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Bolsonaro e Guedes são culpados pela fome que eles negam existir

Para especialista em segurança alimentar, eles patrocinam a fome com desmonte de políticas públicas como a da alimentação escolar e demonstram negacionismo e indiferença com os pobres

Publicado: 23 Setembro, 2022 - 08h30 | Última modificação: 23 Setembro, 2022 - 08h35

Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz

Roberto Parizotti (Sapão)
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Falas do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ministro da Economia, Paulo Guedes, negando o aumento da fome no Brasil, culpa da dupla que desmontou políticas públicas como a da alimentação escolar, demonstram negacionismo e indiferença com os pobres, na opinião do consultor da Action Aid, Francisco Menezes.

Com quase 30 anos de trabalho junto a entidades que atuam para a segurança alimentar e no combate à desigualdade social, Menezes diz nunca ter visto em todo esse tempo um governo que negue as pesquisas dos próprios órgãos e de entidades respeitadas nacional e internacionalmente, como o do atual presidente da República e do ministro.

A afirmação de Guedes de que não existem 33 milhões de pessoas passando fome no país ocorreu na quarta-feira (21), durante um evento da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), em São Paulo.

Já Bolsonaro disse em entrevista ao programa Pânico, da Jovem Pan, em agosto deste ano, que não se vê gente "pedindo pão" na porta de padaria, no Brasil. E, nesta quarta-feira (21), em entrevista à emissora católica Rede Vida, o presidente voltou ao tema. Ele disse o número de pessoas que passa fome no Brasil é superestimado e que "tirar as pessoas da linha da pobreza é um trabalho gigantesco".

Na avaliação do especialista, além de negar, o presidente da República patrocina a fome ao vetar o reajuste nos valores repassados para a merenda escolar, que atende 40 milhões de crianças; reduzir em 90% as verbas do programa Farmácia Popular e Mais Médicos, das cisternas, e de tantas outras políticas públicas essenciais que deveriam complementar o Auxílio Brasil de R$ 600, que sozinho não é suficiente para a alimentação dos milhões que precisam. Na maioria das capitais não dá para comprar sequer a cesta básica do Dieese.

A alimentação escolar, diz o consultor, se conduzida adequadamente junto a programas bem formulados como o Bolsa Família, é o principal programa de combate à fome, pois alcança 40 milhões de crianças e adolescentes, muitas das quais têm na merenda a única alimentação disponível e consistente no dia. E quando os alunos não têm essa alimentação, são as mães e pais que deixam de comer para dar a seus filhos.

Para Francisco, o veto do presidente da República no reajuste de 34% para repasses a estados e municípios de verbas destinadas à merenda escolar, que já está há cinco anos sem reajustes, já demonstra seu resultado com crianças dividindo ovos e comendo apenas bolachas em escolas públicas.

“É chocante ver criança dividindo ovo e com carimbo na mão para não repetir merenda. Bolsonaro é incapaz de enxergar a realidade, nega a realidade que está à vista de todo mundo. Basta olhar à sua volta e ver famílias nas ruas, com cartazes pedindo comida. O Congresso Nacional precisa derrubar esse veto”, afirma Francisco Menezes.

Roberto Parizotti (SAPÃO)Roberto Parizotti (SAPÃO)
Criança vende bala durante a noite na Avenida Paulista

 

O negacionismo de Bolsonaro patrocina a fome. O presidente é incapaz de olhar a sociedade e de escutar algo que esteja fora do âmbito restrito dos seus apoiadores
- Francisco Menezes

Segundo o consultor, esta não é a primeira vez que Bolsonaro nega a fome. No seu primeiro ano de mandato, em 2019, o presidente já tinha dito que quem dizia haver fome “mentia” sobre os dados da segurança alimentar.

“Essa atitude mostra que o presidente também menospreza o conhecimento científico do Brasil, ao fazer essa avaliação. Os dados que ele questionou em 2019 foram do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] que adaptou às necessidades do Brasil uma metodologia desenvolvida nos Estados Unidos e que foi incorporada por outros países”, conta Francisco, que também exerceu o cargo de presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

As pesquisas sobre segurança alimentar no Brasil tiveram início em 2004, no governo de Lula (PT), realizadas pelo IBGE, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD Contínua). Depois vieram as pesquisas nos anos de 2009, 2013 e 2017. A última foi realizada e divulgada recentemente pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan)

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Outro aspecto que demonstra que o atual governo despreza a ciência e as pesquisas foi o fato do presidente do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) lançar uma pesquisa totalmente desacreditada pelos próprios pesquisadores do Instituto e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), para desmentir que há fome no Brasil.

“Os pesquisadores do Ipea não quiseram assumir um documento equivocado, com erros primários e que misturavam metodologias diferentes”, conta.

Reflexos da pandemia

Para Francisco Menezes, a atual situação de fome no Brasil pode também ser creditada à atuação do governo no combate à pandemia da covid-19, que matou quase 700 mil pessoas no país.

“Há uma discussão do quanto a falta de medidas adequadas no combate a pandemia, no negacionismo da vacina, piorando a crise econômica que já era sentida desde 2018, contribuiu para se chegar a esse ponto”, afirma Francisco.

 São escolhas feitas pelo governo que prefere destinar recursos ao orçamento secreto e esvazia políticas públicas vitais para o povo brasileiro. A fome e a extrema pobreza se tornaram bastante visíveis e não enxerga quem não quiser
- Francisco Menezes