Escrito por: Redação CUT
O presidente negociou para repassar milhões de reais via orçamento secreto, mesmo alertado que poderia vetar por ser inconstitucional
Durante o debate entre os presidenciáveis na TV Globo, na noite desta quinta-feira (29/9), o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, enganou os telespectadores ao dizer várias vezes que não tem nada a ver com o orçamento secreto, que beneficia deputados e senadores aliados do governo.
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Orçamento secreto de Bolsonaro e do centrão é via para corrupção. Entenda por quê
Antes de desmentir o presidente que, tem sim responsabilidade no esquema, ao contrário do que ele diz, é importante saber que é chamado de orçamento secreto porque ninguém sabe para quem o dinheiro está sendo liberado, quem assina todas as emendas é o relator do orçamento. E está sob suspeição porque não tem transparência, nem controle de como e onde será usado, o que dificulta a fiscalização e facilita esquemas de corrupção. Vários escândalos envolvendo o orçamento secreto vêm sendo denunciados nos últimos meses. Veja abaixo.
Na TV Globo, Bolsonaro se defendeu de ser um dos pais do orçamento secreto, dizendo: “Eu vetei, o Parlamento derrubou o veto. É lei”, disse se referindo a deputados e senadores o canddiato, que é conhecido por distorcer os fatos.
Neste caso, o presidente omitiu alguns fatos importantes. É verdade que ele vetou a lei que criou o orçamento secreto, mas com receio do deputados e senadores derrubarem o veto presidencial e virar as costas contra ele. O próximo passo foi mandar membros do governo negociar com os deputados e senadores uma saída para dividir os recursos e manter a distribuição de dinheiro sem transparência.
Acordo com Centrão
O acordo previu que o Congresso manteria o veto de Bolsonaro, mas o Palácio do Planalto resolveria a questão da liberação do dinheiro de outra forma. E o que o governo fez? Enviou três projetos de lei mantendo cerca de metade dos R$ 30 bilhões sob controle do relator do Orçamento.
Segundo deputados, esse acordo foi feito nos bastidores com o então ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que hoje comanda a Secretaria-Geral da Presidência da República
Depois disso, os bilhões em emendas do relator não saíram mais do Orçamento federal e, sim, do orçamento secreto. Neste ano, são R$ 16,5 bilhões.
Bolsonaro ignora alerta
Este ano, Bolsonaro foi alertado pela equipe econômica que o orçamento secreto é inconstitucional e precisava ser vetado no Orçamento da União para 2023. Bolsonaro ignorou o alerta técnico, elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal, e manteve o orçamento secreto para o ano que vem, segundo a revista Piauí.
O próprio governo sugere no texto reservar R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto. O valor está na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o próximo ano, que foi enviada por Bolsonaro ao Congresso no dia 31 de agosto.
Por que Bolsonaro e o Centrão criaram o orçamento secreto
Bolsonaro precisava de apoio no Congresso para evitar um processo de impeachment e aprovar suas propostas.
O orçamento secreto foi a moeda de troca. E o dinheiro é usado para tudo, menos em projetos de interesse da população.
Denúncias de corrupção envolvendo o orçamento secreto
Recursos das emendas de relator teriam sido usados em troca de votos para eleger o deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, como presidente da Câmara, em fevereiro de 2021. Em entrevista ao site The Intercept Brasil, o deputado Delegado Waldir, do União Brasil de Goiás, disse que recebeu a promessa de R$ 10 milhões, mas que depois pôde usar apenas uma pequena parte por ter rompido com o governo.
Lira engavetou mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
Em reportagem de maio de 2021, o Estadão revelou que ao menos R$ 271,8 milhões foram usados para compra superfaturada de tratores, retroescavadeiras e equipamentos agrícolas.
Outra reportagem, esta da revista Piauí, mostrou como municípios do Maranhão inflaram artificialmente os números de atendimento pelo SUS para receber uma fatia maior das emendas do relator. No final de agosto, a Justiça Federal do Maranhão bloqueou parte desse repasse de verbas.
Caso chegou no STF
O Orçamento Secreto foi questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) e a Corte determinou que o Congresso desse total transparência às emendas do relator. A Comissão Mista de Orçamento criou um portal em que os pedidos passaram a ser registrados, mas o grau de transparência é zero.
Um dos problemas é que é possível inserir como autor do pedido não apenas nomes de parlamentares, mas também pessoas, entidades e órgãos de fora do Congresso.
Julgamento previsto para novembro
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, pretende colocar na pauta dos julgamentos de novembro as ações que pedem à Corte tornar sem efeito a execução das emendas de relator, que se tornaram conhecidas como orçamento secreto.
Em entrevista ao Valor em abril, o ex-governador do Maranhão e candidato ao Senado Flávio Dino (PSB) já havia demonstrado convicção de que o STF pode suspender o mecanismo de negociação de apoio parlamentar: “Eu tenho absoluta certeza de que o Supremo Tribunal Federal vai derrubar isso porque, juridicamente, não fica de pé 15 minutos. Tem contradição terminológica: orçamento público não pode ser secreto”, afirmou Dino, um dos principais aliados de Lula, crítico do orçamento secreto.