Escrito por: Andre Accarini
Decisão do TSE sobre direito de resposta de Lula na Jovem Pan foi tratada como censura, quando na verdade, quem promove censura é o presidente com sigilo de 100 anos até para as visitas que Michelle recebeu
Os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que passam pano para os sigilos de 100 anos que o mandatário impôs até para as visitas que a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu, usaram uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para disseminar a falsa ideia de que o combate a desinformação e às fake news é uma forma de censura, segundo eles, ‘praticada pela esquerda brasileira’. Eles dizem que ‘essa censura’ é que coloca a democracia em risco.
“Se se há alguma tentativa de censura nos dias de hoje, ela parte do próprio presidente da República cuja conduta é de intimidar a imprensa e determinar sigilo em informações que, por lei, são públicas e, portanto, deveriam estar disponíveis a toda a população”, afirma o jornalista, escritor, sociólogo e professor universitário, Laurindo Leal Lalo Filho.
Entenda o caso
Na semana passada, o TSE determinou que o grupo Jovem Pan conceda direito de resposta ao ex-presidente Lula (PT) em razão de declarações de comentaristas da emissora consideradas distorcidas ou ofensivas ao petista. Eles se referiam a Lula com termos pejorativos como ‘ladrão’, ‘descondenado’ e ‘ex-presidiário’.
Em editorial, a Jovem Pan afirmou que está sob "censura". Internamente, a emissora enviou uma ordem aos comentaristas para que se abstenham de utilizar termos ofensivos contra o petista.
Nas redes sociais, o direito de resposta concedido à coligação de Lula na emissora bolsonarista foi tratado pelos extremistas de direita como uma maneira de calar a imprensa.
Quem censura é Bolsonaro, dizem especialistas em direito e em comunicação
No último dia 20 de outubro, o jurista Thiago Anastácio afirmou, em entrevista na própria Jovem Pan, que o TSE apenas aplicou a lei, que não impõe censura e sim isonomia de tratamento durante o período eleitoral.
‘A Jovem Pan, que sabemos, é bolsonarista, chama um de ex-presidiário e louva o outro”, diz o jurista questionando o motivo da diferença de tratamento já que Bolsonaro também já esteve preso por má conduta no exército em 1986.
Além disso o jurista cita Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro e o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB). Ambos também já foram presos. Costa Neto em 2012, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no ‘mensalão’ e Cunha em 2016, por Sérgio Moro no âmbito da operação Lava Jato.
Os dois, conforme relata o jurista, são tratados com status de deputados pela emissora.
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Sigilo é censura, já atos do TSE são combate às fake news
“É dever de uma sociedade democrática combater desinformação, as fake news que são ações criminosas e antidemocráticas. Elas afrontam a legislação – afrontam a Constituição”, diz o professor Leal Lalo Filho.
Ele lembra dos 65 casos em que Bolsonaro impôs sigilo de 100 anos. Além das visitas que Michele recebeu tem os gastos do cartão corporativo da família Bolsonaro e o cartão de vacinação do presidente.
“Decretar o sigilo é que é censura”, diz o professor.
“Quando um cidadão assume posição pública tem que dar publicidade aos seus atos. É uma pessoa pública e um dos pilares da República é justamente esse – o de tornar de conhecimento público os atos dos gestores. O que Bolsonaro faz é característico de regimes autoritários”, diz Lalo Filho.
Mas o sigilo é só um dos pontos que caracterizam o governo de Bolsonaro como um regime disposto a tolher a liberdade de expressão. Um levantamento do fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC) aponta que durante o seu governo, Bolsonaro já violou diversas vezes a liberdade de expressão.
Ao todo, foram apontadas 110 denúncias contra jornalistas, comunicadores sociais, artistas, manifestações sociais e organizações políticas que demonstram a escala autoritária no país e que tentam calar os opositores do autoritarismo. Confira aqui a íntegra do relatório.
Lalo Filho ainda chama a atenção para o fato de que Bolsonaro a todo instante tenta na Justiça Eleitoral impedir que acontecimentos e documentos devidamente registrados, como suas falas machistas e criminosas em relação às meninas venezuelanas, sejam veiculados na mídia e nas redes sociais, bem como na campanha do ex-presidente Lula.
“Este é um caso de tentativa de censura, no entanto é diferente do que faz a Jovem Pan porque está lá, registrado em vídeo, ele falou e isso é um fato incontestável”, diz Lalo.
Ouça a entrevista de Laurindo Leal Lalo Filho para o Jornal de Rádio da CUT:
O que fez a Jovem Pan?
Em vídeo que circulou pelas redes sociais, uma pessoa está gravando pelo celular a transmissão do programa Pânico pela internet e diz que um homem, que aparece durante o programa, é um funcionário do Tribunal Superior Eleitoral e que a rádio está sob censura.
Em resposta a essa fake news, a Justiça Eleitoral negou que o homem que aparece seja funcionário do TSE. Segundo um comunicado da emissora, o vídeo é um protesto feito pelo próprio programa.
"Este foi o protesto do Programa Pânico contra a censura sofrida pela Jovem Pan. É um programa de humor que usa de tais instrumentos para manifestar sua posição crítica", diz o comunicado.
O que de fato aconteceu foi a decisão do TSE, já citada nesta matéria, de conceder direito de resposta a Lula contra acusações ditas nos programas da emissora contra o candidato.
Ao contrário do que dizem os bolsonaristas sobre censura, o direito à defesa deve ser amplamente exercido por quem sofre ataques dessa natureza – mentiras que atentam contra a moral, a idoneidade, à honra e à honestidade de cidadãos, com objetivo de destruir sua imagem.
Tática bolsonarista
Para Laurindo Leal Lalo Filho, a movimentação nas redes sociais acerca do tema tem, além de atacar o ex-presidente Lula, líder em todas as pesquisas de intenções de voto para o 2° turno das eleições, é afastar do centro do debate político temas mais importantes como a economia, a fome, o desemprego, entre outros que impactam diretamente na vida dos brasileiros.
“O bolsonarismo se vale da cartilha internacional da extrema direita que tenta ascender em vários países, inclusive no Brasil com Bolsonaro no poder. Essa cartilha deixa claro que, para isso, um dos métodos é criar fatos polêmicos para estabelecer debates irrelevantes escondendo os fatos que deveriam ser discutidos”, diz Lalo Filho.
E para ele, setores da mídia, como a Jovem Pan, assumem esse papel. “São os setores dos meios de comunicação que excluem determinadas informações e que dão preferência a outras que lhes interessam do ponto de vista político, caso da Jovem Pan, que defende Bolsonaro”, diz o jornalista.
Democratização da comunicação
Outra falácia da extrema direita para desinformar a população é afirmar que Lula tem em seu plano de governo o apoio à censura. Ao contrário, diz Lalo Filho, o que há é tão somente um artigo (o 118 das propostas do candidato) que propõe democratizar as comunicações.
“O direito de acesso a informações e aos meios de comunicação é essencial numa sociedade democrática orientada pelos direitos humanos e para soberania. E liberdade de expressão não pode ser privilégio de alguns setores, mas direitos de todos dentro dos marcos legais da Constituição, que até hoje não foram regulamentados. Esse tema demanda amplo debate no legislativo garantindo os mecanismos protetores da pluralidade e da diversidade com defesa da democratização do acesso aos meios de comunicação”, diz o artigo.
Lalo reforça que a proposta de regulamentação da mídia, apresentada pelos movimentos que defendem a democratização das comunicações tão somente reivindica a pluralidade, a diversidade e o acesso de todos os brasileiros aos meios de comunicação. “nada tem a ver com censura”, ele diz.
“É muito fácil para esses setores conservadores colocar o carimbo de censura naqueles que pela democratização da comunicação do que ter que explicar a omissão e a mentira praticada por eles”, critica o professor.