Escrito por: Redação RBA
Campanha luta pela revogação de manual do Ministério da Saúde que incentiva investigação de vítimas de estupro que tentam acessar o serviço de aborto legal. Material também mente sobre a legislação em vigor
O termo #CuidemDeNossasMeninas ficou entre os mais comentados do Twitter nesta segunda-feira (27). A campanha virtual, que tem adesão de artistas e políticos, pede a revogação de um manual do Ministério da Saúde que orienta e incentiva a investigação policial de meninas e mulheres vítimas de estupro que tentam acessar o serviço de aborto legal no país. A pasta promove hoje (28) uma audiência pública para discutir o documento.
A secretaria de Atenção Básica do ministério lançou o manual de “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento” no início do mês. Desde então, o documento vem sendo alvo de inúmeras críticas de movimentos pelos direitos das mulheres e de defesa dos direitos humanos.
Além da investigação criminal das vítimas que buscam o aborto legal, o documento orienta que haja uma idade gestacional limite para o procedimento e cria uma confusão jurídica ao afirmar que “todo aborto é ilegal, salvo nos caos em que há excludente de ilicitude”.
Encabeçam a iniciativa pela revogação do material organizações como Anis – Instituto de Bioética, Católicas pelo Direito de Decidir, Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Rede Feminista de Saúde, dentre outros. Pelo site da campanha, as pessoas podem enviar emails ao ministério contra as orientações que constam no documento.
“Precisamos lotar a caixa de email deles com um só coro: queremos a revogação do novo manual sobre aborto! Quanto mais pessoas somarem, mais força teremos para impedir que histórias de revitimização aconteçam às mulheres que têm direito ao aborto legal no Brasil”, dizem as entidades.
Revitimização
O tema do aborto legal voltou recentemente à tona após a juíza Joana Ribeiro Zimmer tentaram induzir uma menina de 11 anos, vítima de estupro, a manter a gravidez. “Você não aguenta mais um pouquinho?”, chegou a sugerir a juíza, colocando a vida da menina em risco. Foi preciso a interferência do Ministério Público Federal (MPF) para que a criança pudesse realizar o procedimento de interrupção da gravidez, num hospital em Santa Catarina, na semana passada. O apelo criminoso da juíza serviu de mote para a campanha contra a cartilha do ministério. “Não vamos ‘aguentar mais um pouquinho’, vamos agir agora pela revogação desse manual”.
Não podemos permitir que casos como o da menina de SC se repitam. Pessoas que engravidaram em decorrência de estupro, que gestam fetos anencéfalos ou que correm risco de morrer caso levem adiante a gestação precisam acessar o serviço de abortamento de forma segura e humanizada
— Camila Pitanga (@CamilaPitanga) June 27, 2022Não podemos permitir que casos como o da menina de SC se repitam. Pessoas que engravidaram em decorrência de estupro, que gestam fetos anencéfalos ou que correm risco de morrer caso levem adiante a gestação precisam acessar o serviço de abortamento de forma segura e humanizada
— Dira Paes (@DiraPaes) June 27, 2022
Falsidades e riscos
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns também afirmou, em nota, que a cartilha do ministério contém falsidades que trazem riscos às mulheres. A socióloga Maria Victoria Benevides, que integra a comissão, rebateu, por exemplo, o argumento de não haveria uma lei específica votada que regulamenta o aborto legal.
“Essa é a primeira falsidade, porque as as condições para legalidade do abortamento estão claramente previstas no Código Penal”, afirmou ontem a socióloga, à jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual. No Brasil, o procedimento não é considerado crime em três situações: estupro, risco de vida à mãe e em casos de anencefalia (quando o feto tem malformação cerebral).
Outro “absurdo”, segundo ela, é quando a cartilha afirma que o aborto inseguro não é um problema de saúde pública. “Isso é absolutamente falso, pois está mais do que é comprovado que o aborto clandestino, o aborto inseguro, compromete profundamente a vida da gestante, com danos físicos e psíquicos”. Para Maria Vitória, mais do que uma questão de saúde, é também um problema de direitos humanos. Isso porque são as meninas e mulheres negras, pobres e periféricas as principais vítimas de estupro no país.