MENU

SP: Julgamento de chacina em Osasco pode durar até 12 dias

Com saldo de 17 mortes, réus irão a júri popular na região metropolitana de São Paulo

Publicado: 19 Setembro, 2017 - 12h24

Escrito por: Carta Capital

Foto: Divulgação/YouTube
notice

Conhecida como Chacina de Osasco, o assassinato de 17 pessoas na periferia da região metropolitana de São Paulo em 13 de agosto de 2015 começou a ser julgado na segunda-feira 18. O maior crime do tipo já julgado no estado, o episódio envolveu a participação de policiais militares e guardas civis, em uma aparente retaliação contra a morte de outros agentes de segurança, ocorridas na mesma época. 

O julgamento ocorre no Fórum Criminal de Osasco e discute a participação dos policiais militares Thiago Barbosa Henklain e Fabrício Emmanuel Eleutérios e do guarda civil municipal Sérgio Manhanhã, também comandante do Grupo de Intervenções Táticas e Estratégicas, em 24 crimes, sendo 17 assassinatos e sete tentativas de homicídio. 

Os atentados ocorreram  nas cidades de Osasco e Barueri em retaliação à morte do policial militar Ademilson Pereira de Oliveira, no Auto Posto Lombardia D’Itália, em Osasco, ocorrido no dia 7 de agosto do mesmo ano. Além desta, soma-se também a morte do guarda civil Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, ocorrida no dia anterior à chacina, em um comércio na cidade de Barueri.

Havia ainda um terceiro acusado, o cabo da Polícia Militar Victor Cristilder Silva dos Santos, que entrou com um recurso e teve seu processo desmembrado. Seu julgamento ainda não tem previsão de acontecer.

Os agentes respondem por homicídio doloso qualificado (quando há intenção de matar com características que dificultam a defesa da vítima), tentativa de homicídio e formação de quadrilha. 

No início das investigações, oito pessoas foram indiciadas por possível envolvimento com os crimes, dentre elas, sete policiais militares e um guarda-civil. Quatro destes PMs foram afastados do serviços operacionais e tiveram seus processos arquivados a pedido do Ministério Público Estadual, por não haver indícios suficientes de participação nos crimes.

Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a expectativa é que o julgamento dure pelo menos sete dias, mas a juíza responsável pelo caso, Elia Kinosita Bullman, reservou 12 dias para a realização.

A dificuldade de se atribuir ao reús a autoria dos disparos e de localizar outros envolvidos no crime transforma o julgamento em um dos maiores dos últimos anos. Casos semelhantes, como o massacre do Carandiru, duraram sete dias.

Conforme a decisão da magistrada, os policiais serão submetidos ao júri popular por haver elementos suficientes nos autos que confirmam a participação dos réus nos crimes.

“Os elementos colhidos são de molde a se concluir que todos os réus devem ser julgados pelo Tribunal do Júri, pois há elementos suficientes de autoria, não se comprovando os álibis que trouxeram”, proferiu na sentença.

De acordo com informações da Ponte Jornalismo, 43 pessoas foram convocadas a depor, 31 homens e 12 mulheres. Destas, 15 foram dispensadas na tarde da segunda-feira, restando 28. Fazem parte do quadro de depoentes policiais civis e militares, agentes que trabalhavam com os réus, parentes das vítimas e dos acusados, testemunhas protegidas e sobreviventes dos atentados. 

As execuções ocorreram em oito endereços diferentes em cerca de duas horas.

"Achei que todos tinham morrido" 

Um dos sobreviventes da chacina, o eletricista Luciano* conta que estava com amigos em frente a um comércio no momento do atentado. Foi quando um carro com dois homens parou bruscamente e começou a atirar. “Foi jogo rápido, coisa de 20 ou 30 segundos. Quando levantei do chão ainda consegui ver o carro virando a esquina”, explica.

Na ocasião, Luciano foi atingido por um tiro no pé, e, para que não fosse alvejado novamente, fingiu-se de morto. “Olhei pra trás e vi meus amigos, um deles ainda estava agonizando. Nunca tinha visto tanto sangue assim, era um sangue grosso, escuro, achei que todos tinham morrido.”

 

Socorrido por vizinhos, a vítima foi levada a um hospital na região, onde foi operada e liberada depois de três dias. “Depois que recebi alta precisei fazer fisioterapia pra continuar trabalhando, mas como dependo do SUS, estou na fila de atendimento até agora”, conta.

Sem conseguir trabalhar, Luciano depende de sua mãe idosa, que trabalha como balconista de uma padaria,e  sustenta a si própria e o filho com cerca de um salário mínimo. “A gente esperava algum respaldo do Estado, mas nunca fizeram nada e a gente fica aqui nessa situação”.

Por se tratarem do policiais militares envolvidos no caso, a vítima diz também que o governo deveria dar uma atenção especial aos familiares e sobreviventes da chacina.

Os policiais denunciados como responsáveis pelos disparos contra Luciano são Henklain e Eleutério, que, juntamente com Victor Cristilder Silva dos Santos, permaneceram detidos até o dia do julgamento no Presídio Militar Romão Gomes, no Jardim Tremembé, zona norte de São Paulo. Já o GCM Maranhanhã, permaneceu preso na carceragem do 8º DP (Brás/Belém), na zona leste.

A atuação dos réus ocorreu em diferentes frentes.

Enquanto o homicídio direto ficou sob responsabilidade de Henklain e Eleutérios, o PM Crisilder ficou encarregado de fazer o transporte dos executores. O comandante do GITE, Manhanhã, agiu de forma indireta ao distribuir as viaturas sob seu comando para locais de forma que não atrapalhasse a realização dos crimes.

O maior número de mortes da chacina ocorreu no Bar do Juvenal, no bairro Munhoz Júnior, em Osasco. Com oito assassinatos e duas tentativas de homicídio, o local é o único em que consta a participação ativa de todos os acusados, que chegaram encapuzados em um veículo prata.

Dentre as vítimas, estava o ajudante geral Thiago Marcos Damas, na época com 33 anos e executado com dois tiros. Sua irmã, Ana Damas, explica que Thiago estava indo em direção ao ponto final, a fim de voltar para casa, localizada no bairro do Jaguaré, zona oeste de São Paulo.

“No intervalo até o ônibus chegar ele parou ali com o Eduardo [outra vítima] para tomar uma cerveja enquanto ficava de olho no ponto”, conta. Thiago, que no momento estava desempregado, tinha ido ao bairro a pedido da irmã Alessandra para montar um armário. “Ela aproveitou que ele tinha sido demitido na semana passada e pediu pra que ele fosse lá montar.”

A volta da vítima para o Jaguaré estava marcada para o dia seguinte à chacina.

Um pedido do filho de Ana Damas, porém, antecipou sua volta para a noite do dia 13. Sem dinheiro para uma entrevista de emprego, recorreu ao tio. “Meu filho ligou pro meu irmão pedindo o bilhete de ônibus emprestado, e por isso, ele teve que voltar na noite do ocorrido”, conta.

A notícia do “tiroteio” chegou à família por meio de vizinhos.

Já no hospital, os familiares esperaram cinco horas por notícias de Thiago, pois “tinham sumido com os documentos dele”. Damas conta que somente depois de 12 horas pode fazer o reconhecimento do corpo.

“Foi horrível, a gente se sentia a pior pessoa do mundo. Os policiais, os enfermeiros, todo mundo tratavam a gente como se fosse bandido, como se meu irmão fosse bandido, e ele não era”, conta ao enfatizar que Thiago estava “no lugar errado na hora errada”.

Sobre o julgamento, espera que “a justiça seja feita”, mesmo não confiando mais nas instituições.“Eu não me sinto mais segura de forma nenhuma. Toda vez que vejo um policial na rua já imagino ele atirando no meu irmão”.

A tentativa de voltar para a vida normal é nula. “Depois que isso aconteceu tudo mudou, minha vida acabou. A alegria da família acabou”, desabafa.