Escrito por: Tiago Pereira, da RBA
Com desmonte de políticas sociais e econômicas, país precisará de pelo menos mais oito anos para retomar o melhor índice de redução das classes D e E, registrado em 2014
O jornal Valor Econômico publicou nesta terça-feira (25) um estudo da Tendências Consultoria que prevê que o total de domicílios brasileiros considerados como de classes D e E deve fechar o ano em 50,7%. Uma década atrás, no entanto, as duas classes representavam 48,7% do total. Além disso, as projeções de longo prazo da consultoria indicam que somente em 2028 o país deve retomar aos níveis de 2014, quando registrou sua melhor marca, com 47% da população nas classes D e E.
O estudo considera como classes D e E os domicílios que tiveram renda mensal familiar de até R$ 2,9 mil em novembro de 2021, considerados “pobres” e “extremamente pobres”. Nessas classes, a informalidade é muito mais comum e a renda, além de volátil, oscilou durante a pandemia, aumentando a dependência dos programas de transferência social.
De acordo com o economista Lucas Assis, responsável pelo estudo, 47,1% da renda desse grupo vem do trabalho. Outros 39% da Previdência Social (aposentadorias). O auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) respondem atualmente por 12,3%.
Por sua vez, na classe C a renda do trabalho responde por 90,8% dos recursos. Na classe A, três quartos (74,8%) da renda vêm de “outros” (como ganhos de capital com juros e dividendos, que não são tributáveis), e apenas 24,8% recebem renda do trabalho.
“A classe D/E é a que forma a base da população brasileira, é a mais vulnerável economicamente. É uma população que tem participação relevante dos salários na sua renda, mas depende muito das transferências sociais”, afirmou o economista.
O especialista afirmou que, apesar de “expressiva proteção” às classes D e E nos dois últimos anos, o auxílio emergencial não foi capaz de reduzir a pobreza no país. “Mesmo com a ampliação dos programas de transferência não enxergamos redução da fatia dos mais pobres na população. A gente ainda vai ter uma mobilidade social muito reduzida nos próximos anos”.
Lucas Assis aponta a deterioração do mercado de trabalho e a distribuição desigual de ocupações e rendimentos entre os trabalhadores como elemento importante da queda da renda das famílias mais pobres. Nesse sentido, a reforma “trabalhista” do governo golpista de Michel Temer fracassou na promessa de aumentar a oferta de empregos no país.
O que houve, desde então, foi o aumento da informalidade. Com empregos sem carteira ou trabalhando por conta própria. Com isso, o rendimento real médio do trabalhador caiu 7% em 2021, na comparação com o ano anterior. Por outro lado, a precarização dos direitos trabalhistas garantiu aumento dos lucros da “megaburguesia” que atua no país.
Legado petista
Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV), ressalta que os ganhos dos governos Lula e Dilma (2003-2016) ainda fazem da parcela dos extremamente pobres ser menor do que a registrada no início dos anos 2000. “Durante a pandemia houve redução da pobreza entre idas e vindas por causa do auxílio emergencial. Quando se olha os dados depois do período do auxílio, claramente há aumento da pobreza, mas não se voltou ao que era nem em 2003 nem antes do Plano Real” pondera. “Uma parte do progresso alcançado naquela época se manteve.”
Desde o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a integração de políticas sociais, estímulo a investimentos e políticas econômicas gerou um movimento de ascensão social no país que levou ao crescimento e fortalecimento da classe média.
Programas como o Bolsa Família e maior acesso a crédito estimularam o consumo de segmentos historicamente marginalizados, alimentando a roda de geração de emprego e renda. Em 2011, a classe média (renda familiar de R$ 2.971,37 a R$ 7.202,57) correspondia a 54% da população, conforme dados do Instituto Locomotiva.
Com a política de valorização implementada nos governos do PT, o salário mínimo teve ganho real de 74%, entre 2004 e 2016. Além de reduzir as desigualdades, o aumento do poder de compra da população alavancou o crescimento econômico e criou empregos. Nesse mesmo período, a taxa de desemprego caiu de 12,4%, em 2003, para 4,8%, em 2014, menor índice da série histórica medida pelo IBGE.
No abismo
Ao fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2014, a participação dos salários no Produto Interno Bruto (PIB) bateu recorde (43,5%). Em 2015, alavancada pela inédita situação de pleno emprego e reajustes acima da inflação para a grande maioria das categorias atingida no ano anterior, a participação salarial no PIB subiu para 44,6%, atingindo o novo pico histórico em 2016: 44,7%.
Após as crises das pautas-bomba em 2015 e o afastamento da presidenta legítima em 2016, viram a regra do teto de gastos, a “reforma” trabalhista e os desmontes da Petrobras e outras estatais relevantes. Ações que reverteram a curva e lançaram o Brasil no retrocesso do desemprego e da queda da renda. Fenômenos agravados pelo descontrole inflacionário.
Desde que começou a compilar dados sobre o poder de compra no país, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nunca havia registrado um valor tão baixo quanto o do trimestre de setembro a novembro de 2021. A renda média no período caiu a R$ 2.444 por mês — valor 11,25% inferior ao do trimestre anterior.
“A classe C, que tinha melhorado de vida, vem sofrendo muito nos últimos anos. Primeiro com a recessão e ,depois, na pandemia. Com o desemprego e a perda da renda, mas principalmente por perder conquistas que já tinham tido. Perder dói muito mais do que deixar de ganhar”, lembrou o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, também no Valor.