Escrito por: Redação RBA

Bolsonaro ameaça quilombolas ao cortar verba para demarcação de terras

Insegurança territorial impede quilombolas de terem acesso a políticas públicas, avalia assessora jurídica. Comunidades recorrem ao STF para impedir violações

Tatiana Azeviche/Setur-BA

Está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) uma peça jurídica sobre violações de direitos dos quilombolas. O documento, construído de forma coletiva por advogados e organizações de direitos humanos e entidades da sociedade civil, denuncia a falta de assistência médica. E aponta também a insegurança alimentar e as dificuldades que as comunidades estão enfrentando para ter materiais preventivos contra a covid-19.

De acordo com as organizações, em meio à pandemia do novo coronavírus o governo de Jair Bolsonaro vem precarizando ainda mais as condições de vida dos povos tradicionais. E a previsão para o ano que vem é que a situação se agrave.

A proposta de orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2021, enviada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, retira, por exemplo, 90% das verbas para o reconhecimento e indenização dos territórios quilombolas. Com isso, a dotação orçamentária cai R$ 3,2 milhões, em 2020, para R$ 329,8 mil.

Cortes ampliam vulnerabilidade

“Esses cortes vêm paulatinamente afetando as comunidades quilombolas. E a situação de acesso às políticas públicas fica extremamente precarizada quando a gente vê a insegurança territorial. Quanto menos quilombos intitulados, são mais quilombos que não acessam de forma plena políticas públicas de todos os setores, seja de educação, saúde e mobilidade. Porque um território que não está intitulado limita extremamente essas comunidades na sua possibilidade de reivindicação por direitos e acesso a políticas públicas”, aponta a assessora jurídica da Organização Terra de Direitos, que integra também o coletivo de assessoria jurídica Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Maíra de Souza Moreira, em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual

Também doutoranda em teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Maíra explica que o objetivo da ação que tramita no STF como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundametal (ADPF) 742 é contestar o Estado pela sua omissão em assegurar a vida e a saúde da população quilombola.

Até agora, contudo, o Ministério da Saúde não tem dados sobre o número casos e óbitos em decorrência da covid-19 nessa população. E mais de seis meses desde início da pandemia, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ainda estuda um plano emergencial. Enquanto isso a Conaq, que faz um monitoramento independente, até o dia 24 de setembro já calculava 4.590 casos confirmados. Outras 1.219 pessoas estão em monitoramento e 166 vidas já foram perdidas. 

Crise e insegurança 

Além da doença, os quilombolas também não ficaram isentos dos efeitos econômicos agravados pela pandemia. O produtor rural quilombola da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, Calisto de Sousa Santos conta também na Rádio Brasil Atual que muitas famílias perderam seus negócios e estão sem sustento em meio à crise. 

“Ficamos todos assustados, com medo (do novo coronavírus). E não estamos podendo trabalhar. Qualquer dinheiro a mais ajudava a gente a pagar as contas de casa. E hoje,  com o dinheiro que estamos fazendo, mal dá para pagar as contas. Comer também é regrado. Eu sou guia também de turismo, e o turismo acabou. Vivíamos da roça, do turismo, e ganhávamos um dinheiro. Hoje em dia não tem”, afirma o produtor. 

Para os advogados e as organizações quilombolas, o Estado precisa se comprometer com o enfrentamento dos efeitos imediatos e a médio e longo prazo. “Essa é uma situação estrutural que vem afetando os quilombos, fruto de um racismo histórico, mas também fruto de uma política atual, e bastante efetiva, de desmonte da política quilombola. O que tornou essas comunidades hipervulneráveis no período de pandemia. É uma ação deliberada e organizada do governo federal, infelizmente, no sentido de precarizar a vida dessas comunidades em um contexto tão adverso como o que a gente tem vivido”, crítica a assessora jurídica. 

Confira a entrevista: