Escrito por: Walber Pinto
Na véspera da Parada LGBT, em São Paulo, CUT ouviu especialistas.
No mês em que se celebra a diversidade, gays, lésbicas, bixessuais, travestis e transexuais sairão às ruas em São Paulo neste próximo domingo (18) para denunciar o crescimento da LGBTfobia e o retrocesso nas políticas públicas como resultado da ascensão do conservadorismo e do agravamento da crise política no país.
À véspera da Parada do Orgulho LGBT, em entrevista ao Portal da CUT, ativistas de três capitais do país apontaram que o cenário mudou drasticamente nos últimos anos, e para pior.
Referência mundial de enfrentamento à violência homofóbica, a cidade do Rio de Janeiro vê suas principais ações, que buscavam atendimentos para casos de discriminação, serem esvaziadas. Os Centros de Cidadania LGBT que atenderam mais de 95 mil pessoas entre 2010 e 2016 estão parados. Dos atendimentos que eram realizados, 40% tratavam de casos de violência homofóbica, o equivalente a 40 mil casos.
“Estávamos numa onda positiva e, de repente, o governo começa a nadar no mar revolto religioso. Com Crivela aprofundou a crise, temos uma agenda conservadora que pretende diminuir recursos da Parada do Rio, do Carnaval e diz que a prefeitura não apoiará a marcha LGBT este ano”, explica o ativista e ex-coordenador do Programa Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento.
Segundo ele, há um forte movimento financeiro para proibir políticas públicas de igualdade de gênero e esse cenário tende a aumentar a violência em um estado pioneiro no combate à discriminação. “Foi do Rio que se iniciou a união estável para casais do mesmo sexo, logo depois teve o reconhecimento no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e foi aqui que criamos o Programa Rio Sem Homofobia”, lembra.
Essa dificuldade apontada por Nascimento é endossada pela ex-presidenta do Conselho Nacional LGBT, Janaína Oliveira. Negra e lésbica, a militante que reside em Brasília aponta que na capital federal também não há mais nada em andamento.
“Há um desejo por parte do governo para que as políticas não saiam do lugar. No governo da ex-presidenta Dilma Rousseff nós já tínhamos certa dificuldade, entretanto, existia uma Coordenação LGBT, mesmo que pequena, e isso hoje praticamente acabou. Não tem orçamento e nem ajuda da ministra de Direitos Humanos que sequer dialoga conosco”, reafirma.
Janaína recorda de outro retrocesso no MEC (Ministério da Educação), que retirou as expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual” do documento da Base Curricular após pressão da bancada religiosa. “Temos que abordar nas escolas, nas universidades, a questão da identidade de gênero”.
Se para gays e lésbicas essas políticas estão escassas, para travestis e transexuais é ainda pior. No mundo do trabalho, por exemplo, elas seguem distantes do processo de inclusão. Mulher transexual e representante do ANTRA (Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros no Brasil) Fernanda de Moraes afirma que a retificação do nome social nos documentos é a única política que existe para travestis, mulheres transexuais e homens trans, entretanto, "não é efetiva de fato”.
“Se o nome social fosse implementado pelo governo do estado de São Paulo, seria diferente. A lei 10948/2001 (lei anti-homofobia) que existe é para orientação sexual, não para identidade de gênero”.
Fernanda ocupava uma vaga no programa Transcidadania, criado pela gestão do ex-prefeito Fernando Haddad, mas foi demitida pelo governo Doria. “Se temos uma política voltada para a empregabilidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans como é que fomos demitidas? Além disso, o programa foi descentralizado, e dificulta as meninas saberem se estão ainda no projeto”, finaliza.
VIOLÊNCIA E ASSASSINATO DE LGBT
O resultado desse processo de desmonte é que em um ano, o golpe também atingiu seriamente o combate à violência contra LGBTs. Em 2017, até o início do mês de maio, foram 117 lésbicas, gays, travestis ou transexuais assassinados em razão da orientação sexual e identidade de gênero.
Com isso, o Brasil continua sendo o país que mais mata LGBTs no mundo por não ter uma lei que penalize e tipifique crimes de ódio em relação ao gênero. Em nível federal, estadual e municipal, os projetos que pedem punição contra a intolerância são distorcidos pela bancada conservadora que tem apoio do governo Michel Temer.
“Há um inconsciente coletivo que, sob o pretexto de que a ‘homofobia não é crime’, acha que haveria um ‘direito’ a ofender, discriminar e até mesmo agredir ou matar pessoas LGBTs por sua mera orientação sexual e identidade de gênero”, afirma Paulo Iotti, advogado e Diretor-Presidente do GADvS (Grupo de Advogados Pela Diversidade Sexual e de Gênero).
Segundo o levantamento feito pelo portal G1 através da Lei de Acesso à Informação, divulgado nesta semana, mostra que 465 vítimas, em 10 anos, procuraram ou foram encaminhadas ao Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) para registrar uma queixa de crime motivado por homofobia em São Paulo.
De acordo com o advogado, o crescimento da bancada fundamentalista piora o cenário para se aprovar uma lei no Congresso Nacional que criminalize a LGBTfobia. “Vivemos tristes tempos na seara política, há uma maioria reacionária não só no Congresso, mas também nas Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras municipais”, completa Iotti, que defende que é necessário equiparar os crimes motivados por ódio à sexualidade ao racismo.
A CUT defende esses princípios e novamente participará da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, cujo o tema deste ano é ‘Independente de nossas crenças, nenhuma religião é lei. Todas e todos por um estado laico”. Para Jandyra Uehara, secretária nacional de Políticas Sociais da CUT, enfrentar o fundamentalismo religioso é defender a laicidade do estado. “É lutar sempre contra a discriminação, a intolerância e a violência que tem origem em convicções religiosas", finaliza a dirigente.