Bolsonaro quer acabar com estabilidade e diminuir número de servidores federais
Governo planeja aprovar reforma administrativa logo após a tramitação da reforma da Previdência. Medidas representam desmonte do serviço público com prejuízos para os trabalhadores
Publicado: 16 Outubro, 2019 - 12h55 | Última modificação: 16 Outubro, 2019 - 16h03
Escrito por: Andre Accarini
Dez meses depois de assumir o comando do país sem apresentar sequer um projeto de aquecimento da economia, o governo Jair Bolsonaro (PSL) prepara mais um ataque contra os direitos de trabalhadores e trabalhadoras. Após a conclusão da votação da reforma da Previdência, prevista para o dia 22, o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, deve apresentar uma proposta de reforma Administrativa que atingirá de forma brutal as conquistas e os direitos de servidores públicos federais. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também considera esta reforma uma prioridade.
Entre as medidas já anunciadas pelo governo estão a revisão de licenças e gratificações, avaliação de desempenho, fim da estabilidade para novos servidores e ‘regras de transição’ para os atuais servidores, criação de contratos temporários e aproximação de salários aos de trabalhadores do setor privado.
O Secretário-Geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, rebate os argumentos da equipe econômica de que a “máquina do Estado” é inchada, os salários são altos e os trabalhadores são privilegiados por terem a estabilidade e por isso é preciso fazer a reforma.
Bolsonaro e sua equipe econômica desconhecem a realidade salarial da maioria dos servidores e mentem ao defender a necessidade de mudanças no setor
Segundo o dirigente, os salários não são altos, a estabilidade protege os trabalhadores de maus gestores, como Bolsonaro e, ao contrário do que diz o governo, não existe excesso de servidores e servidoras e, sim, déficit. Ele lembra ainda que são esses trabalhadores os responsáveis pela qualidade do serviço prestado à população em áreas fundamentais como saúde e educação.
Sérgio Ronaldo da Silva desmente todas as justificativas do governo para mais essa ofensiva contra a classe trabalhadora. Confira a seguir.
Mentira 1: altos salários
De acordo com o Secretário-Geral da Condsef, no executivo, atualmente, o governo federal tem em sua folha 602 mil trabalhadores na ativa. Se somados aos aposentados e pensionistas o número sobe para 1 milhão 270 mil servidores. Desse total, 63% têm rendimentos de até seis salários mínimos (R$ 5.988,00) e 70% ganham até oito mínimos (R$ 7.984,00).
“Como o servidor pode ser considerado privilegiado com essa faixa salarial?”, questiona Sérgio Ronaldo, que complementa: “apenas 0,8% do funcionalismo público federal têm salários acima de R$ 29 mil reais”. Ele diz que é ‘mentirosa’ a informação de um estudo feito pelo Banco Mundial (Bird) de que a maioria dos servidores brasileiros ganha salários acima de R$ 10 mil.
O estudo apresentado recentemente considerou que a política de salários do setor será crucial para a economia brasileira. Mas Sérgio Ronaldo considera falacioso o discurso de que o custo da folha de pagamento é alto: “não tem fundamento. Mesmo com todas as amarras do Orçamento, inclusive com o teto dos gastos públicos e com a limitação de até 50% da receita líquida do orçamento para a folha, hoje o que se investe é 40% do que é permitido”.
Mentira 2: privilégios
Apontado como um dos principais ataques à categoria, o fim da estabilidade faz parte das medidas que Bolsonaro e Guedes pretendem implementar.
O servidor público tem que ser visto como funcionário do Estado e não de governos, diz Sérgio Ronaldo, ressaltando que “governos passam, trabalhadores ficam”.
Ele reforça também que “estabilidade não é privilégio. É uma conquista que protege os trabalhadores de maus gestores, como o que ocupa o cargo de presidente da República atualmente”.
Mesmo com a estabilidade, explica o dirigente, cerca de 500 servidores são demitidos por ano, em situações específicas previstas em lei.
Atualmente, um servidor público é passível de demissão em casos específicos, após abertura de processo administrativo. A lei 8.112/1990 prevê desligamento em casos como crimes contra a administração pública, abandono de cargo, faltas, improbidade administrativa, aplicação irregular de verbas públicas, corrupção e acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas.
Essa reforma abre precedentes para demitir quem se opõe aos governos, quem denuncia irregularidades, ou seja, para demissões arbitrárias, sumárias e políticas
Mentira 3: excesso de servidores
Ao contrário do que alega o governo, o Brasil não tem excesso e, sim, déficit de trabalhadores, afirma Sérgio Ronaldo, da Condsef, desmentindo mais um argumento da equipe econômica de Bolsonaro.
De acordo com o dirigente, o Brasil tem 12,1% dos trabalhadores no setor público federal, estadual e municipal - metade do número de servidores de países desenvolvidos. No Canadá, por exemplo, são 20,4%, na Grécia, 22%, na Dinamarca, 34,9%.
O que o governo ignora, segundo o Secretário-Geral da Condsef, é que o número de trabalhadores no setor público deve ser avaliado de acordo com o número de habitantes no país. Em 1988, o Brasil tinha 164 milhões de habitantes e 710 mil servidores públicos federais na ativa. Hoje, 31 anos depois, são mais de 210 milhões de brasileiros e 620 mil trabalhadores no serviço público federal.
Sérgio questiona: “onde está o inchaço?”. Para ele, as mentiras ditas pelo governo Bolsonaro têm o intuito de iludir a opinião da sociedade, classificando o serviço público como ineficiente, oneroso e arcaico.
Debate
De acordo com os sindicalistas, o que o governo pretende com essa reforma é desmontar o setor público federal e ainda induzir estados e municípios a fazerem o mesmo levando a população que tem recursos a recorrer a escolas e hospitais privados , deixando desamparados os que não têm condições financeiras.
Para Ismael Cesar, medidas assim deterioram a qualidade do serviço público, prejudicando a população, em especial a mais pobre, que mais precisa desses serviços, como de saúde, por exemplo.
“Só quem ganha com isso é a iniciativa privada. Quando um servidor é demitido, um terceirizado, com menor qualificação é contratado, privilegiando dessa forma o setor empresarial, que paga menos e precariza as condições de trabalho”, ele afirma.
Sérgio Ronaldo concorda e complementa: “querem descontinuar o setor público, desmontar a máquina do Estado, que tem o papel social de prestar serviços de qualidade à população. E fazem isso, tentando deteriorar a imagem do serviço público, fazendo a população se revoltar contra o setor”.
O Secretário-Geral da Condsef diz que o debate sobre o tema se torna “desonesto uma vez que a mídia reproduz a todo momento a ideologia do atual governo em relação ao setor”.
“Se a imprensa desse pelo menos umas quatro horas para podermos explicar a realidade, seria possível derrubar o discurso destrutivo do governo Bolsonaro”.
Ação
A Condsef já confirmou participação no ato da CUT programado para o dia 30 de outubro, em Brasília, em frente ao Ministério da Economia, em defesa do patrimônio público, pela implementação de políticas de geração de emprego e renda e contra as privatizações.
‘Daremos um recado claro ao governo Bolsonaro que não aceitaremos mais esse ataque aos funcionários públicos federais”, afirma Sérgio Ronaldo. A Condesf realizará seu Congresso em dezembro, ocasião em que será elaborada a estratégia de enfrentamento à reforma administrativa de Bolsonaro.
Revista
Na manhã desta terça-feira (15) foi lançada na Câmara dos Deputados uma publicação intitulada “Estudo sobre contorno, mitos e alternativas à reforma Administrativa do governo”.
O material elaborado com apoio de economistas, juristas, advogados públicos e cientistas políticos rebate os argumentos usados pelo Planalto, que joga nas costas dos servidores e servidoras a culpa pela crise financeira do Brasil.
Os dados foram levantados pela Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que assina a publicação, junto com outras entidades, inclusive a CUT por meio do Comitê em Defesa das Empresas Públicas. O estudo comprova que não há inchaço da máquina pública e que não há necessidade de redução de investimentos públicos.