Escrito por: Rosely Rocha

Brasileiros compram menos produtos de limpeza, essenciais no combate à Covid-19

A alta dos preços está levando famílias mais pobres a reduzir a compra de  produtos como água sanitária e sabonete. A queda de renda da população é sentida por sete em cada dez paulistanos

Roberto Parizotti (Sapão)

Apesar da recomendação das autoridades da área da saúde de que é preciso lavar as mãos várias vezes ao dia, usar álcool em gel constantemente e água sanitária para desinfetar as residências, únicas formas de se evitar a contaminação e propagação do novo coronavírus (Covid-19), milhões de brasileiros reduziram drasticamente a compra de produtos de higiene e limpeza por causa da disparada dos preços.

Recentes pesquisas mostram queda no consumo de produtos de higiene e limpeza e também de alimentos, especialmente entre a população mais pobre que amarga queda nos rendimentos.

Este é o caso da dona de casa Antônia Alves Pedrosa Moreira, de 57 anos e de milhões de brasileiros cujas situações trágicas poderiam ser diferentes se no comando do país estivesse um mandatário que se importasse com os mais pobres.

Desde que assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro (ex-PSL) só retirou direitos dos trabalhadores na reforma da Previdência, no corte do auxílio emergencial, nas tentativas de implementar a Carteira Verde e Amarela. Todas essas medidas juntas agradaram ao mercado financeiro, mas são os mais pobres que sentem na pele a diminuição da renda e o aumento da fome causada por essas medidas.

Dona Antônia é uma das brasileiras que sofre as consequências das decisões do governo e que entrou para essas estatísticas dos que precisam reduzir as compras de itens da cesta básica. Sobrevivendo com os R$ 300 que recebeu de auxílio emergencial no mês passado, a dona de casa tem cortado da sua lista de compras produtos essenciais para sua alimentação e até da sua higiene pessoal e da casa. Isso em plena pandemia, que já matou mais de 160 mil brasileiros e contaminou mais de 5 milhões.

Dos cinco sabonetes que usava para sua higiene, agora só consegue comprar dois por mês. A compra da água sanitária também foi reduzida. Ela cortou pela metade e ainda assim controla o uso para durar até o fim do mês. Pasta de dentes, detergentes e outros produtos de higiene também tiveram seu uso cortados em torno de 30%.

“A compra que a gente fazia no mês foi toda reduzida, até porque com os R$ 600 a gente comprava mais coisas, mas só com os R$ 300 não dá pra comprar tudo o que a gente precisa. Entre comprar um litro de leite e a água sanitária, fico com o leite. A gente sobrevive sem produto de limpeza, mas não com fome”, diz Antônia se referindo a decisão de Bolsonaro de corta pela metade o valor do auxílio emergencial quando ampliou o pagamento do benefício até dezembro.

Mas não é só Antônia que sentiu a alta de preços dos produtos de limpeza. A  população diminuiu a compra desses itens em 24%, enquanto o preço subiu em média 29%. Os produtos que mais contribuíram para a queda no consumo foram a água sanitária (-21%) e o sabonete e o shampoo, que juntos caíram 15%.  Já os preços dos sabonetes subiram 9% e do shampoo, 8%. O levantamento é da empresa de inteligência de mercado Horus e foi publicado no jornal ‘O Estado de São Paulo’, que analisou o consumo de agosto a setembro em relação ao bimestre anterior.

Os itens de limpeza fazem parte do grupo ‘Habitação’ na composição do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) com peso de 15,16%.

A inflação acelerada poderia ser sentida um pouco menos, se o governo Bolsonaro não reduzisse pela metade o auxílio emergencial, já que a proposta foi feita como política para proteger as famílias durante a crise sanitária, acredita a técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) / Subseção CUT, Adriana Marcolino.

“O valor desses R$ 600, aprovado pelo Congresso Nacional, foi pensado porque a gente sabe que uma cesta básica para uma família de 4 pessoas passar o mês gira em torno de R$ 500. Isto sem contar as contas dos serviços públicos como água e luz que não estão contemplados”, diz.

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Queda de rendimentos dos mais pobres se agrava

Com o corte no auxílio emergencial, Antônia tem problemas muito além da falta de produtos de higiene em sua lista de compras. Ela também faz parte do grupo de pessoas mais pobres que viram seus rendimentos praticamente zerarem, e sentem mais a inflação corroer o pouco que ganham.  Diversas pesquisas mostram que a pandemia, a inflação e a perda de rendimentos foram mais sentidas pelas famílias de baixa renda.

Sete em cada dez paulistanos relatam ter sofrido perda de renda em meio à pandemia de Covid-19, segundo a mais recente pesquisa Ibope/Estadão/TV Globo.  Apenas 6% da população apontou melhora de sua situação financeira. Uma parcela de 22% relatou perda pequena de receitas, e um contingente equivalente afirmou que a renda permaneceu igual. 38% disseram que suas rendas diminuíram muito; outros 11% relataram ter perdido completamente suas fontes de recursos.

A segmentação dos resultados segundo a renda dos entrevistados mostra que  60% dos que ganham renda superior a dois salários mínimos perderam renda. Este índice aumenta para 80% da população mais pobre que ganha até dois salários (R$ 2.090).

Antônia faz parte do último grupo. Tudo ao seu redor se transformou em tragédia, há dois meses, com a morte do marido com quem foi casada por 38 anos, vítima da Covid-19, doença que também quase a matou. Além da dor da perda do marido, a dona de casa ficou sem aposentadoria, já que ele aos 61 anos, como autônomo, não conseguiu contribuir com a Previdência por não ter rendimentos suficientes.  Antônia era faxineira, mas há anos um problema nas costas a impede de trabalhar.

Sem outra fonte de renda, a dona de casa diz estar sem chão e não sabe como sobreviverá no próximo mês. Seus filhos são casados e como eles também têm filhos, a ajuda para a dona de casa, se vier, deverá ser mínima.

“Por enquanto tenho ainda tenho esse dinheiro do auxílio, mas nem sei o que fazer. Só me resta a fé em Deus”, diz chorando.

Para Adriana Marcolino, além da insegurança alimentar, a redução pela metade do auxílio terá um impacto negativo na economia.

“Os recursos do auxílio emergencial ajudam a sustentar por um período de crise um mínimo o consumo e a atividade econômica. O corte terá um impacto muito grande tanto para as famílias mais pobres como para a economia em geral”.

E este corte no valor do auxílio emergencial pode provocar uma crise ainda maior com o aumento da taxa de desemprego que já atingiu 13, 8 milhões de pessoas, acredita Adriana Marcolino. Para ela, os R$ 600 garantiam que as pessoas pudessem esperar que o cenário econômico melhorasse um pouco, para que procurassem uma oportunidade de trabalho em melhores condições.

“Com a redução no valor do auxílio, muito possivelmente essas pessoas terão que antecipar a sua volta ao mercado de trabalho, só que num cenário sem geração de emprego de qualidade para todo mundo, possivelmente até o final do ano, vão aumentar a taxa de desemprego de uma forma mais acelerada e também a taxa de empregos precários com a subutilização da força de trabalho”, afirma a técnica do Dieese.

*Edição Marize Muniz 

 

 

 

 

 

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