Bolsonaro corta concursos públicos e quer contratar aposentado com salário 70% menor
MP enviada ao Congresso dispensa realização de concurso público e prevê contratação de aposentados com salários 70% menores de servidores nas mesmas funções. Para sindicalista, MP é mais um desmonte do Estado
Publicado: 04 Março, 2020 - 09h00 | Última modificação: 04 Março, 2020 - 09h07
Escrito por: Rosely Rocha
Para dar continuidade ao desmonte do papel social do Estado, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) ataca mais uma vez enviando ao Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) nº 922/20, que prevê a contratação de trabalhadores temporários para atender no serviço público, sem a obrigação da realização de concursos. Os contratos terão a duração de quatro anos, com prorrogação de mais um ano.
Além da dispensa de concursos, o governo quer contratar servidores aposentados, que podem trabalhar em outros setores além do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas com salários irrisórios, 70% menores do que os salários dos servidores da ativa, ou ainda receber por produtividade (o governo não detalhou como será este tipo de remuneração). No caso dos aposentados, os contratos temporários terão a validade de no máximo dois anos.
Além de ajudar a diminuir a fila do INSS, que tem quase dois mil trabalhadores aguardando análise do pedido de benefício, os contratados temporariamente poderão atuar também em outras situações, como trabalhar para reduzir volume de trabalho, desenvolver serviços e conter situações de risco de calamidade pública.
Diminuição do papel do Estado como protetor social
A MP, que a primeira vista pode parecer uma saída para a grave crise econômica que atravessa o país, é na verdade a diminuição do tamanho do Estado e o desmonte do tecido social, alerta o Coordenador-Geral do Sindicato dos Servidores Federais no Estado de Pernambuco (Sindsep-PE), José Carlos de Oliveira.
Segundo o dirigente, todas as medidas provisórias que o governo vem lançando no Congresso Nacional são na linha de diminuir o tamanho do Estado com o discurso falacioso de que o serviço público dá prejuízos aos cofres públicos.
“O que eles querem, na verdade, é utilizar o orçamento da União única e exclusivamente para pagar a dívida pública, proteger o rentismo e pagar o pessoal do Guedes [Paulo Guedes, ministro da Economia]. O Brasil é um grande negócio para eles”, denuncia.
José Carlos conta que a tática dos governos de direita para desmontar o Estado e acabar com os direitos é precarizar o atendimento à população com a diminuição no número de servidores e a redução de salários e de investimentos.
Quando a população vê que determinado serviço não atende a demanda, ela se coloca contra o servidor que é tão prejudicado quanto a sociedade brasileira.
“Não houve uma única proposta desse governo na linha de construir. Tudo é para destruir o social”, diz o dirigente.
Para o Coordenador-geral do Sindsep-PE , o governo só consegue tomar iniciativas como cancelar concursos públicos e reduzir o papel do Estado de protetor social porque tem como aliados apresentadores de TV como Ratinho, Silvio Santos, Luciana Gimenez, José Luiz Datena e o bispo Edir Macedo, dono da Rede Record, que diuturnamente fazem discursos chamando os servidores públicos de marajás.
“Eles insinuam que todos os servidores públicos recebem os altos salários de um ministro do Supremo ou de um procurador da República. Com isso, o governo joga a população contra nós, enfraquece entidades, sufoca o orçamento e ainda nos chama de parasitas”, critica o dirigente, ao lembrar o xingamento do ministro da Economia aos servidores federais. Oliveira complementa afirmando que “a finalidade do orçamento federal é remunerar os banqueiros com juros altos dos títulos da dívida pública. Isto sim é parasitar o governo”.
De acordo com o sindicalista, a economia do mercado é a lei do lucro para poucos e a miséria para muitos. Ele afirma ainda que o discurso de que o Estado está quebrado, e que por isso, é preciso reduzir o seu tamanho, retirando direitos dos servidores, é mentiroso.
“O Brasil tem US$ 1 trilhão em reservas. Guedes, mal intencionado, disse que o país gasta 90% do seu Orçamento com serviço público. O Brasil gasta apenas 20% do que arrecada com serviço público. É menos do que foi aplicado em 2002. Além disso, a Receita Corrente Líquida (RCL) prevê que podemos utilizar até 50% do orçamento”, diz.
Bolsonaro usa o desemprego para oferecer baixos salários
Com o alto índice de desemprego e os filhos voltando a morar com os netos nas casas dos pais será inevitável o aposentado aceitar ganhar apenas 30% do salário, como oferece Bolsonaro, acredita José Carlos.
“O aposentado vai se submeter a qualquer tipo de serviço para complementar a renda da família. E quando o governo oferece uma esmola, as pessoas passam a acreditar que a medida é boa”, lamenta.
A situação é tão grave que o governo e parte da mídia induzem a população a pensar que vender água , bolo e café no semáforo é coisa de empreendedor
Validade da MP
A Medida Provisória 922/20 tem força de lei e passa a valer por 60 dias, após a sua publicação, e pode ser prorrogada por igual período. No entanto, precisa ser analisada pelo Congresso para valer em definitivo.
Veja o que muda com a MP nº 922/20 (informações da Câmara Federal)
A MP altera as regras para contratação temporária de pessoal, no serviço público federal, para atender situações de excepcional interesse público, previstas na Lei 8.745/93. Além dos pontos já citados, a norma traz as seguintes mudanças:
Novas situações
- Poderá haver contratação de pessoal temporária para atuar com pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços, no âmbito de projetos com prazo determinado, com contrato de até 4 anos, podendo ser prorrogado por até 8 anos;
- Também poderão ser contratados temporariamente profissionais para trabalhar em atividades que se tornarão obsoletas no curto ou médio prazo, que tornem desvantajoso o provimento efetivo de cargos. Este ponto será posteriormente regulamentado por decreto;
- O texto abre também a possibilidade de contratação de pessoal para prestar assistência a situações de emergência humanitária que ocasionem aumento súbito de ingresso de estrangeiros no País, como ocorreu recentemente com venezuelanos;
- Haverá dispensa de processo seletivo para a contratação de pessoal para atender às necessidades decorrentes de emergência humanitária e situações de iminente risco à sociedade;
- O recrutamento de pessoal será feito por processo seletivo simplificado. A MP desobriga a publicação do edital no Diário Oficial da União.
Readmissão
- Os temporários não poderão ser novamente admitidos antes de decorridos 24 meses após o fim do contrato, exceto nas hipóteses em que a contratação seja precedida de processo seletivo simplificado de provas ou de provas e títulos, como nas universidades federais e institutos de pesquisa.
Aposentados
- O recrutamento para a contratação será divulgado em edital de chamamento público. Não serão contratados aqueles com idade a partir de 75 anos, e nem aposentados por incapacidade permanente;
- O contrato de trabalho terá metas de desempenho e o pagamento terá uma parcela fixa e outra variável, esta conforme a produtividade. O valor não será incorporado à aposentadoria e não estará sujeito à contribuição previdenciária;
- O aposentado contratado terá direito aos auxílios transporte e alimentação, e diárias.
PPI
A MP 922/20 também altera a Lei 13.334/16, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), para transferir ao governo o poder de definir, discricionariamente, a composição do Conselho do PPI, inclusive o seu presidente. Antes da mudança, o conselho era formado por sete ministros e três presidentes de bancos estatais. A presidência cabia ao ministro-chefe da Casa Civil.
Órgão máximo do PPI, o conselho avalia e recomenda ao presidente da República os projetos que integrarão o programa. Criado ainda no governo Michel Temer (2016-2018), o PPI coordena as privatizações e as políticas de investimentos em infraestrutura por meio de parcerias com o setor privado.
Empréstimo consignado
A medida provisória também altera a Lei do Empréstimo Consignado para permitir que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) terceirize a prestação dos serviços de operacionalização das consignações. A contratação será por licitação. Se o INSS optar por uma estatal para o serviço, como a Caixa Econômica Federal, haverá dispensa de licitação.