Chilenos protestam contra privatização e qualidade dos serviços, diz professor
Não era só pelos 3,75% de aumento na tarifa do Metrô. Chilenos estão revoltados com resultado das privatizações, como capitalização da previdência que tem levado muitos à miséria, e de serviços como água e luz
Publicado: 21 Outubro, 2019 - 13h01 | Última modificação: 21 Outubro, 2019 - 15h34
Escrito por: Redação CUT
Há uma semana uma das maiores ondas de protestos das últimas décadas atinge o Chile e só na noite do domingo (20) pelo menos sete pessoas morreram em um incêndio em um supermercado de Santiago, capital do país. No total, já são 11 mortos e quase 1,5 mil detidos.
O estopim das manifestações foi o aumento de tarifas do Metrô na capital, mas mesmo depois que o presidente Sebastián Piñera - economista de direita que, em 2010, rompeu o ciclo de governos de esquerda e de centro-esquerda - cancelou o reajuste, na noite de sábado (19), as manifestações foram mantidas. Motivos para revolta não faltam.
Em entrevista ao blog do Sakamoto, hospedado no Portal do UOL, o professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile, Andras Uthoff, avalia que a alta da tarifa contribuiu para aumentar ainda mais o descontentamento do povo chileno com outras políticas públicas, como o sistema de capitalização da previdência, que tem levado os idosos a miséria, e privatização de serviços essenciais e básicos, como a água.
“Os manifestantes veem que seus pais e avós recebem aposentadorias de miséria, 80% delas abaixo do salário mínimo e 44% da linha de pobreza. Percebem que, dessa forma, não há capacidade de sobreviver dignamente", disse o professor que é doutor em Economia pela Universidade de Berkeley, ao blogueiro.
Privatizações é a causa da revolta
“Chega de aumentos, basta de injustiças. As pessoas não vão parar até que o governo reconheça: a luz, a água, tudo está sendo vendido neste país", disse à uma emissora de televisão um manifestante em Santiago, segundo a BBC.
O professor Andras Uthoff, confirma na entrevista ao blog de Sakamoto que a privatização dos serviços públicos é o principal foco da revolta do povo chileno que não consegue pagar por serviços essenciais como saúde, educação e energia.
"É uma manifestação contra o abuso que tem significado a privatização de serviços públicos com cobranças que a grande maioria não pode pagar, ficando excluída de bons serviços de saúde, educação, transporte, moradia, água, luz, energia", explica Andras, que foi membro de dois conselhos presidenciais para reformas no sistema previdenciário chileno e chefe da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).
Reforma da previdência chilena, um exemplo a não ser seguido
A capitalização da Previdência, uma das principais propostas de Paulo Guedes, ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro (PSL), foi retirada da reforma que deve ser aprovada esta semana pelo Senado, mas o ministro continua defendendo a medida. Ele diz que se inspirou na reforma feita durante o governo do ditador Augusto Pinochet (1973-1990) que adotou o modelo em que cada trabalhador faz individualmente uma poupança. O sistema brasileiro é de repartição. Os trabalhadores e trabalhadoras que estão na ativa ajudam a pagar o benefício de quem está aposentado.
"Depois de 40 anos, percebemos que o sistema de capitalização individual empobreceu os idosos no Chile", afirmou Andras ao blog de Sakamoto.
O professor da Faculdade de Economia diz ainda que há uma relação entre as reclamações de manifestantes por serviços públicos de qualidade e os problemas no sistema de aposentadorias. Para financiar o custo da transição para o sistema de capitalização foram cortados gastos em saúde, educação, moradia. No Brasil, a previsão de gasto com a implementação do modelo de capitalizaçõção da previdência é de quase R$ 1 trilhao.
"A qualidade dos serviços públicos se deteriorou e nunca recuperou níveis de dignidade, como prometido", afirma. Se alguém quer boa educação e saúde, tem que pagar por esses serviços. Vale ressaltar que a redução de gastos nessa área só foi possível porque o Chile vivia sob uma ditadura.
O que deve acontecer agora? "Está pendente a identificação de uma liderança firme, que nos permita canalizar esse descontentamento a fim de corrigir os abusos do modelo neoliberal que prevaleceu no Chile, sem sucesso para a grande maioria e benefício de apenas uns poucos." E resume: "A desigualdade é a ameaça”.
O Chile foi o primeiro país sul-americano visitado por Jair Bolsonaro depois de empossado. Bolsonaro quis destacar seu apreço ao conservador privatista como ele Sebastián Piñera. Além da privatização da Previdência, Bolsonaro quer privatizar vários serviços, entre eles, o de energia e também a Petrobras, que não entrou na lista das 17 estatais que o governo anunciou que vai vender, mas está nos planos de Bolsonaro e da equipe econômica.