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Carteira Verde e Amarela de Bolsonaro sofre primeira derrota na Justiça do Trabalho

Às vésperas da votação no Congresso Nacional, MP Verde e Amarela sofre primeiro revés. Acatando nota técnica do MPT, Juiz do Trabalho considerou pontos da MP inconstitucionais e uma desobediência à OIT

Publicado: 09 Março, 2020 - 18h11 | Última modificação: 09 Março, 2020 - 20h17

Escrito por: Rosely Rocha

Reprodução
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A Medida Provisória (MP) nº 905 da Carteira Verde e Amarela do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) teve a sua primeira derrota na Justiça do Trabalho. 

A MP, que deve ser votada nesta terça-feira (10) na comissão mista foi criada com o argumento de estimular a geração de empregos para os trabalhadores e trabalhadoras mais jovens. No entanto, ela retira muitos direitos e favorece apenas os patrões.

Além de retirar direitos da classe trabalhadora, a MP limita a atribuição do Ministério Público do Trabalho (MPT) para firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) em matéria trabalhista, o que é inconstitucional.

E foi a partir de uma nota técnica do MPT contra os itens que retiram poder do órgão, que o juiz Dorotheo Neto, titular do Juízo Auxiliar de Precatórios, da Justiça do Trabalho da 14ª Região, declarou, no último dia 5 de março, a inconstitucionalidade incidental da Medida Provisória 905. A inconstitucionalidade incidental ocorre quando um juiz analisa pontos de uma determinada ação. Somente o Supremo Tribunal Federal (STF) pode declarar uma MP totalmente inconstitucional.

O juiz da 14ª Região identificou três inconstitucionalidades na MP 905:

- A MP restringe os direitos do MPT

- A MP não é urgente

- A MP versa sobre processo civil. A Constituição prevê que somente uma Lei Complementar (mais difícil de ser aprovada) pode versar sobre prerrogativas do Ministério Público, não uma Medida Provisória que passa a valer por 60 dias após a sua publicação.

Este é o caso do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), instrumento processual coletivo. O governo quer que os recursos da multa acordada no TAC sejam destinados a um fundo gerido pela União. Com isso, o MPT deixa de definir onde os valores das multas serão aplicados. 

O procurador e secretário de Relações Institucionais do MPT, Márcio Amazonas, dá dois exemplos de como essa mudança prevista na MP 905, prejudica a população.

“Os R$ 400 milhões de multa da Vale pelo acidente em Brumadinho (MG) não serão revertidos para a população local. O valor vai para os cofres do governo. O mesmo em relação a outros tipos de crimes. Se alguém for pego promovendo prostituição infantil, o valor da multa a ser paga também irá para o governo federal”, explica Amazonas.

A população não vai ver a cor do dinheiro. Isto quebra a lógica da responsabilidade civil, que é um dos pilares do sistema jurídico mundial, que determina quem for prejudicado será indenizado
- Marcio Amazonas

Este mesmo item da Carteira Verde e Amarela considerado inconstitucional  é o que desobedece a Convenção 144 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.

“Toda alteração de legislação social, que inclui direitos trabalhistas exige uma consulta tripartite, da população, o Judiciário e órgãos que defendem a classe trabalhadora, como o MPT. A Convenção 144 da OIT tem status supralegal, ou seja, está abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias, que é o caso da MP 905”.

“A MP 905 foi enfiada goela abaixo sem ouvir ninguém“.

Entenda a decisão do Juiz do Trabalho

Ao julgar uma ação que condenou a Empresa de Desenvolvimento Urbano de Rondônia a repassar as destinações de multas e indenizações a um fundo do governo que atenderia ao Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho, o juiz decidiu que as “ as indenizações decorrentes de danos morais coletivos caso fossem feitas somente a este fundo poderiam não atender aos objetivos propostos na lei de ação civil pública, que são os de recomposição dos bens lesados”.

Dessa forma, o juiz invalidou os artigos 21, que afeta a atuação do MPT , e os 22 e 23 da MP 905 e, considerou correta a destinação proposta pelo MPT, em Rondônia e Acre, para o pagamento de indenização de reparação do dano moral coletivo causado à sociedade.

Com a decisão, o MPT local poderá viabilizar a implementação de projetos para fomentar a educação e a cultura empreendedora, combater o trabalho infantil e estimular a aprendizagem no Estado de Rondônia. Tais ações beneficiarão diretamente cerca de 60 mil crianças e adolescentes e capacitarão mais de mil professores na região, o que não seria possível, se a MP 905 fosse considerada válida, já que a normativa não prevê esse tipo de destinação.

Para o secretário de relações institucionais do MPT, “a decisão é de suma importância para mostrar à sociedade que a MP 905 precisa de ajustes urgentes, para que o espectro da reparação à sociedade não acabe reduzido à habilitação e reabilitação, pois diversas outras lesões trabalhistas ensejam a reparação à sociedade lesada, tais como o trabalho escravo e o trabalho infantil, a exemplo da destinação feita às ações sociais indicadas pelo MPT em Rondônia e Acre”.

Procurador critica outros pontos da MP 905

Marcio Amazonas explica que cada procurador tem um ponto de vista sobre a MP 905 e que o órgão somente pode se posicionar sobre os itens da Medida Provisória que afetam a sua atuação. No entanto, particularmente, ele critica a forma como o governo pretende gerar empregos com a Carteira Verde e Amarela.

“Todo governante de qualquer ideologia quer gerar empregos no primeiro ano de governo, já que a empregabilidade é vista com bons olhos pela população. Mas, a grande diferença dos últimos governos é a flexibilização dos direitos trabalhistas e sociais para atingirem este objetivo”, diz Marcio Amazonas.

Ele lembra que a reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP) ,que retirou direitos e alterou mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não gerou os 6 milhões de empregos prometidos e o que se vê hoje é um alto índice de desemprego e desalento.

“Liberar trabalho aos domingos e retirar outros direitos, não é promover a empregabilidade de forma adequada. O Brasil não aprendeu. Viu que não funcionou em 2017 e está usando a mesma forma em 2019”.

Procuradoria Geral da República (PGR) ajuíza ação no Supremo contra pontos da MP 905

Tramita, ainda, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6306 (ADI) ajuizada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que questiona certos pontos da MP 905. Para o PGR, a nova redação dada pela MP limita a atribuição do MPT para firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) em matéria trabalhista, o que é inconstitucional.

“A limitação ao conteúdo de TAC firmado pelo MPT afeta negociações em curso por todo o país e pode levar, ante a inviabilidade da autocomposição, ao ajuizamento de ações coletivas e consequente sobrecarga do Poder Judiciário”, destacou Aras, à época do ajuizamento de ADI 6306.