Escrito por: Tatiana Melim
Estatais e empresas públicas que foram construídas com o dinheiro do povo para garantir a soberania nacional e os serviços essenciais à população correm o risco de acabar ou ser vendidas
O amplo programa de privatizações do candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro (PSL), prevê o desmonte total de praticamente todo o patrimônio público brasileiro. Se vencer as eleições no segundo turno, em 28 de outubro, ele pretende desnacionalizar, vender para grupos internacionais, ou fechar empresas que prestam serviços essenciais à população, como o fornecimento de água, energia e crédito bancário, além da chamada joia da coroa, o Pré-Sal brasileiro, a terceira maior reserva de petróleo do mundo. E tudo isso para pagar a dúvida pública e não para investir no Brasil e na qualidade de vida dos brasileiros.
Trabalhadores e especialistas alertam que, além das privatizações fecharem milhares de postos de trabalho, nenhum país do mundo se desenvolveu de forma sólida sem que tivesse como base uma indústria nacional forte, em especial nos setores estratégicos, como é o caso do petróleo.
Não é o que pensa Bolsonaro e sua equipe que colocaram na mira do capital privado empresas públicas e estatais, como Petrobras, Eletrobras e Caixa Econômica Federal, entre outras. O mentor da plataforma econômica de Bolsonaro, o banqueiro e economista ultraliberal Paulo Guedes, já deixou claro em declarações à imprensa, mais de uma vez, que pretende promover a privatização de “todas” as estatais, justificando que essa seria uma forma de reduzir o endividamento público.
As intenções e declarações, tanto do presidenciável do PSL quanto do seu guru econômico, estão escritas também em seu plano de governo, que diz expressamente que algumas estatais serão simplesmente extintas, outras entregues à iniciativa privada e uma minoria poderá ser preservada.
No programa não há a especificação de quantas ou quais das 147 empresas da União seriam vendidas. A única definição é que “todos os recursos obtidos com privatizações e concessões deverão ser obrigatoriamente utilizados para o pagamento da dívida pública”, ou seja, nenhum centavo retornará em benefícios para o Brasil e os brasileiros.
Especialistas e trabalhadores dos setores que estão na mira das privatizações contestam as justificativas de Bolsonaro e afirmam que as propostas do presidenciável não passam de uma extensão do desmonte do patrimônio público iniciado pelo ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP).
“O programa pretende seguir exatamente o que Temer já está fazendo no Brasil, ou seja, vendendo tudo. Estão abrindo mão do patrimônio que o povo brasileiro ajudou a construir, ignorando completamente que a maioria da população é contra a privatização”, diz o petroleiro e coordenador do Comitê em Defesa das Estatais da CUT, Roni Barbosa.
Além disso, completa o dirigente, a proposta desconsidera a importância do fortalecimento dessas empresas no investimento em tecnologia e ciência e na geração de postos de trabalho no Brasil e para os brasileiros e não para os estrangeiros. “A cadeia produtiva de petróleo, por exemplo, é responsável pela geração de milhões de empregos no país”, alerta Roni, que também é secretário de Comunicação da CUT.
O economista e técnico do Dieese da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cloviomar Cararine, reforça a avaliação feita por Roni e acrescenta que essa proposta vai contra os interesses políticos, econômicos e estratégicos do país.
Nenhum país do mundo se desenvolveu de forma sólida sem que tivesse como base uma indústria nacional forte, em especial nos setores estratégicos, como é o caso do petróleo- Cloviomar CararineSe não fosse o Estado brasileiro, diz ele, provavelmente o Pré-Sal não teria sido descoberto. “Considerando os altos riscos envolvidos, uma empresa privada não arriscaria o investimento. A descoberta só foi possível porque uma empresa pública, a Petrobras, investiu na pesquisa tecnológica e confirmou a presença dessa riqueza em solo brasileiro”, explica.
O economista do Dieese lembra ainda que a proposta de privatizar tudo o que é possível para pagar a dívida pública já foi apresentada na década de 1990 e não resolveu o problema. “Além de abrir mão da soberania nacional, as privatizações não garantem o pagamento da dívida nem a melhora do serviço e/ou redução de tarifas”.
“Para que privatizar empresas públicas estratégicas, como a Petrobras, sem deixar claro qual o objetivo diante do debate em torno da dívida pública e de experiências passadas que se mostraram ineficazes?”, questiona.
É o que pergunta também o economista e técnico do Dieese da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Gustavo Teixeira. Ele lembra que um setor que foi amplamente privatizado na década de 1990 foi a distribuição de energia elétrica.
“E, ao contrário da expectativa do governo, as desestatizações se mostraram incapazes de resolver a crise fiscal”, lembra Gustavo, citando a nota técnica do Dieese, que mostra que entre 1995 e 2003, a dívida líquida do setor público passou de 28% para 52% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Além disso, não aumentaram a eficiência, os preços crescem acima da inflação e a qualidade do serviço ainda é muito inferior da desejada pela população”, diz o economista.
A política de privatização do setor elétrico, na verdade, levou o país à ‘Crise do Apagão’ em 2001- Gustavo TeixeiraIsso sem falar que as estatais federais, nos últimos 15 anos, distribuíram mais de R$ 250 bilhões de dividendos para a União. "Por que, então, vender empresas que garantem dividendos para o governo e podem ser responsáveis por gerar receitas no futuro?", questiona.
Na contramão do mundo
Os dois economistas do Dieese denunciam, ainda, que as propostas apresentadas por Bolsonaro vão na contramão do que está sendo feito no mundo. Países classificados como liberais, como é o caso do Reino Unido, que aderiu à cartilha dos economistas da Escola de Chicago – a mesma de Paulo Guedes - na década de 1990, estão tendo de voltar atrás e reestatizar empresas estratégicas.
“É o caso do serviço de água e esgoto. Com tanto problema na qualidade e oferta do serviço, os ingleses decidiram reestatizar, pois perceberam que é um serviço básico e essencial à população”, diz Cloviomar Cararine, técnico do Dieese da FUP.
É possível verificar esse processo por meio de uma plataforma com o “mapa das reestatizações” criada pelo Observatório Corporativo Europeu e pelo Instituto Transnacional de pesquisa e defesa de um planeta justo, democrático e sustentável.
De acordo com a análise das informações coletadas, entre 2000 e 2015, foram identificados 235 casos de remunicipalização de sistemas de água, abrangendo 37 países e afetando mais de 100 milhões de pessoas. Acesse o site aqui.
“Até mesmo o governo liberal de Donald Trump, que o Bolsonaro tanto adora, está criando uma política de conteúdo local e proteção das empresas nacionais”, completa Cloviomar.
Haddad é o oposto
Já o programa do candidato à Presidência da República pelo PT, Fernando Haddad, diz justamente o oposto e defende a suspensão da política de privatização de empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional e da venda de terras, água e recursos naturais para estrangeiros.
“É preciso qualificar os concursos públicos e conter a privatização e a precarização dos serviços públicos, expressas pela terceirização irrestrita e pela disseminação de modelos de gestão e agências capturados e controlados pelo mercado”, diz trecho do programa de governo.
Para recuperar a capacidade do Estado em investir nos serviços públicos, Haddad se comprometeu a revogar a PEC do Teto. “O congelamento de gastos por 20 anos impõe severos prejuízos à população. Nós não teríamos condições de contratar médicos, professores, policiais na vigência da Emenda Constitucional 95 e o povo está pedindo mais saúde, educação e segurança. Sem investimento não se pode dar assistência ao povo”, disse Haddad no encontro com sindicalistas nesta quarta-feira (10).
“É uma contradição do nosso adversário manter todas as medidas do Temer e dizer que vai oferecer mais serviços públicos”.
Segundo o programa de governo, a crise de representatividade do sistema político é também uma crise da capacidade do Estado prover serviços públicos. Por isso, diz o programa, “é necessário estabelecer maior associação entre os valores republicanos, gestão pública e demandas da população por serviços públicos de qualidade, garantindo ao Estado instrumentos para induzir o crescimento econômico e reduzir desigualdades”.
“A relação entre os interesses públicos e privados deve se pautar pela mais absoluta transparência”, conclui o documento.