Escrito por: Redação RBA
Sem gastos mínimos obrigatórios para estados e municípios, sistema público ficaria praticamente inviabilizado
O médico, advogado sanitarista e pesquisador Daniel Dourado classificou como “muito grave” a proposta de desvinculação das receitas do orçamento da União nas áreas da saúde, por meio do SUS, e educação. A medida foi incluída na PEC Emergencial, como contrapartida para a volta do auxílio emergencial. Se aprovada, estados e municípios estariam desobrigados a realizar investimentos mínimos obrigatórios nessas áreas.
De acordo com Dourado, é ainda mais impensável que essa discussão esteja se dando justamente em meio a uma pandemia, quando o SUS necessita de receitas e investimentos ainda maiores. “Espero sinceramente que o Congresso não deixe passar”, afirmou, em entrevista a Glauco Faria no Jornal Brasil Atual desta quarta-feira (24).
Atualmente, os estados e o Distrito Federal são obrigados a destinar 12% da arrecadação para gastos com saúde. Para os municípios, o mínimo obrigatório é de 15%. Para a União, o mínimo também foi aumentando progressivamente, até chegar a 15% da arrecadação. Mas essa regra foi alterada com o Teto de Gastos, que congelou os investimentos sociais, que passaram a ser corrigidos apenas pela inflação. Na prática, esse congelamento significou uma redução proporcional dos gastos em saúde.
Os mínimos constitucionais foram estabelecidos pela Emenda 29, aprovada no ano 2000. Até então, de acordo com o especialista, o SUS patinava, por não contar com financiamento garantido. “A partir dessa vinculação, o SUS começou a ganhar certa estrutura. Mesmo assim, com muita fragilidade. Porque, ao longo do tempo, estados e municípios assumiram esses gastos até o limite, mas faltou o financiamento federal.”
Por outro lado, Dourado avaliou como positiva a retirada do artigo que permitiria a compra de vacinas pelo setor privado. O dispositivo chegou a constar na Medida Provisória (MP) 1.026, que facilita a aquisição de vacinas e insumos no Brasil, aprovada nesta terça-feira (23). De acordo com o especialista, em um cenário de escassez de imunizantes, é importante garantir que os primeiros vacinados sejam as pessoas dos grupos de risco. São indivíduos mais expostos aos riscos de contaminação, como os profissionais de saúde, e aqueles com maior probabilidade de desenvolver formas graves da doença.
“Esse artigo previa que 50% das doses adquiridas pelo setor privado fossem doadas ao SUS. Mas isso é muito pouco. Há o argumento dos que defendem é que quanto mais vacina, melhor, mas a gente tem reforçado que isso não é verdade. Porque neste momento em que há escassez de vacina, a ordem de vacinação importa muito”, afirmou.
O médico destacou, ainda, que o Brasil vive o pior momento da pandemia. Pelo menos 11 estados estão com as UTIs quase lotadas ou já colapsaram. O recrudescimento da covid-19 no Brasil, segundo ele, é resultado da negligência do governo federal, que apostou na “falácia” da chamada imunidade de rebanho, atuando deliberadamente para que a população se infectasse.
Dourado defendeu medidas mais restritivas, como as adotadas pelo governo da Bahia, que ampliou o toque de recolher nesta semana. Além da restrição de circulação de pessoas entre 20h e 5h, o atendimento presencial em bares e restaurantes também foi limitado até às 18h. “Ninguém acha as medidas de confinamento agradáveis, mas não tem outra maneira de diminuir a circulação do vírus que não seja diminuindo a circulação de pessoas.”