Fiscalização e análise dos produtos
Na ação civil pública movida pelo MP contra o supermercado, o Atacadão reconheceu que os produtos de hortifruti são analisados por uma nutricionista da empresa, “mas se trata de uma análise meramente visual acerca da aparência e condições físicas e externas do produto” e que “a empresa não realiza nenhuma análise nos produtos hortifrúti para verificar a regularidade em relação à utilização de agrotóxicos.” Na argumentação, o Atacadão se justificou utilizando o programa de rastreamento de alimentos da rede Carrefour, alegando que seria uma solução mais ampla que o termo proposto pelo Ministério Público, e mencionou prêmios vencidos pelo Carrefour de monitoramento de fornecedores.
Em entrevista, a atual titular da 3ª Promotoria de Justiça da Capital e responsável pela ação, Thelma Leal, disse que o termo rejeitado pelo Atacadão era simples e “não trazia nenhum prejuízo para as redes que firmassem o acordo”. “Uma das cláusulas era a de trocar o fornecedor do determinado produto, mas isso só se aplicava aos produtos que foram abordados e não aos demais. O fornecedor X do morango suspender a contração com esse fornecedor, fornecedor Y suspender a contratação de alface”, explica a promotora. Segundo o MP, a rede não concordou com a proposta.
Por não ter aceito o termo, como fizeram as outras redes de varejo, o Atacadão foi alvo de uma ação do MP ajuizada em 2018. Em 2020, a rede foi condenada em primeira instância a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos à sociedade. Em 2021, a sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça da Bahia. Em outubro do ano passado, a decisão transitou em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos.
A reportagem questionou a assessoria do Carrefour sobre o porquê de a empresa não ter aceitado firmar o acordo e sobre como era feita a fiscalização dos produtos agrícolas. Em nota, o grupo respondeu que “a ação é referente a uma amostra de produto coletada em 2015. Todos nossos processos de controle de qualidade de alimentos são extremamente seguros. Atualmente, temos 97% de rastreabilidade na Bahia”.
“Este processo é realizado por um laboratório de análise de resíduo homologado pela Anvisa e INMETRO, que faz a rastreabilidade dos alimentos e da cadeia de fornecedores”. A empresa ainda acrescentou que “em 2021, a rede liderou o ranking da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) e foi reconhecida pelo RAMA (Programa de Rastreabilidade e Monitoramento de Alimentos) como uma das empresas que melhor monitoram seus fornecedores”.
A empresa não respondeu às perguntas enviadas sobre os outros casos (leia perguntas e respostas na íntegra).
Em Natal (RN)
Em Natal, no Rio Grande do Norte, a vigilância sanitária do estado também encontrou resíduos de agrotóxicos proibidos ou acima do limite em diversos alimentos vendidos em supermercados do Carrefour. Desta vez, os produtos foram pepino, tomate, abacaxi, pimentão e repolho. Segundo a fiscalização estadual, realizada em 2010, foram detectados azinfós metílico, carbendazim, tebuconazol, procimidona, metomil, beta cipermetrina, permetrina e lambda-cialotrina.
Assim como ocorreu na Bahia, o Carrefour se negou a assinar um TAC proposto pelo Ministério Público estadual que previa cinco audiências para debater uma solução para o problema e um acompanhamento das vigilâncias sanitárias. .
Com a recusa do TAC, o Carrefour foi condenado pelo Tribunal de Justiça do estado ainda em 2020 a pagar R$ 60 mil por danos morais coletivos, ainda cabe recurso.
No Rio Grande do Sul
Já no Rio Grande do Sul, relatórios da Divisão de Vigilância Sanitária do Centro Estadual de Vigilância em Saúde também constataram resíduos de agrotóxicos acima do permitido em alimentos vendidos pelo Carrefour no estado.
A rede foi alvo de uma ação civil pública do Ministério Público do estado. Além dos resíduos de agrotóxicos, outras duas ações movidas pelo MP acusaram o Carrefour de comercializar produtos com validade vencida e armazenados a temperaturas impróprias. Em 2017, o supermercado foi condenado a pagar R$ 1 milhão em indenização por infringir direitos do consumidor.
Diferentemente dos outros casos, a rede aceitou firmar um Termo de Ajustamento de Conduta com a Justiça do Rio Grande do Sul. No termo, dentre outras medidas, o Carrefour se comprometeu a suspender a compra de produtos agrícolas de fornecedores autuados pelo uso de agrotóxicos e a pagar o valor da indenização.
A reportagem solicitou informações para saber quais os produtos autuados, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Ainda são poucos os casos em que se conseguiu responsabilizar grandes empresas e a cadeia de fornecedores de alimentos pela venda de produtos com agrotóxicos fora dos limites, afirma a advogada da organização Terra de Direitos, Naiara Bittencourt. “Há uma dificuldade da identificação do nexo de causalidade do dano para a população, consumidor e agricultor.
A identificação desse nexo de causalidade é bastante complexa e envolve várias análises e pesquisas técnicas, que são muito caras, e uma atuação muito ativa da fiscalização dos estados, municípios e da União em relação a essas grandes redes”, avalia.
Segundo a advogada, esse cenário torna a produção de provas um trabalho moroso, que explica o porquê das ações citadas demorarem anos até uma efetiva condenação ou mudança de conduta das empresas — e, nesse meio tempo, a venda dos produtos identificados pela vigilância como fora dos limites pode continuar acontecendo. “Desde do ajuizamento do processo até a sua finalização, pode levar décadas no Brasil. Isso corrobora para que as empresas continuem descumprindo a regulamentação por esse cálculo do custo econômico”, diz.
Na visão da advogada, as multas precisariam ser mais pesadas para gerar um efeito corretor na postura de grandes empresas. “Há uma disparidade entre a capacidade e o porte econômico das empresas e o valor das multas aplicadas que ainda são inferiores ou seja não afetam de fato a estrutura dessas empresas para que de fato alterem as suas potencialidades de fiscalização ou adequação sobre a irregularidade desses produtos expostos”, completa.