Câmara pode votar urgência do PL do ensino domiciliar nesta terça-feira (17)
Projeto é rejeitado por entidades que defendem a educação. CNTE já mobilizou sindicatos para pressionar parlamentares a rejeitar o PL. Ensino domiciliar é retrocesso de 100 anos, afirmam dirigente da entidade
Publicado: 17 Maio, 2022 - 11h56 | Última modificação: 17 Maio, 2022 - 14h03
Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz
A Câmara dos Deputados deve votar, nesta terça-feira (17), o requerimento para a urgência da tramitação do Projeto de Lei (PL) nº 2401/2019, que autoriza o ensino domiciliar, o chamado homeschooling. A proposta, amplamente defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelos setores mais conservadores da sociedade, em especial, fundamentalistas religiosos, é rejeitada por entidades que defendem a educação, como a Confederação nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que já mobilizou sindicatos para pressionar parlamentares a votar contra o PL. Ensino domiciliar é retrocesso de 100 anos, afirmam dirigentes da entidade.
Se urgência for aprovada, o PL vai para votação no Plenário da Câmara sem ser apreciado nem analisado nas comissões. A CNTE orientou cada sindicato filiado a pressionar os deputados em seus estados, em suas bases, para que a sociedade esteja envolvida na mobilização. Além disso, já há uma grande mobilização em todo o país, que reúne diferentes setores da sociedade, inclusive alas religiosas, que denunciam os retrocessos que o ensino domiciliar trará.
“Temos que resistir e lutar contra este projeto, pressionar os parlamentares para não cometerem este crime contra a educação brasileira”, diz a secretária de Assuntos Educacionais da CNTE, Guelda Andrade.
“Educação familiar é muito diferente de educação como construção de conhecimento, quem aprova um projeto dessa natureza não tem dimensão do que é o processo educacional no espaço da escola”, acrescenta a dirigente.
A ação contra o projeto é urgente já que o Centrão, ala que reúne partidos que apoiam o presidente, entre eles o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira, de Alagoas, ainda resiste em abandonar a pauta para agradar Bolsonaro.
“O governo tem pressa em votar a educação domiciliar para prestar conta aos evangélicos radicais e isso é prova de que ele não governa para a maioria. Governa para a minoria, atende projetos individuais”, diz Guelda Andrade.
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e pelo Datafolha, divulgada nesta segunda-feira (16), mostra que 78,5% da população discordam de os pais terem o direito de tirar os filhos da escola para educá-los em casa.
“As crianças têm o direito de se socializar, de ter um conhecimento mais amplo, para além dos credos e crenças da família. Isso promove um aprendizado em maior escala. Os pais não podem achar que sua verdade é absoluta”, afirma Guelda que reforça “seria um retrocesso de 100 anos na educação brasileira”.
Em nota, a CNTE critica o método, afirmando que a pauta não tem fundamentos técnicos e reforça que tem por objeto agradar parcela reduzida da sociedade “que despreza a importância da escola para a formação cidadã de crianças e jovens, especialmente para promover o respeito às diferenças e para ampliar o conhecimento a partir de diferentes teorias epistemológicas, em oposição ao negacionismo científico e ao obscurantismo que tomou conta das políticas públicas no Brasil”
Falácia
Bolsonaro e seus apoiadores afirmam que a educação em casa é uma forma de não permitir que os filhos sofram influências de outras ideologias que não as seguidas pelos pais. É um claro atentado à liberdade de aprendizado, uma censura, desde criança, sobre o pensamento crítica que cada cidadão deve ter.
Ataques semelhantes se deram com projetos como o Escola Sem Partido e com o fim da obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia no ensino médio.
Atualmente, o ensino domiciliar não é permitido. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou ao entendimento de que não há lei que regulamente o método no país.
Em 2021, a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) já havia proposto a alteração do Código Penal Brasileiro excluindo da tipificação de “crime de abandono intelectual” às famílias que adotassem o ensino em casa. O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Retrocessos
“Se vigorar uma lei assim no Brasil, teremos um aprofundamento das desigualdades social e educacional. Poderá haver evasão escolar”, afirma o presidente da CNTE, Heleno Araújo.
Além de falta de qualificação e especialização pedagógica, elementos fundamentais para promover o desenvolvimento intelectual, se a criança for submetida à educação familiar, além de ficar restrita a um nível de conhecimento menor, ficará mais vulnerável à violência doméstica
“O que mais pesa nesse processo é vulnerabilidade. Vimos um aumento da violência doméstica durante a pandemia e as pessoas isoladas dentro de casa. É um alerta e a escola ainda é espaço de denúncia e acompanhamento. Quando é negado o espaço de socialização, o risco é grande”, explica Guelda Andrade.
Ela ainda cita os casos de milhares de crianças que buscam escola por causa da alimentação, “porque é a única refeição que têm no dia”.
Guelda ainda reforça que é característica do atual governo promover ataques como este, ideológicos e que ‘não permitem que a sociedade evolua’.
“A sociedade precisa se mobilizar e mudar o governo, romper com todas as loucuras que ele [Bolsonaro] fez para a educação retroceder. Quando a gente pensa que vai conseguir chegar onde quer, construindo um Plano Nacional de Educação garante a educação de qualidade, esse governo trava, engaveta e faz tudo andar para trás”, diz a dirigente.
Projeto
O texto estabelece regras para o homeschoolling como a determinação de que ao menos um dos responsáveis tenha diploma de nível superior e que o estudante esteja matriculado em uma instituição de ensino para avalições periódicas.