte e ganha repercussão internacional. A decisão foi tomada pelos atletas após Jacob Blake, um homem negro de 29 anos, ser alvejado com sete tiros pelas costas por policiais brancos em Kenosha, no estado de Wisconsin, no último domingo (23).

Blake, que estava desarmado e sequer estava envolvido diretamente na ocorrência atendida pela policiais, foi baleado na frente de seus três filhos e perdeu o movimento das pernas em consequência dos ferimentos. Ele segue internado e, de acordo com familiares, os danos podem ser irreversíveis.

Direto do vestiário, os jogadores leram um comunicado denunciando o racismo das forças de segurança nos EUA. 

"Os últimos quatro meses lançaram luz sobre as injustiças raciais em curso que as comunidades afro-americanas enfrentam. Cidadãos de todo o país têm usado suas vozes e plataformas para se manifestar contra esses delitos. Apesar do apelo esmagador por mudança, não houve nenhuma ação. Nosso foco hoje não pode estar no basquete”, começa o texto, em referência ao levante antirracista que ganhou o mundo após o assassinato de George Floyd.

“Estamos pedindo justiça para Jacob Blake e exigindo que os oficiais sejam responsabilizados. Para que isso ocorra, é imperativo que o Legislativo do Estado de Wisconsin se reúna após meses de inação e tome medidas significativas para tratar de questões de responsabilidade policial, brutalidade e reforma da justiça criminal. Incentivamos todos os cidadãos a se educarem, a tomarem medidas pacíficas e responsáveis ​​e a se lembrarem de votar em 3 de novembro", leram os jogadores.

Os outros dois jogos que aconteceriam na quarta (26)  entre Houston Rockets e Oklahoma City Thunder, e Los Angeles Lakers e Portland Trail Blazers, também foram adiados. Frente ao boicote, que deve ser mantido por outros times, a organização da NBA estuda qual medida tomar em relação aos playoffs, torneios eliminatórios da liga.

A diretoria dos Bucks emitiu uma nota apoiando a decisão dos jogadores. “Embora não soubéssemos de antemão, teríamos concordado com eles mesmo assim. A única maneira de conseguir mudanças é colocar luz às injustiças raciais que estão acontecendo diante de nós. Estaremos ao lado deles para exigir responsabilidade e mudança”, diz o texto.

Reação em cadeia

As jogadoras da Women's National Basketball Association (WNBA), liga profissional de basquete feminino, também fortaleceram o boicote. Elas usaram camisas brancas com alusão às marcas dos tiros contra Jacob Blake, se reuniram no centro da quadra e ficaram de joelhos. Em seguida, deram os braços e exibiram o nome da vítima. 

A organização da WNBA, por sua vez, seguiu o mesmo caminho da NBA e suspendeu os jogos que aconteceriam nesta quarta-feira (26).

Partidas de beisebol também foram boicotadas por iniciativa dos atletas. Os Milwaukee Brewers e o Cincinnati Reds, da Major League Baseball (MLB), por exemplo, se recusaram a jogar após o movimento iniciado pelo Bucks. 

A liga de futebol americana também remarcou todas as partidas em protesto contra o racismo.

Com a repercussão do boicote, o torneio de tênis de Cincinnati anunciou a suspensão das partidas marcadas para esta quinta-feira (27) em solidariedade às manifestações.

A decisão foi tomada conjuntamente pela Federação de Tênis dos Estados Unidos e organizações responsáveis após a tenista japonesa Naomi Osaka declarar adesão ao boicote.

“Queremos mudança”

Nas redes sociais, jogadores de outros times da NBA apoiaram a decisão dos Bucks. Entre eles LeBron James, astro do time Los Angeles Lakers.

“Queremos mudanças, estamos cansados disso”, escreveu em seu perfil no Twitter. Em meio à onda de protestos antirracistas após o caso George Floyd, James e outros atletas da liga se posicionaram publicamente e participaram dos atos de rua. 

Por pressão dos jogadores, a NBA passou a adotar a campanha de combate ao racismo com mensagens nas camisas e nas quadras com frases como “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam). Os atletas também se ajoelharam no início do hino nacional antes das partidas como forma de protesto. 

Donovan Mitchell, jogador do Utah Jazz, saudou o movimento iniciado pelo Bucks. Dwyane Wade, que competia pelo time e se aposentou ano passado, elogiou a ação. "Orgulhoso dos nossos jogadores!", postou.

JR Smith, que joga pelo Lakers, fez uma postagem com a seguinte mensagem: "Você não quer nos ouvir. Bem, agora você não pode nos assistir."

Entenda o caso

Desde domingo, protestos contra a violência policial têm sido registrados na cidade de Kenosha, em Wisconsin, onde Jacob Blake foi baleado. O homem tentava auxiliar em uma briga doméstica envolvendo terceiros, ocorrência para qual a policia foi chamada.

Vídeos gravados por vizinhos mostram o exato momento em que Blake anda até a porta de um carro é seguido por dois policiais. Em seguida, ao abrir a porta do carro, é baleado a curta distância na frente de seus três filhos pequenos e de outras testemunhas que estavam no local. É possível escutar sete disparos à queima roupa, em plena luz do dia.

A multidão iniciou a onda de protestos poucas horas após o episódio, quando caminhões foram incendiados e prédios públicos danificados em repúdio à ação policial. Os agentes envolvidos, até o momento, foram apenas afastados de suas funções.

Houve repressão contra os ativistas na noite da última terça-feira (25). Eles foram alvejados com bombas de gás e balas de borracha enquanto protestavam no Tribunal de Kenosha. Pedras e garrafas foram atiradas contra os policiais. A Guarda Nacional foi convocada pelo governo de Wisconsin com a intensificação dos confrontos. 

Após um desentendimento entre um grupo de civis armados e os ativistas, três pessoas foram baleadas e duas delas morreram. Um jovem de 17 anos foi preso acusado de ser responsável pelos disparos. 

“Não quero pena, quero mudança”

Em entrevista coletiva nesta quarta (26), Letetra Widman, irmã de Jacob Blake, pediu que as pessoas refletissem seriamente sobre o racismo estrutural no país.

“Tantas pessoas entraram em contato comigo, dizendo que lamentam que isso esteja acontecendo com minha família. Não se desculpe porque isso vem acontecendo com minha família há muito tempo, há mais tempo do que eu posso contar”, disse Widman, citando outros casos de violência contra pessoas negras.

Entre eles o de Emmett Till, um garoto negro de 14 anos de idade, que em 1965 foi linchado até a morte no estado do Mississipi após ser falsamente acusado te ter assobiado para uma mulher branca. A verdade veio à tona 60 anos depois, quando a vítima assumiu ter mentido.

A irmã de Jacob também mencionou a morte de Philando Castile, após ação policial no trânsito, do jovem Michael Brown e de Sandra Bland, mortos por policiais brancos. 

“Eu chorei por cada uma dessas pessoas. Isso não é novo. Eu não estou triste, estou revoltada e cansada. Eu tenho visto a polícia assassinar pessoas que se parecem comigo por anos. Eu não quero a pena de vocês. Eu quero mudança”, declarou.

Além do recente assassinato de George Floyd, Rayshard Brooks, outro homem negro, também morreu em junho após ser alvejado por um tiro no estacionamento de uma unidade do restaurante Wendy's durante abordagem policial.