Bolsonaro, Moro e Witzel fogem de diretor da Human Rights Watch no Brasil
‘Bolsonaro não está acima da lei’, diz Kenneth Roth, preocupado com os esbirros autoritários do ex-capitão
Publicado: 21 Outubro, 2019 - 09h14 | Última modificação: 21 Outubro, 2019 - 10h27
Escrito por: ALEXANDRE PUTTI / CARTA CAPITAL
A democracia não dá à pessoa eleita a liberdade para violar os direitos humanos. Bolsonaro não está acima da lei. É assim que um líder se torna um ditador, é assim que governos autoritários aparecem.” A áspera declaração é do advogado americano Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch. Preocupado com a deterioração dos direitos das mulheres, das pessoas LGBT, dos povos indígenas e dos cidadãos sob a custódia do Estado, ele visitou o Brasil entre 14 e 17 de outubro. Desejava externar as suas preocupações para as autoridades nativas, mas não foi recebido por quem mais deveria ouvir seus alertas.
Na passagem por Brasília, só teve a oportunidade de falar com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e com o chanceler Ernesto Araújo. O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, despacharam o incômodo visitante. Roth também pretendia falar sobre o aumento da letalidade policial no Rio de Janeiro com o governador Wilson Witzel, mas deu com a cara na porta.
Roth não veio sozinho. Pela primeira vez, todo o conselho da entidade de direitos humanos, com atuação em mais de 90 países, desembarcou no Brasil. “Estamos preocupados com a conduta do governo sob o comando de Bolsonaro. Esperávamos iniciar um diálogo. Tentamos nos reunir com o presidente, mas ele nem sequer nos respondeu”, comentou Roth, durante uma coletiva de imprensa em São Paulo. Na ocasião, ele manifestou as principais aflições da Human Rights Watch, a começar pelo tema que colocou o Brasil no centro do debate mundial: a Amazônia.
Em setembro, a organização denunciou as redes criminosas que impulsionam o desmatamento e as queimadas na região. O estudo conclui que a destruição da Floresta Amazônica é uma consequência da grilagem de terras e do agressivo discurso de Bolsonaro contra os órgãos de fiscalização ambiental, como o Ibama e o ICMBio, o que serviu de estímulo aos desmatadores.
Na sexta-feira 11, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais revelou a dimensão do estrago. De janeiro a setembro, foram devastados 7.853 quilômetros quadrados da Amazônia, uma área 93% maior que a desmatada em igual período do ano passado. “Nós falamos sobre a Amazônia com o chanceler. Ele rejeitou a percepção de que o governo se opõe aos defensores da floresta, classifica esse discurso de mudança climática como uma conspiração contra a direita”, relata Roth. “Se nossa ideia está errada, esperamos que o ministro prove o contrário.”
Ex-procurador de Nova York, formado pela Escola de Direito de Yale e pela Universidade Brown, Roth também manifestou preocupação com o pacote “anticrime” de Moro, que pretende ampliar o entendimento sobre o “excludente de ilicitude”. O ministro propõe a redução ou isenção da pena de policiais que matam em serviço, caso eles atribuam o uso letal da força a “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Na prática, isso representa uma espécie de licença para matar.
“Bolsonaro apresentou um projeto para proteger o policial que mata. É algo muito preocupante, pois a lei internacional só autoriza o uso da força em último caso, e é assim que deve ser”, enfatizou Roth. Os deputados que analisam o pacote na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara já derrubaram a proposta de anistia, mas o advogado teme que o governo Bolsonaro recorra a outros artifícios para incentivar a violência policial.
“O presidente acha que vamos ficar mais seguros se a polícia puder atirar livremente. Mas, se você vive em uma comunidade pobre, sabe que a polícia atira em qualquer um”, diz. “Em vez de proteger a população, os policiais difundem o medo, perderam o contato com a sociedade.”
O caso do Rio de Janeiro é emblemático. Ao menos 30% das 4.074 mortes violentas registradas entre janeiro e agosto foram provocadas por agentes do Estado. Neste quesito, os paulistas não ficam tão atrás. De acordo com um levantamento do Instituto Sou da Paz, das 2.037 mortes violentas registradas no estado de São Paulo no primeiro semestre, 432 foram causadas por policiais, dentro ou fora do serviço. Na capital paulista, a letalidade é ainda maior. Dos 581 assassinatos contabilizados, 197 tiveram como autores policiais civis e militares. Ou seja, eles foram responsáveis por um em cada três homicídios na cidade.
A Human Rights Watch também manifestou preocupação com o falacioso discurso de combate à “ideologia de gênero” encampado por Bolsonaro e companhia. Em junho, o governo brasileiro travou uma batalha nas Nações Unidas ao defender a retirada do termo “gênero” de todas as resoluções internacionais da entidade. A sugestão teve o apoio integral apenas da Arábia Saudita, e gerou contundentes manifestações de repúdio de países europeus, como Noruega, França, Finlândia, Dinamarca e Suíça.
“Isso é um ataque frontal às mulheres e à comunidade LGBT. Bolsonaro diz que a família se resume à união de um homem com uma mulher. Além disso, recusou-se a reconhecer o acesso delas a serviços essenciais de saúde, como direito ao aborto seguro em casos de estupro”, escandaliza-se Roth. Ao questionar Ernesto Araújo sobre o tema, o chanceler limitou-se a dizer que o pensamento do governo sobre o tema expressa a vontade da maioria da população. “Esse tipo de afirmação enfraquece o debate e prejudica a imagem do Brasil no cenário internacional.”
Roth promete dar sequência aos estudos sobre o panorama dos direitos humanos no Brasil, denunciando eventuais violações para o mundo, principalmente para os países europeus, que negociam um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. “Continuaremos a monitorar a situação brasileira, com a ajuda da mídia independente. Seguiremos trabalhando e pressionando para evitar mais retrocessos.”