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‘Caminho grande a percorrer’: igualdade salarial requer esforços de toda a sociedade

Lei da igualdade trouxe avanços, mas empregadores devem mudar cultura machista que faz com que as mulheres sejam desvalorizadas na remuneração por seu trabalho

Publicado: 13 Março, 2025 - 23h30 | Última modificação: 13 Março, 2025 - 23h34

Escrito por: André Accarini | Editado por: Walber Pinto

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Luta histórica da CUT, a igualdade salarial entre homens e mulheres em mesmas funções teve, em 2023, um importante passo, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a Lei 14.611/23, que torna obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Mas, ainda que haja a legislação, na prática, as empresas ainda não cumprem com a regra, tornando o abismo salarial e de oportunidades uma batalha incessante.

Neste mês, em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, o 8 de março, a pauta ganha mais visibilidade para que a sociedade possa se conscientizar de que a igualdade salarial entre homens e mulheres é uma questão não somente de justiça, mas de democracia. Veja abaixo os dados da desigualdade.

“A realidade hoje no Brasil é de que ainda a gente tem um caminho grande a percorrer. A aprovação da Lei foi um avanço grande, mas para virar realidade mesmo, é preciso ‘casar’ as políticas públicas com ações da sociedade”, diz a secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino.

Ela explica que é preciso debater questões fundamentais como a divisão sexual do trabalho para que se chegue, de fato, à igualdade salarial. “É importante para poder valorizar o trabalho feminino, muito desvalorizado em relação aos trabalhos realizados por homens”, diz a dirigente, se referindo a uma imagem cultural construída ao longo de séculos que torna ‘inferior’ a participação das mulheres em todos os setores da sociedade.

“E retrógrado, injusto, imoral”, continua Amanda. Ela avalia ainda que a divisão no trabalho é ponto de partida para combater essa desigualdade de gênero.

“É ter políticas públicas que garantam a igualdade, mas as empresas, em si, têm o dever de desenvolver campanhas para que se possa ter uma cultura empresarial de valorização e oportunidades. Para além da igualdade, é preciso ter as mesmas oportunidades”, reforça.

Leia mais: Dia da igualdade salarial chama a atenção para o abismo entre homens e mulheres

Política nacional de cuidados

Para a dirigente, a política nacional de cuidados, instituída pela Lei 15.69 de 2024, mas que ainda precisa de regulamentação, é ponto crucial. “Interfere no acesso da mulher ao mercado de trabalho, em especial no trabalho formal. Muitas vezes, para equilibrar as tarefas domésticas, ela prefere a informalidade por conseguir flexibilizar seu tempo, abrindo mão de direitos”.

Para além disso, segue a dirigente, aquelas que já estão no mercado de trabalho, tem comprometida a sua ascensão. “Os homens acabam tendo mais tempo para se dedicar às atividades do que as mulheres”, ressalta a dirigente.

Por que a injustiça perdura

Amanda avalia os motivos que fazem com que a desigualdade salarial entre homens e mulheres sejam uma triste realidade no país. Para ela, a mulher é subestimada porque a sociedade ainda coloca às mulheres a questão dos cuidados.

“A mulher é subestimada porque a sociedade ainda relega a ela a questão dos cuidados. É porque ela vai ter filho, porque vai ter que cuidar de alguém doente em casa, porque tem a jornada doméstica, ou seja, todos esses conceitos que  já deveriam ter sido superados com a divisão justa de tarefas entre homens e mulheres – a questão responsabilidade compartilhada que é algo que ainda precisamos avançar”, ela diz.

O machismo estrutural presente na nossa cultura patriarcal reforça as desigualdades de oportunidades. “É importante ter em mente que a ‘masculinidade’, a chamada ‘virilidade’, é algo que faz com que os homens se sintam que seu poder é ameaçado toda vez que uma mulher se empodera”, critica a dirigente.

“Eles querem ter controle, sempre, sobre a vida, sobre o trabalho, sobre os corpos, sobre tudo da mulher”, ela pontua, lembrando que na grande maioria dos casos “quem decide o salário de uma mulher é um homem”.

Atuação sindical

Para além da legislação e de da atuação das empresas, não menos importante e, sim, essencial, é a atuação do movimento sindical em defesa da igualdade salarial. Amanda explica que se de um lado há as ações governamentais, por outro, é preciso que o movimento sindical continue a reforçar a pressão por meio das negociações salariais.

“Reforço que é importante termos uma lei, mas o movimento sindical não fica inerte e, nas negociações salariais, cobra das empresas que cláusulas específicas sobre o tema façam parte dos acordos e convenções coletivas de trabalho. É a nossa força, o nosso instrumento para garantir os direitos fundamentais das mulheres”, diz Amanda, reforçando que a secretaria nacional da Mulher Trabalhadora da CUT orienta suas entidades a darem prioridade ao tema nas negociações coletivas.

Ela lembra que o artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já determina que, em caso de funções idênticas, o salário deve ser igual, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade e que, com base tanto na CLT como na própria Lei 14.611, exigir a igualdade salarial e de oportunidades nas negociações é passo fundamental.

Relatório

Em 3 de julho de 2024,  Lula sancionou o Projeto de Lei nº 1.085, que estabelece regras mais rígidas para combater a desigualdade salarial. A legislação exige que empresas com mais de 100 funcionários apresentem relatórios semestrais com informações sobre a remuneração de homens e mulheres, facilitando a comparação entre salários e a transparência nos critérios de pagamento.

As empresas que descumprirem a lei estarão sujeitas a multas, que podem ser ampliadas em até dez vezes em casos de reincidência. A legislação também prevê indenização por danos morais em casos de discriminação por sexo, raça, etnia, origem ou idade.

Pela legislação fica obrigatório ás empresas fornecer dados sobre igualdade salarial ao MTE, que resultam no Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, divulgado no mês de março de cada ano. No dia 27, será divulgada a segunda edição do relatório. No entanto, de acordo com Amanda Corcino, a estimativa de que os números apresentem avanços não é uma realidade.

“Vai novamente mostrar que desigualdade salarial perdura. É preciso divulgar esses dados, fiscalizar e cobrar as empresas para cumprirem a Lei. E o movimento sindical tem papel importante nesta tarefa”, finaliza.

Dados

Os dados de 2024, levantados pelo Ministério do Trabalho e Emprego mostram que as mulheres recebem, em média, 19,4% menos que os homens. Em empresas com mais de 100 funcionários, as mulheres recebem 20,7% menos que os homens. Em cargos de direção e gerência, elas ganham 27% menos. Em funções de nível superior, a diferença chega a 31,2%.

No recorte por raça/cor do relatório, as mulheres negras, além de estarem em menor número no mercado de trabalho (2.987.559 vínculos, 16,9% do total), são as que têm renda mais desigual.

Enquanto a remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, correspondendo a 68% da média de remuneração dos homens não-negros é de R$ 5.718,40 — 27,9% superior à média. As mulheres negras também ganham 66,7% da remuneração das mulheres não negras.

Se considerado o salário médio de contratação das mulheres negras (R$ 1.566,00), a remuneração corresponde a 82% da média dos salários iniciais (R$ 1.901,00). Mas quando comparado aos salários iniciais de homens não negros, eles recebem 19% superior à média total do salário de contratação.