Brasília: pula, sai do chão quem quer Cunha na prisão
Marcha com 20 mil pessoas tem mulheres e jovens como protagonistas na capital federal
Publicado: 17 Dezembro, 2015 - 02h12 | Última modificação: 17 Dezembro, 2015 - 02h47
Escrito por: Luiz Carvalho, de Brasília
O pataxó Jefferson Niotxaru (primeiro à direita) quer mais ousadia de DilmaMesmo com cadeira de rodas, Tânia Quaresma não deixou de ir às ruas defender a democracia (Fotos: Edgar Marra)
O sol ainda brilhava sobre as largas ruas de Brasília quando um carro de som com a faixa “impeachment já” passou em frente ao estacionamento do estádio Mané Garrincha. Alguns manifestantes xingaram, mas a melhor resposta veio do poeta e músico Chico Nogueira, que animava a concentração do ato em defesa da democracia, contra o golpe e o ajuste fiscal.
“Eles têm medo é de 2018”, mandou. E quem tem medo das urnas, busca no ‘tapetão’ o caminho mais curto e mais garantido para chegar ao poder.
Alguns quilômetros depois, quando a marcha aproximou-se do Congresso Nacional, a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, lembrou dos embates com o ainda presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na época da votação do PL 4330 (atualmente no Senado como PLC 30/2015), projeto de lei aprovado na Casa e que prega a terceirização sem limites.
Com o sentimento de onipotência, Cunha elegeu a Central persona non grata e, por diversas vezes, barrou dirigentes e militantes que queriam ter acesso às votações, como têm os empresários.
“Em abril, quando estivemos aqui para fazer a luta contra o PL 4330, já dizíamos que esse homem não tinha condições de dirigir a Câmara. E nem sabíamos com o que ele estava envolvido. Nossa crítica era que seu autoritarismo não dava condições de comandar a Casa”, resgatou Graça.
O comentário da dirigente veio após o anúncio de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) o afastamento de Cunha por utilizar o cargo a serviço de interesses próprios e ilícitos.
A mudança do papel de figura onipotente para o de alvo de todos setores da sociedade verdadeiramente incomodados com as manobras e jeitinhos na política brasileira se deve, e muito, aos que também foram protagonistas na manifestação dessa quarta, majoritariamente composta por mulheres e jovens.
Muitos desses jovens participantes da 3ª Conferência Nacional da Juventude, que começou nesta mesma quarta, no Mané Garrincha, de onde ecoavam gritos de “não vai ter golpe” e pelo fim da polícia militar, antes da marcha partir.
Secretária-Adjunta de Cultura da CUT, Annyeli Nascimento, defendeu que esse protagonismo vá também para os espaços de decisão, sob pena de figuras como Cunha e seus seguidores manterem o país como refém.
“O Congresso precisa de renovação e eu conclamo a juventude que está aqui a entrar na política. Enquanto isso não acontecer, teremos anos duros como esse para a juventude, de enfrentar a redução da maioridade penal e quem prefere ver o jovem na cadeia, ao invés da escola.”
Rastro antigo
Enquanto para alguns as denúncias contra Cunha geraram surpresa, para outros, como a dirigente Executiva da CUT, Virgínia Berriel, a lista de prejuízos à sociedade é antiga. “Há 23 anos, quando foi presidente da Telerj, já pedíamos fora Cunha, porque ele dilapidou o patrimônio da empresa e privatizou o sistema Telebrás. A maior parte dos empregos foram terceirizados e os serviços precarizados”, explicou a dirigente, oriunda do setor de telecomunicações.
Como gestor ou parlamentar, o ainda presidente da Câmara tem pouco a oferecer ao Brasil, avaliou a representante da União Brasileira de Mulheres, Maria das Neves. Para ela, não há razões que justifiquem qualquer apoio delas ao golpe comandado pelo deputado do PMDB.
“O Brasil mudou, a chave da Minha Casa Minha Vida está nas mãos das mulheres, o Bolsa Família. Somos maioria no ProUni, no Pronatec, as maiores beneficiadas pelo Reuni. Não há motivos para as mulheres se somarem ao golpe que não nos traz nada de bom.”
Por esse entendimento, como há muitos anos não acontecia, a unidade popular foi capaz de unificar centrais sindicais, partidos e movimentos. Estiveram na mobilização e tiveram voz organizações como CUT, CTB, Intersindical, PT, PCdoB, PCO, Pastoral da Juventude, MST, MTST, Brigadas Populares e Consulta Popular.
Sem deixar as diferenças de lado, mas todos numa só trincheira, sentimento que pode ser resumido na intervenção do secretário de comunicação do PSOL, Juliano Medeiros.
Ele lembrou que o partido não apoiou Dilma no primeiro turno das eleições, criticou a escolha de ministros como Kátia Abreu e Joaquim Levy, repudiou os ajustes fiscais, mas defende o mandato da presidenta e uma saída à esquerda, ao invés do golpe. “Nós não nos somamos a quem quer quebrar a constitucionalidade legal. Contem conosco para derrotar o golpe, o Cunha e o ajuste fiscal”, afirmou.
Dilma fica, Cunha sai
Mesmo quem poderia ter ficado em casa resolveu ir às ruas para defender a democracia e direitos históricos. Caso da cineasta, Tania Quaresma, 65, que há dois meses teve uma queda, fraturou o pé e participou da manifestação em uma cadeira de rodas.
“A presidenta deve continuar porque ela foi eleita democraticamente e deve ficar até o final. E para este próximo período eu espero aquela Dilma corajosa de sempre”, relatou.
Para a professora aposentada, Clélia Carvalho, Dilma não cometeu nenhum crime e a crise deve ser resolvida com governabilidade. De mãos dadas com ela, o marido, Geraldo Branquinho, servidor público, explicou que muitas vezes vale mais ignorar as pessoas próximas, até da família, que apoiam o golpe, ao invés de entrar em conflitos intermináveis. “Passamos por períodos de ditaduras e as pessoas deveriam voltar para a sala de aula para entender o significado disso.”.
Nascida em El Salvador, a advogada Adília Lopez também defende a democracia. Com sotaque castelhano, ela vive há 50 anos no Brasil. “Eu lutei contra a ditadura militar e sou da mesma geração de Dilma. E tenho como princípio e filosofia de vida o socialismo”, disse.
Acompanhada da família, inclusive das netas, Adília também fez militância nas redes, enquanto marchava, postando fotos com adesivos de “NãovaiterGolpe.
Mais amor, menos Cunha
Para o secretário nacional de Juventude, Rafael Pedral, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a ascensão da homofobia, inclusive no poder Legislativo, tem em Eduardo Cunha uma figura de retrocesso aos direitos humanos.
“A representação de Cunha na presidência da Câmara serve para reunir todos os setores conservadores do País. Se já era caro para a nossa população pautar os nossos direitos naquela Casa, com este presidente fica ainda mais caro. São inúmeras as pautas de debate, como a da criminalização dos portadores do vírus da Aids”, explica.
Pedral exemplificou o que tem sido a retirada de direitos com a discussão do Estatuto da Família, que avançou na Câmara. Comandados por Cunha, os parlamentares querem regulamentar isso, mas nos moldes da família tradicional, católica.
“Com isso, excluímos a união homoafetiva de direitos como guarda dos filhos, herança e a inclusão do parceiro em planos de saúde”, falou.
Terra para garantir a vida
Indígena do povo Pataxó, trajado com as vestimentas de sua etnia, Jefferson Niotxaru disse ser contrário ao processo de impeachment que ocorre em Brasília, caracterizado por ele como “golpe”. Ao mesmo tempo, reforçou o que espera do governo Dilma. “É preciso tomar decisões mais efetivas com relação às questões sociais do Brasil, como a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas e quilombolas.”
Para ele, a presidenta precisa escolher o lado dos movimentos sociais e não aprofundar em alianças com setores que representam lados opostos. “Temos um Congresso conservador com as bancadas ruralista e evangélica, gigantes, e grande parte das nossas dificuldades vêm de quem está à frente do Ministério da Agricultura, que é a Kátia Abreu. Muitas políticas avançaram no Brasil, mas a garantia da terra é o que garante a nossa vida e dos próximos que virão.”
No encerramento, a vice-presidente da CUT, Carmen Foro, lembrou que o apoio à manutenção do governo Dilma faz parte dos princípios da Central de defesa da democracia. Mas não é um cheque em branco.
“Hoje pintamos o Brasil de resistência, coragem e firmeza da luta do povo brasileiro. E não só hoje. Sabemos muito bem que sem democracia, não avançaremos nos direitos da classe trabalhadora. Mas queremos uma nova política econômica, estamos nas ruas mobilizados contra o golpe, mas queremos outra postura política da presidenta Dilma em relação à economia. E seguiremos na luta até a vitória.”