Escrito por: Andre Accarini
Rede só fornece “fast food”, alimentação considerada inadequada a trabalhadores
O Burger King foi condenado a indenizar um trabalhador em R$ 10 mil por obrigá-lo a se alimentar diariamente com a refeição comercializada pela própria rede de fast-food.
“Os fast-foods utilizam alimentos ultraprocessados que aumentam o risco de câncer, de doenças cardíacas, obesidade, hipertensão e várias outras patologias”, explica a nutricionista do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (SINDSEP-SP), Sheila Costa, que alerta para a necessidade do trabalhador e da trabalhadora manter uma alimentação balanceada e saudável: “quanto mais natural, mais saudável; no caso do Burger King e outros fast-foods os alimentos são todos processados”.
E foi o que entendeu a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao considerar a alimentação servida pelo Burg King prejudicial à saúde do funcionário. O Tribunal entendeu que a imposição do Briger King desprezou valores supremos da Constituição Federal, “em especial a dignidade da pessoa do trabalhador e o dever de proteção da higidez biopsíquica de seus empregados", além de desrespeitar o valor social do trabalho e não cumprir a função social da empresa.
Para a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Alves, a decisão da justiça contra a rede de fast-food, mesmo que seja sobre um caso individual, “é uma grande vitória no momento pelo qual passa o Brasil, em que os trabalhadores e trabalhadoras estão sendo atacados em seus direitos, incessante e diariamente, por um governo ilegítimo e golpista, a serviço do capital.”
Regras
A norma coletiva da categoria – dos trabalhadores em empresas de refeição rápida (fast-food) - determina que as empresas ofereçam opções aos empregados, como refeição gratuita ou vale-refeição. No entanto, a definição de refeição a ser fornecida está disciplinada em uma portaria editada em 2006 pelos Ministérios do Trabalho e Emprego, Fazenda, Saúde, Previdência Social e Desenvolvimento Social.
A portaria alterou definições do Programa de Alimentação dos Trabalhadores, o PAT, determinando que alimentação saudável é “o direito humano a um padrão alimentar adequado às necessidades biológicas e sociais dos indivíduos, respeitando os princípios da variedade, da moderação e do equilíbrio, dando-se ênfase aos alimentos regionais e respeito ao seu significado socioeconômico e cultural, no contexto da Segurança Alimentar e Nutricional.”
Na resolução consta, inclusive, uma tabela nutricional com as quantidades recomendadas de nutrientes. Sheila Costa exemplifica: a batata-frita do fast food é um alimento preparado que pode conter de oito a dez ingredientes, incluindo amido, gordura hidrogenada e alto teor de sódio.
“Não é batata”, ironiza a nutricionista que cita estudos realizados por universidades e organizações ligadas à saúde que relacionam o câncer de intestino ao alto consumo de alimentos processados. E não há quantidade recomendável. “Quanto menos, melhor e se puder tirar do cardápio, melhor ainda”, diz Sheila.
Não há um padrão de quanto tempo leva para que as consequências se manifestarem no organismo, explica a nutricionista. Segundo ela, “há vários fatores como genética, estilo de vida, sedentarismo que potencializam, mas os estudos são bem claros quando mostram que o aumento do consumo de ultraprocessados aumenta o risco de doenças”, diz a especialista.
Assédio moral
Para a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, o caso do trabalhador expõe outro lado das dificuldades nas relações de trabalho. Primeiro, a atuação do Burger King fere o direito à alimentação segura dos trabalhadores, diz Madalena, que complementa: “o próprio conceito de segurança alimentar compreende o direito de todos terem acesso de forma regular e permanente à alimentação saudável”.
Por outro lado, diz Madalena, obrigar o funcionário a se alimentar de maneira não saudável se configura como assédio moral.
Ela explica que “uma das características do assédio é a frequência com que ocorre. Se há uma imposição de os trabalhadores se alimentarem daquela forma, sem fornecer outras opções, pode-se dizer que é assédio moral”.
A dirigente da CUT alerta que, além das patologias já citadas, a situação pode causar transtornos psíquicos nos trabalhadores.
Saúde dos brasileiros
No Brasil, em uma década (de 2006 a 2016), doenças crônicas avançaram. Houve aumento de 61,8% de casos de diabetes e 14,2% de casos de hipertensão. Atualmente, mais da metade da população está com peso acima do recomendado. O índice é de 18,9% de brasileiros obesos.
Os dados são do Vigitel, um sistema de monitoramento (vigilância) de fatores de risco e proteção para doenças crônicas na população do Ministério da Saúde e a pesquisa é feita por telefone. O sistema foi desenvolvido e testado em 2003 em São Paulo pela USP e colocado em prática no país a partir de 2006, durante o governo Lula.