Escrito por: Bianca Muniz, Bruno Fonseca - Agência Público
Além de 22 milhões de idosos, país tem quase 3 mil internações por dia causadas por doenças do grupo de risco para a Covid-19, como pneumonia, diabetes e hipertensão
Cerca de 3 mil internações por dia — essa é a média de hospitalizações no SUS de pessoas com doenças como pneumonia, diabetes e hipertensão. Segundo levantamento da Agência Pública, essas enfermidades levaram a mais de 1 milhão de internações na rede pública de saúde brasileira apenas em 2019, número que coloca milhares de brasileiros na faixa com maior risco para a infecção por coronavírus. E não se trata apenas de idosos: a maioria dessas hospitalizações (59%) envolveu pessoas com menos de 60 anos.
Além das internações, a reportagem contabilizou 83 mil mortes em hospitalizações causadas por essas condições no país em 2019 — cerca de 230 por dia. Para chegar a esses dados, a Pública levantou todas as internações e óbitos hospitalares em 2019 cuja causa principal foi tuberculose respiratória, pneumonia, asma, diabetes, obesidade, hipertensão e insuficiência renal.
O número total de brasileiros que estão no grupo de risco para o coronavírus na realidade é ainda maior, já que inclui também pessoas que foram atendidas em hospitais particulares e milhares de brasileiros que possuem doenças crônicas mal tratadas e não passaram pelos serviços de saúde.
Pneumonia causa 635 mil internações em um ano, com 160 mortes de hospitalizados por dia
Pneumonias são a causa de internação mais comum no SUS dentre as condições que aumentam os riscos para infecções pelo coronavírus. Em 2019, foram mais de 635 mil hospitalizações no Brasil de pessoas com pneumonia — uma média de 1,7 mil por dia.
A quantidade de mortes também é alta: mais de 60 mil pessoas morreram no país após serem internadas por pneumonia apenas no ano passado, uma média de 160 mortes a cada dia. O número é quase 50% maior que a quantidade de pessoas que foram assassinadas no Brasil em 2019.
Como explica o professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aluísio da Silva Junior, a infecção pelo coronavírus é muito agressiva aos pulmões, diminuindo sua capacidade respiratória. Doenças em que as vias aéreas inferiores já são prejudicadas, como a pneumonia, agravam o quadro de Covid-19 por possibilitar uma “sobreposição de problemas” e uma sobrecarga da resposta imune.
“Imagina se você já tem essa agressividade natural do vírus e ainda tem uma predisposição, então alguém com asma, alguém com bronquite, alguém com uma doença crônica pulmonar devido a fumar, uma enfisema, essas pessoas também vão sofrer muito mais”, comenta o professor.
A asma, doença pulmonar crônica, levou a 79 mil internações em 2019 no SUS. O número de óbitos, contudo, é baixo: foram 442 no ano, a maior parte de idosos.
Tuberculose reflete desigualdade: periferia e presos são os que mais sofrem
A tuberculose — que segundo o levantamento da Pública levou a 13 mil internações no SUS em 2019 — é uma doença que reflete as desigualdades sociais no Brasil. A média de tuberculose na Rocinha, no Rio, é 11 vezes maior que a média brasileira. Segundo levantamento da Pública, presos têm 35 vezes mais a doença que a população que está em liberdade.
Segundo o professor Vandack de Nobre Júnior, do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a alta prevalência da tuberculose em países mais desiguais é um reflexo das condições sociais e econômicas.
“A OMS publicou recentemente um guia de orientações para a necessidade dos países terem muita atenção e manterem os programas de cuidados básicos com essas condições de saúde e prevenção de doenças como tuberculose, a questão dos programas de vacinação e o próprio pré-natal, porque o receio é que o descuido em relação a essas condições ‘abra o terreno’ para a entrada da Covid-19 de uma maneira mais forte e você acabar tendo também um excesso de mortes ou de agravos a essas doenças”, comenta.
Diabetes e insuficiência renal levam a internações com 20 mil mortes no ano
Após pneumonias, complicações causadas por diabetes foram a segunda maior causa de internação no SUS em 2019 dentre as doenças que aumentam risco para a Covid-19. Segundo dados do DataSUS, foram mais de 135 mil internações por diabetes em 2019, levando a 5,7 mil mortes. Já insuficiências renais — que podem estar relacionadas à diabetes — levaram a 121 mil internações e um número de 15 mil óbitos.
A Sociedade Brasileira de Diabetes alertou que as pessoas com maiores chances de terem quadros graves por associação da Covid-19 com a diabetes são as “com longa história de diabetes, mau controle metabólico, presença de complicações e doenças concomitantes e especialmente os idosos”. Segundo a entidade, o risco de complicações para pessoas com diabetes bem controlado é menor. A recomendação é monitorar frequentemente a glicemia e ajustar medicações e insulinas apenas com orientação médica.
Hipertensão atinge um a cada quatro brasileiros que vivem nas capitais
Outras duas situações que podem estar correlacionadas — a hipertensão e a obesidade — causaram juntas mais de 88 mil internações no SUS em 2019. Esse número representa mais de 243 hospitalizações por dia.
Segundo relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, dentre as mortes confirmadas no Brasil por Covid-19, quase metade apresentava alguma doença cardiovascular, como a hipertensão. De acordo com pesquisa do Ministério, cerca de um a cada quatro brasileiros que vive em capitais possui hipertensão e a doença é mais frequente entre brasileiros com menor escolaridade.
A Sociedade Brasileira de Hipertensão chegou a divulgar nota em resposta ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro de 24 de março que criticou medidas de isolamento tomadas pelos governadores. No texto, a entidade reforçou que as medidas deveriam ser mantidas e que “os países que demoraram em tomar essas medidas têm sofrido maior número de casos e fatalidades”.
Doenças comuns em brasileiros colocam adultos e jovens no grupo de risco
De acordo com o Ministério da Saúde, a maior parte das mortes por Covid-19 envolveu pessoas com doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas, hipertensão e pacientes com câncer com a imunidade reduzida. Apesar da maioria se concentrar em idosos, essas comorbidades colocam adultos, jovens e mesmo crianças no grupo de risco para infecções pelo coronavírus, que podem levar a mortes ou a quadros graves da doença, necessitando internações.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos alerta também o risco para obesos (com IMC acima de 40), quem tem doenças crônicas nos rins ou passa por diálise, pacientes com doenças no fígado e pessoas com outras condições que debilitam o sistema imunológico, como transplantes recentes de medula, AIDS ou que fazem uso prolongado de corticóides. O CDC ainda acrescenta que há discussão sobre o risco para grávidas e mulheres no pós-parto.
Como explica o professor da UFF, Aluísio da Silva Junior, as doenças consideradas fatores de risco para complicações nos casos de infecção pelo coronavírus tem algumas características comuns. “Todas essas doenças têm como componente comum a baixa de imunidade das pessoas e a dificuldade de resposta [imune] do organismo à agressões”, aponta.
Fatores sociais, como falta de saneamento, condições precárias de moradia e mesmo desigualdade de renda são considerados um agravante indireto nos caso de infecções pela Covid-19, como explica o professor adjunto da UFF, André Ricardo da Silva. “Pode ocorrer infecção [de pessoas] fora do grupo de risco, mas se ela mora com outras que apresentam um desses fatores [de risco], há mais chances delas se infectarem e o quadro evoluir para algo mais grave”. Ele também aponta que condições como desnutrição e falta de saneamento básico, mais comuns em populações vulneráveis, contribuem para uma saúde mais debilitada e, consequentemente, suscetível à complicações em uma infecção pelo coronavírus.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, chama a atenção para o fato de que menores de 60 anos, além de serem os principais transmissores do coronavírus, não estão imunes a desenvolverem quadros graves da doença ou mesmo à morte. “Esta é uma doença séria. Embora as evidências sugiram que aqueles com mais de 60 anos correm maior risco, jovens, incluindo crianças, morreram”, afirmou.