Escrito por: Redação CUT
Voto de qualidade, extinto em 2020 por Bolsonaro, dá poder ao governo de cobrar dívidas tributárias, a maioria milionárias, em casos de empate em julgamentos no Carf. Até agora empate favorece devedores
O Governo Federal terá a oportunidade de retomar sua soberania em decisões que impactam diretamente na arrecadação fiscal, nesta terça-feira (4), data em que a Câmara dos Deputados deve votar o Projeto de Lei 2.384/2023, que restaura o chamado voto de qualidade do governo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O PL havia ‘trancado’ a pauta da Câmara na semana passada, quando venceu o prazo de 45 dias para a votação de propostas do Executivo, enviadas com o caráter de urgência.
O voto de qualidade foi extinto em 2020 pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Desde então, em caso de empates nos julgamentos de execução fiscal, as empresas sonegadoras passaram a ser beneficiadas com o perdão da dívida, gerando prejuízo aos cofres públicos. A maioria dos conselheiros do Carf é formada por setores como o empresarial e o financeiro (veja abaixo como funciona).
A CUT defende a aprovação do projeto. “O Carf precisa voltar a ter o voto de qualidade para casos de desempate, e esse voto tem que estar nas mãos dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional. Como está, é ótimo para quem sonega e péssimo para o Tesouro Nacional”, afirma a vice-presidenta da CUT e presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira.
“Empresários sendo os responsáveis pelo julgamento de ações sobre tributos em que eles são os devedores é como colocar a raposa para cuidar do galinheiro”, ela reforça, citando que desde o voto de qualidade foi extinto pelo governo anterior, “ao menos 126 empresas foram favorecidas com R$ 1 trilhão”.
Com apenas metade desse valor o governo poderia bancar uma década do Bolsa Família, construir milhares de escolas e hospitais e fornecer serviços que a população precisa, o que estimularia a economia, gerando emprego e renda- Juvandia MoreiraPrejuízo aos cofres públicos
Como impacto das decisões que favorecem os sonegadores, possibilitadas pela extinção do voto de qualidade do governo no Carf, a estimativa é de que somente no ano passado o país tenha perdido cerca de R$ 25 bilhões e de que, em se mantendo a lei promulgada por Bolsonaro, o Brasil perca ao menos R$ 70 bilhões por ano, a partir de 2023.
“Esse voto garantia aos representantes do Fisco o critério de desempate nos julgamentos. Porém, sem esse instrumento, em caso de empate vencem as empresas e, por consequência, a sonegação e a impunidade”, explicou o procurador fiscal da Receita Federal, Roger Corrêa, em artigo para o portal do Sindicado dos Auditores Fiscais da Fazenda de Santa Catarina.
O Brasil é o único país do mundo onde as empresas autuadas pela Receita Federal podem indicar metade dos julgadores nos processos milionários que tramitam no CARF. Sem o voto de qualidade, os julgamentos empatados são decididos a favor das empresas autuadas. Porém, se a empresa perder o julgamento ainda poderá recorrer ao Judiciário, mas a União, no caso de derrota, mesmo com jurisprudência favorável nos tribunais superiores, não poderá recorrer- Roger Corrêa
MP de Lula para retomar o voto de qualidade
Logo no início do ano, após tomar posse, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, publicou uma Medida Provisória que devolvia o voto de qualidade ao governo. No entanto, a MP não foi votada pela Câmara e perdeu a validade no início de julho e foi substituída pelo Projeto de Lei que deve ser votado nesta terça-feira.
Pressão
Na última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após se reunir com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), para tratar a agenda de votação no Congresso afirmou à imprensa que espera que o acordo firmado com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para restaurar o voto de qualidade seja cumprido.
O acordo a que se refere foi firmado em fevereiro entre o Ministério da Fazenda e a OAB, em que a entidade propõe isentar de multa o contribuinte derrotado pelo voto de desempate nos julgamentos. A proposta ainda prevê a isenção de juros caso o débito seja quitado em 90 dias ou parcelamento do total em 12 vezes.
De acordo com o Ministério da Fazenda, o retorno do voto de qualidade, nos termos acordados com a OAB, poderia aumentar a arrecadação federal em cerca de R$ 50 bilhões, somente em 2023.
Na última quinta-feira (28), diretores do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Fazenda (Sindifisco) se reuniram com a equipe da área técnica da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) para pedir apoio para aprovação do PL 2.384/2023.
Na ocasião, os dirigentes apresentaram um estudo do Instituto Justiça Fiscal (IJF), feito em parceria com o Sindifisco, que mostra os impactos do fim do voto de qualidade do Carf no Fundo de Participação de Municípios e Estados
O estudo leva em consideração a sonegação de contribuintes em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre o Imposto de Rendado e mostra que a arrecadação com essas dívidas poderia chegar a R$ 1.351 trilhão.
Em geral, os devedores são grandes empresas. Ainda na sexta-feira, Haddad, disse, para exemplificar, que apenas uma empresa, cujo não nome não foi citado, “tem um litígio de R$ 100 bilhões”.
Por que o voto de qualidade do governo deve voltar?
Sem a cobrança desses tributos, que deixaram de voltar aos cofres públicos para ser investido em políticas essenciais à população, o dinheiro fica na mão da parcela mais rica do país.
Quem perde é a classe trabalhadora, a imensa maioria do povo brasileiro, que deixa de usufruir dos benefícios que os recursos públicos geram como as políticas essenciais de educação, saúde e segurança, além de investimentos e projetos de desenvolvimento para o país.
Com maior participação e poder decisão, reduz-se a possibilidade de sonegação das empresas, assim ampliando a destinação de recursos para áreas sociais.
Democratização
A CUT, demais centrais e movimentos populares defendem, além da aprovação do projeto, uma maior participação dos trabalhadores no Carf.
“Não podemos aceitar que em um conselho tão importante, com 180 integrantes, apenas quatro sejam representantes dos trabalhadores. Além do retorno do voto de qualidade, queremos a democratização do Carf, com mais trabalhadores na sua composição, como forma de ampliar a representatividade”, diz a vice-presidenta da CUT.
Responsável por julgar os processos administrativos referentes a impostos, tributos e contribuições, o Carf é vinculado ao Ministério da Fazenda e composto por 180 conselheiros.
Desses, a metade (90) é de representantes dos contribuintes (empresas e trabalhadores) e os outros 90, técnicos do Ministério da Fazenda.
No entanto, a proporção é desigual. Dos 90 membros que representam os contribuintes, apenas seis são conselheiros indicados pelas centrais sindicais. As demais vagas (84) são distribuídas aos diversos setores empresariais, como o de energia, comércio, indústria, agricultura, transportes e, inclusive, o setor financeiro.
Por isso o movimento sindical defende a democratização, ou seja, uma maior participação da classe trabalhadora no Conselho.
O que julga o Carf?
Os conselheiros julgam processos em que os contribuintes se sentiram prejudicados por cobranças feitas pela Administração Tributária. Ou seja, julgam as ações movidas contra devedores de impostos no país.
O problema é que nas votações de julgamentos, em que o resultado é um empate, o devedor ficava isento de pagar o imposto, já que as ações eram julgadas procedentes o que eximia as empresas de responderam na Justiça pela dívida.
O voto de qualidade do CARF, dá o poder 'super julgador' ao Fisco, que, se o PL for aprovado, volta a ter direito a dois votos: um ordinário, estando no mesmo nível dos demais julgadores, e outro extraordinário, repetindo seu voto nas situações que ensejam desempate.