Escrito por: RBA
Além da tendência de aumento desse contingente, estudo mostra ainda que em apenas 5,98% das disputas a Justiça do Trabalho reconhece a relação de emprego entre trabalhador e plataforma
O Brasil tem 1,5 milhão de trabalhadores por aplicativo, o corresponde a cerca de 19 estádios do Maracanã lotados. São trabalhadores que realizam suas tarefas por meio de ações mecânicas, como entregadores de produtos, acionados por meio de aplicativos pelo celular. Este grupo representa 93%, aproximadamente 1,3 milhão de todos os profissionais da categoria. Os dados são de pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) com dados referentes a 2021.
Há ainda outro grupo de trabalhadores por aplicativos, que executa suas atividades em qualquer lugar sem precisar se locomover. É o caso de programadores, médicos com atendimento remoto, professores que aplicam aulas online e os chamados clickworkers. Nessa categoria estão os que atuam na calibragem de inteligência artificial, por exemplo. Há aproximadamente 100 mil profissionais neste grupo, representando 7% dos trabalhadores nesta pesquisa. Os níveis de escolaridade variaram entre ensino médio completo e pós-graduação completa e a idade foi de 22 a 63 anos.
Desse total, porém, cerca de 850 mil são motoristas de transporte de passageiros, sendo 485 mil dirigindo para o Uber, até agosto de 2021. E a ampla maioria do total de 1,5 milhão estão trabalhando sem direito algum. Um contingente, aliás, que tende a aumentar, segundo mostra o estudo.
Outro dado preocupante, segundo a pesquisa, está no campo jurídico. A Justiça do Trabalho, em geral, não reconhece os direitos dos trabalhadores nessa relação. Segundo o coordenador da Clínica Direito do Trabalho da UFPR, professor Sidnei Machado, a pesquisa analisou 485 decisões espalhadas pelas 24 regiões da Justiça do Trabalho relacionadas às plataformas Uber, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi e Play Delivery.
Neste conjunto, 78,14% das decisões não reconheceram a relação de emprego, 15,88% não versaram sobre a existência de relação de emprego (sendo decisões sobre terceirização ou que não enfrentaram o mérito discutido) e apenas 5,98% das decisões reconheceram a relação de emprego entre trabalhador e plataforma. O maior volume de judicialização se encontra nas plataformas de transporte urbano: Uber e 99 Pop.
“Esse universo das plataformas digitais é dinâmico, está em constante transformação. É fundamental que o trabalho controlado por plataformas seja associado aos direitos de cidadania no trabalho”, disse Machado, que espera que a pesquisa possa contribuir algumas proposições podem contribuir para o avanço do debate sobre o tema.
Para ele, o caminho é a construção de uma lei protetiva, que defina a relação de emprego, com as garantias de direito ao salário mínimo mensal, limite de jornada, descanso semanal, férias, acesso à Previdência Social. “Deve-se responsabilizar a plataforma pelos custos do trabalho e o trabalhador ter direito à representação sindical, incluindo a negociação coletiva” afirmou.
O relatório mostra, também, que há uma tendência de crescimento do trabalho em plataformas digitais. No setor de transporte, houve um aumento da média móvel trimestral de mais de 190 mil trabalhadores atuando, se comparado a agosto de 2019, conforme mostra tabela abaixo. No mesmo período, a média móvel de trabalhadores em plataformas de aplicativos de entrega cresceu 330.188; e de usuários diários no setor de saúde cresceu 714.007.
Para chegar a esses resultados, Sidnei Machado reuniu uma equipe multidisciplinar, com especialistas nas áreas do Direito, Economia e Sociologia, da UFPR e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foram utilizados métodos mistos de análise de tráfego de web e de dados do IBGE. Também foram aplicados questionários, respondidos por 500 trabalhadores de diversas profissões, além da realização de entrevistas em profundidade, levantamento de propostas legislativas e análise de conteúdo de decisões judiciais, com o objetivo de compreender o funcionamento desse modelo de negócio no Brasil e as relações de trabalho.