Escrito por: Vanilda Oliveira
Em entrevista ao jornal francês L’Humanité, Sérgio Nobre fala da importância das brigadas na ocupação das redes sociais pela classe trabalhadora e no combate às fake news usadas por Bolsonaro contra o país
O presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, concedeu entrevista exclusiva ao centenário jornal francês L’Humanité, publicada nesta quarta-feira (16), sobre a tarefa das brigadas digitais criadas pela Central. Também falou da difícil conjuntura de um Brasil em crise geral e da importância de a classe trabalhadora combater as notícias falsas para impedir que o presidente Jair Bolsonaro seja reconduzido ao cargo nas eleições de novembro deste ano.
Sob o título “Brasil. Brigadas antifake news contra Bolsonaro”, a apresentação da matéria afirma que “determinado a não se deixar abater por informações falsas da extrema direita antes da eleição presidencial, a principal central sindical do país está engajada na batalha pela hegemonia cultural”. Ilustra a matéria foto de uma fake news sobre Lula divulgada nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, a partir de uma lista de falsas notícias, desmentidas por agências de verificação de fatos, enviada à reportagem do L’Humanité pela CUT.
“Os brigadistas terão a tarefa de resgatar as informações factuais nas redes sociais. Essas brigadas também são um espaço de formação, portanto estratégicas para que a CUT dê um salto organizativo e representativo”, diz Sergio Nobre em trecho da matéria. O dirigente também destaca ao jornal francês que: "A população precisa saber de toda a destruição causada por Bolsonaro, mas também precisa de solidariedade, ajuda para resolver seus problemas urgentes e imediatos causados pelo governo. Quem está com fome, sem trabalho, sem casa para morar, sem dinheiro para o transporte público não pode discutir o amanhã, precisa de uma solução para hoje”.
A matéria do L’Humanité foi reproduzida por diversas mídias e portais franceses.
Leia abaixo a integra da matéria traduzida e sobre o L’Humanité
Reprodução
Brasil. Brigadas antifake news contra Bolsonaro
Determinado a não se deixar abater por informações falsas da extrema direita antes da eleição presidencial, a principal central sindical do país está engajado na batalha pela hegemonia cultural.
Esta é uma foto tirada de longe. Em uma lancha de luxo, seis pessoas aproveitam o cenário dos sonhos de Angra dos Reis, a Baía dos Reis no estado do Rio de Janeiro, que tem mais de 300 ilhas conhecidas por serem o refúgio de celebridades. No barco, um homem barbudo, visivelmente velho, de calção de banho. A extrema direita brasileira não demora a compartilhar a imagem e assegura: é o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva. O nome do navio, Lulalu, no valor de 1,2 milhões de euros, atesta isso. O vereador carioca Carlos Bolsonaro acredita ter provas da corrupção do Partido dos Trabalhadores (PT).
Todos os dias, milhões de brasileiros são afetados por essas informações falsas divulgadas por populistas nacionalistas que já haviam construído a campanha de Jair Bolsonaro, em 2018, sobre mentiras propagadas nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Entre as fábulas mais populares da época estava a ideia de que o candidato do PT, Fernando Haddad, planejava ensinar a homossexualidade na escola primária graças a um “kit gay”. Segundo o site de verificação ‘Aos Fatos’, o presidente atual proferiu em média sete inverdades por dia em 2021.
" Eles semearam ódio e preconceito "
O inquilino do Palácio do Planalto, dado como perdedor no primeiro turno do próximo 2 de outubro, esconde assim sua própria incompetência. Cheios de excessos, esses discursos de propaganda são baseados em uma estratégia de tensão permanente que mina instituições, os demais poderes e a ciência. E, por fim, a própria democracia. “Semearam ódio e preconceito, suprimiram direitos dos trabalhadores, empobreceram a população. As fake news bolsonaristas têm como alvo organizações de esquerda, movimentos populares, serviços públicos, empresas estatais, lideranças trabalhistas, parlamentares e governos progressistas, além de destilar preconceito e ódio contra a mulher, a população negra e LGBTQIA + ”, explica a l’Humanité Sergio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), bem ciente de que todos os esforços dos bolsonaristas estão voltados para Lula, à frente das intenções de voto. Após investigação, a Polícia Federal descobriu que as milícias digitais de extrema direita eram coordenadas a partir de um “gabinete do ódio” dentro do próprio governo federal.
Às vésperas das eleições presidenciais, a esquerda sindical decidiu não ser esmagada. A CUT, fundada em 1983, dois anos antes de a ditadura militar dar seu último suspiro, é a principal central sindical do país. Com 7,9 milhões de membros, a CUT montou brigadas anti-fake news para ocupar o espaço digital com uma ferramenta de luta pela defesa de direitos. “Os brigadistas terão a tarefa de resgatar as informações factuais nas redes sociais. Essas brigadas também são um espaço de formação, portanto estratégicas para que a CUT dê um salto organizacional e representativo”, detalha ainda Sergio Nobre.
Metalúrgico de São Bernardo do Campo, no subúrbio de São Paulo, Sergio Nobre sabe que a batalha ideológica, além dos locais de trabalho, bairros e favelas, passa hoje pelas redes sociais. Pretende, assim, aumentar o volume de informações sobre assuntos essenciais para a vida dos trabalhadores, do emprego à saúde, passando pela educação, redução da pobreza, meio ambiente e erradicação da fome, que voltaram após serem eliminados pelos governos petistas. O país-continente vive uma das piores crises de sua história. As cenas de moradores de Fortaleza (CE) revistando um caminhão de lixo em busca de alimentos chocaram o Brasil. Cerca de 20 milhões de pessoas são atingidas pela pobreza extrema (menos de 1,63 euros por dia). “Nem Bolsonaro nem os outros candidatos de direita vão querer discutir projetos e ideias para tirar o Brasil da crise em que se encontra, vão travar uma guerra de fake news nas redes sociais, usar suas milícias digitais e seu exército de robôs para atacar as agendas e projetos defendidos pela classe trabalhadora", observa Sergio Nobre.
Mobilizar e responder à emergência social
Em fevereiro, a CUT treinou 13 mil dos 60 mil brigadistas digitais que pretende mobilizar até a eleição presidencial. Ao mesmo tempo, está lançando 6.000 "comitês de luta pela defesa da classe trabalhadora, da vida e da democracia" para mobilizar na base, mas também para responder à emergência graças a cestas básicas, doações de movimentos sociais e propostas para melhorar a proteção social dos candidatos. Sergio Nobre admite: "A população precisa saber de toda a destruição causada por Bolsonaro, mas também precisa de solidariedade, ajuda para resolver seus problemas urgentes e imediatos causados pelo governo. Quem está com fome, sem trabalho, sem casa para morar, sem dinheiro para o transporte público não pode discutir o amanhã, precisa de uma solução para hoje”.
Uma fotografia do Brasil, bem real essa, que as milícias digitais de Jair Bolsonaro não se apressam em divulgar.
LHUMANITÉ PEDIU NOBEL PARA LULA
O jornal foi fundado em 18 de abril 1904 pelo político Jean Jaurès (1859-1914) como uma espaço para os movimentos socialista e operário e ainda hoje, apesar de todas as crises financeiras, segue sendo um dos únicos jornais independentes da França. Também foi o único jornal francês a dizer que a prisão de Lula pela Lava Jato foi política e a defender o nome do ex-presidente brasileiro para Nobel da Paz, em uma capa histórica.
A partir de 1920, o jornal se tornou órgão oficial da Seção Francesa da Internacional Comunista (SFIC), que viria a ser o Partido Comunista Francês (PCF) e fez cobertura crítica e militante contra guerras e conflitos. Defendeu a paz na Primeira Guerra Mundial, as greves de 1936, a Resistência durante a Segunda Guerra Mundial (foi publicado clandestinamente por quatro anos), a Liberação e todas as lutas anticoloniais até hoje. Em 2005, foi o único jornal diário a dizer não à Constituição europeia
O jornal passou por diversas crises financeiras. Em 1999, passa por uma reforma editorial em meio a uma crise financeira. Abre o capital, passa por uma recuperação judicial. Em 2015, lança uma vasta campanha de doações e de assinaturas, que até 2019 havia € 1 milhão. Contribuíram personalidades de diversas áreas e políticos de todas as correntes, inclusive da direita).
Apesar de todos os problemas, segue sendo um jornal enraizado nas lutas sociais, na solidariedade internacional e é um reflexo de combates ambientais e feministas.