Escrito por: Walber Pinto

Brasil retrocede com Estatuto da Família

25% das famílias brasileiras não são do modelo tradicional, segundo IBGE de 2010

Agência Câmara

Na contramão do judiciário, uma comissão especial da Câmara Federal formada por parlamentares religiosos aprovou no último dia 24, por 17 a cinco, o texto principal do Estatuto da Família, que define família como união entre homem e mulher.  O projeto foi apresentado pelo deputado Anderson Ferreira (PP-PE), que é evangélico, no final de 2013.

A polêmica teve início quando se tomou conhecimentos que nenhum dos 16 parágrafos do projeto mencionava as famílias homoparentais.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu por unanimidade a união estável para casais do mesmo sexo. Na decisão da Corte, ficou estabelecido que companheiros (as) em relação homoafetiva teriam os mesmos direitos e deveres das famílias formadas por homens e mulheres.  Na mesma linha, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu legalidade ao casamento civil, em 2013.

O projeto cria instrumentos que vão contra a comunidade LGBT e retira direitos como herança, guarda dos filhos e a inclusão do (a) parceiro (a) em planos de saúde, além de ser uma tentativa da bancada fundamentalista religiosa para contrapor o que já foi deliberado pelo Supremo e pelo CNJ.

Toni Reis e seu David e seus filhos. Foto: Rafael DanielewiczPara o educador Toni Reis, 50 anos, e seu marido David Harrad, se esse projeto virar lei haverá um movimento reacionário e intolerante que pode ameaçar a democracia.  “Esse movimento quer promover a desigualdade entre as pessoas e não respeita a pluralidade. Se porventura virar lei, recorreremos em todas as instâncias, inclusive às internacionais, se necessário”, alertam.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na região Sudeste existem cerca de 32.202 casais homoafetivos, seguida pela Nordeste, com 12.196 casais. O Norte aparece com 3.429, o Centro-Oeste com 4.141 e o Sul com pouco mais de 8 mil casais homossexuais. São mais de 60 mil casais identificados. Ainda de acordo com a pesquisa de 2010, 25% das famílias brasileiras não são do modelo tradicional.

Toni e David enfrentaram uma batalha difícil durante sete anos para adotar Alyson, que hoje tem 14 anos, tiveram de recorrer ao STF. A história do casal ajuda a superar tabus sobre a questão da adoção entre pessoas do mesmo sexo.  Toni conta que houve resistência de Alyson quando soube que seria filho de dois homens.

“Inicialmente ele sentiu bem e mal ao mesmo, porque nunca tinha convivido com gays. Ele nos disse que com o tempo foi ‘percebendo que [os gays] são muito melhores do que pensava e adorou’, e sempre diz que nos ama”, afirma Toni. Hoje, a família é formada por mais dois filhos adotivos, além de Alyson.

Nesta semana serão apreciados na comissão os quatro destaques do texto do projeto. Concluído ou aprovado, segue para o plenário da Câmara onde aguardará a posição do presidente da Casa, Eduardo Cunha, que deve decidir se coloca em pauta ou faz um requerimento de urgência.

Direito das mulheres

O Estatuto da Família fere os direitos de outras pessoas cuja composição familiar não é a de união entre homem e mulher, como homens e mulheres sem cônjuge e exclui diversos arranjos familiares, não apenas a família homoafetiva.  

Contraria, por exemplo, os direitos reprodutivos das mulheres, já que, no art.3º do substitutivo do parecer do relator, inclui a expressão “direito à vida desde a concepção”, além de dificultar o acesso aos serviços da saúde.

Para a secretária nacional de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosane Silva, isso significa uma retirada dos direitos das mulheres. “Nós mulheres temos que decidir se queremos ou não constituir uma família, tem que ser uma decisão nossa porque afeta a vida da mulher sobre e a liberdade do seu próprio corpo”, afirma.

A deputada federal, Érica Kokay (PT-DF), avalia ser possível a aprovação do projeto na comissão, por ela ser composta majoritariamente por fundamentalistas, entretanto, promete reação dos deputados contrários.

“Nós vamos apresentar um recurso e temos que colher assinatura de 10% dos parlamentares para que o projeto seja apreciado e barrado na Câmara”, afirma a deputada.