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Com crescimento recorde na pandemia, Nestlé mantém corte de direito de trabalhadores

Em três estados, empregados da multinacional suíça lutam há 300 dias contra redução no valor do vale-alimentação

Publicado: 31 Maio, 2021 - 09h18

Escrito por: Vanessa Ramos e Daniel Giovanaz Brasil de Fato | São Paulo (SP)

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Trabalhadores de fábricas da multinacional suíça Nestlé no Brasil completam 300 dias de luta contra a retirada de direitos em plena pandemia.

Na Bahia, em São Paulo e em Pernambuco, houve redução no valor do vale-alimentação. No Espírito Santo, a empresa também propõe cortar o tíquete, mas a medida ainda não entrou em vigor.

A Nestlé registrou, em 2020, o maior crescimento orgânico dos últimos cinco anos: 3,6%. A crise sanitária, que obrigou milhões de pessoas a ficarem em casa, contribuiu para o aumento das vendas e não impactou a produtividade.

“A América Latina apresentou alto crescimento orgânico de um dígito, com contribuições positivas em todas as regiões e na maioria das categorias de produtos. (...) O Brasil registrou crescimento de dois dígitos com forte demanda ampliada, especialmente para Ninho, NAN e Nescafé”, diz texto publicado pela Nestlé em fevereiro, sobre os resultados do ano passado.

“A pandemia global não nos atrasou”, disse Mark Schneider, diretor-executivo da Nestlé, ao comentar os resultados na página da companhia.

Entenda detalhes da situação em cada estado.

Junho será decisivo no Espírito Santo

Com data-base em junho, a Nestlé se nega a pagar a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), acertada em acordo coletivo há cerca de 30 anos.

Além disso, propõe reduzir o vale-alimentação em 48,6%, de R$ 680 para R$ 350.

Presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Alimentação do Espírito Santo (Sindialimentação-ES), Linda Morais questiona as motivações desse corte.

“Nós continuamos na resistência contra essa proposta injusta da Nestlé. Nada justifica essa redução [do vale-alimentação]. Os trabalhadores continuam as atividades em plena pandemia”, diz.

“Esse direito, essa conquista, não é um favor da Nestlé: é uma consequência do trabalho empregado diariamente por cada operário. Nós vamos continuar lutando, resistindo bravamente em defesa desses direitos, que fazem a diferença na vida dos trabalhadores”, promete a sindicalista.

Em 28 de abril, o Sindialimentação-ES encaminhou à Garoto a pauta visando a negociação do acordo coletivo 2021/2023.

O sindicato busca acordo nas negociações que envolvem cláusulas econômicas e sociais, como tíquete-alimentação, auxílio-creche, farmácia, entre outros benefícios, e também com relação ao pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR).

Entre outras propostas, o Sindialimentação-ES defende o reajuste do auxílio-alimentação para R$ 750, auxílio-material/uniforme e óculos para R$ 520 e a manutenção das demais cláusulas do acordo coletivo atual.

Com data-base em junho, a entidade também propõe o pagamento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do período de 1º de junho de 2020 a 31 de maio de 2021, com acréscimo de 3% de ganho real, a partir de 1º de junho deste ano.

Empresa e sindicato não entraram em acordo até o momento.

Em 23 de junho está marcada uma audiência judicial para discutir questões como a “irredutibilidade do auxílio-alimentação e sua incorporação.” No dia 28, ocorre outra audiência judicial, para pagamento da PLR de 2020, que está atrasada.

O Sindialimentação espera que a Nestlé reveja sua posição e busque a conciliação antes dessas audiências.

Demissões e cortes na Bahia

Em 27 de novembro, a fábrica da Nestlé em Itabuna (BA) fechou as portas, deixando 141 trabalhadores desempregados.

Resta no estado apenas uma unidade, em Feira de Santana (BA).

“As empresas de alimentação vêm se beneficiando desse momento, porque as pessoas em casa consomem mais. As empresas estão explorando os trabalhadores cada vez mais. Em vez de recompensá-los, estão retirando direitos conquistados com muita luta”, lamenta o coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins do Estado da Bahia (Sindialimentação-BA), Carlos Cerqueira.

Durante a pandemia, a assistência médica passou a ter cobrança de 20%, o adicional noturno foi reduzido de 70% para 50% e a ajuda-medicamento caiu de 90% para 60%.

Também houve mudança no plano de PLR, com redução de 20% a 30%, conforme o salário do trabalhador.

Cerqueira, que também é diretor da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação da Central Única dos Trabalhadores (Contac-CUT), teme ainda que a Nestlé expanda sua política de terceirizações.

“Os locais que tiveram essa estratégia efetivada chegaram a reduzir mais de 20% do quadro efetivo de trabalhadores. Essa é a política da maior empresa de alimentação do mundo”, critica.

Em Pernambuco, foco na redução de danos

Em 2019, o valor do vale-alimentação dos trabalhadores da Nestlé em Pernambuco era de R$ 500. Hoje, é de R$ 320, na contramão do preço dos alimentos no supermercado, que não param de subir.

Romerio de Lima Azevedo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados no Estado de Pernambuco (Sintilpe), diz que a principal demanda hoje é a manutenção do tíquete.

O trabalho também não parou na pandemia. Romerio relata que o sindicato tem acompanhado de perto o cumprimento dos protocolos de segurança sanitária no estado.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com a Nestlé.

Segundo nota enviada pela assessoria de comunicação, "a Nestlé mantém sua postura de empresa aberta ao diálogo e à negociação transparente com as entidades representativas dos trabalhadores, respeitando todas as fases de propostas, discussões, consultas e assembleias, com a participação e poder de decisão dos colaboradores."

No Espírito Santo, a empresa afirma ter feito uma nova proposta formal nesta semana para avançar na negociação sobre o acordo coletivo relativo a 2020 e acredita que os termos oferecidos devem ser devidamente discutidos em assembleia formal dos trabalhadores – as negociações para o período já foram concluídas em São Paulo e na Bahia.

"Importante ressaltar que a Nestlé vem honrando as condições validadas mesmo com o vencimento do acordo coletivo anterior, em maio de 2020", diz o texto.

Na Bahia, a empresa confirma que a negociação sobre o acordo coletivo relativo a 2021 continua em andamento, com as propostas em discussão e dentro do cronograma previsto.

"Para a Nestlé, as negociações coletivas realizadas anualmente, em datas-base definidas pelos sindicatos, são fundamentais para a sustentabilidade do negócio, manutenção das operações e geração de valor em toda a cadeia de atuação da companhia", acrescenta a nota enviada pela assessoria.

Não é só no Brasil

Conforme noticiado pelo Brasil de Fato, trabalhadores da Nestlé em outros países da América Latina também estão se articulando para enfrentar mudanças implementadas pela empresa durante a crise sanitária.

Na capital do Peru, em Lima, a semana foi marcada por protestos do lado de fora das unidades de trabalho contra a demissão de empregados em meio à pandemia.

Entidades sindicais obtiveram a sinalização de que aqueles que estavam afastados devido a comorbidades podem ser demitidos em breve.

Outra bandeira das manifestações é o cumprimento de um acordo assinado há dois anos que previa aumento salarial em 2021, e não foi cumprido pela empresa.

“A empresa tem insistido em manter uma posição arbitrária, convocando trabalhadores vulneráveis a aderir à demissão voluntária, oferecendo para isso uma indenização e dizendo aos que não aceitarem esta oferta receberão uma carta de demissão”, relata o secretário-geral do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Nestlé no Peru, Juan De La Cruz Cardozo.

Segundo Cardozo, a empresa desrespeita uma lei peruana estabelecida no ano passado aos trabalhadores doentes e que pertencem ao grupo de risco, que permite o afastamento com garantia de pagamentos e direitos até o fim da pandemia. 

Na sexta-feira (28), a Federação Nacional de Trabalhadores da Nestlé no Peru se reunirá com o Ministério do Trabalho e Promoção do Emprego do pais e representantes da empresa para buscar alternativas aos problemas enfrentados pela categoria. 

No Chile, os principais problemas identificados no começo da pandemia seguem ocorrendo. 

Na fábrica localizada em Maipú, na Região Metropolitana de Santiago, por exemplo, a distância máxima que os trabalhadores deveriam percorrer para a higienização é de 75 metros, conforme acordado com a empresa. Porém, em algumas seções, como a de chocolate, esta distância é de 600 metros desde o ano passado, mesmo depois de denúncias enviadas aos órgãos oficiais de fiscalização.

Sobrecarga para as mulheres

Outra dificuldade tem sido enfrentada pelas mulheres dessa fábrica, que são a maioria da categoria. Isso porque o berçário em que deixavam seus filhos durante seus turnos de trabalho foi fechado. 

“A empresa ofereceu uma bolsa-creche, mas isso não resolveu a situação, além de representar um tremendo retrocesso em conquistas alcançadas há mais de 40 anos”, lamenta José Guzmán, dirigente da Federação de Sindicatos da Empresa Nestlé, Empresas de Serviços e Atividades Afins (Fesinem).

“Ao retirar o direito de levar seus filhos à creche e ao jardim de infância dentro da fábrica, muitas trabalhadoras não têm quem cuide dos filhos, principalmente quando têm que trabalhar no turno da tarde ou da noite”, completa. 

Segundo o dirigente, a empresa também interrompeu avanços nos direitos trabalhistas. 

“Apesar de ter ampliado seu patrimônio com a compra recente da empresa de chocolates finos La Fête Chocolat, ela continua oferecendo reajuste salarial zero para o ano de 2022”, afirma Guzmán, que é funcionário da fábrica de Maipú há 35 anos. 

Edição: Rebeca Cavalcante