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Com gestão ruim e desvio de recursos, governo quer resolver falta de creche com FGTS

Governo quer usa FGTS, a poupança do  trabalhador, para pagar creche particular, mas deixa paradas obras públicas e ainda gasta com robótica em esquemas suspeitos no MEC 

Publicado: 05 Maio, 2022 - 16h04 | Última modificação: 12 Maio, 2022 - 13h01

Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz

Rovena Rosa / Agência Brasil
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Em três anos e cinco meses de governo, Jair Bolsonaro (PL) não apresentou sequer uma política pública, seja de geração de emprego ou controle da inflação, mas apresentou várias propostas para usar dinheiro que pertence ao próprio trabalhador para resolver a crise econômica que piorou em sua gestão.

Neste governo todos os problemas são resolvidos com a liberação de parcelas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), uma poupança para quando o trabalhador ficar desempregado, que vem sendo usada para estimular o consumo interno.

A última da vez é liberar saques para que as mulheres, grupo que mais desaprova o governo, paguem creches de seus filhos ou cursos profissionalizantes.

Em resumo é o seguinte. Como o governo é incompetente para gerir obras e cúmplice da corrupção dos aliados, paralisou obras prioritárias para a educação brasileira como a construção de creches e, paralelamente, liberou recursos da educação, via emendas do relator, esquema sem transparência que montou com o Centrão, para a compra de kits robótica para escolas sem internet ou construção de escolas fakes. A maioria dos recursos para esses kits inúteis foi para Alagoas, reduto eleitoral do aliado Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados, e Piauí, reduto do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Noguieira (PP), chefões da bancada do Centrão que manda no governo.

Leia mais: Bolsolão do MEC: Obras de creches param; dinheiro é desviado por aliados políticos

A decisão de Bolsonaro de atacar mais uma vez a poupança do trabalhador ao invés de apresentar políticas públicas e garantir obras como as de creches, está no texto da Medida Provisória (MP) 1116/2022, que cria o Programa Emprega + Mulheres e Jovens.

Mais uma vez o governo ignora que em média, 79% das contas individuais do FGTS têm apenas de R$ 175 de saldo. Ou seja, a MP vai desfalcar o saldo do Fundo, utilizado em caso de desemprego e na compra da casa própria, e não vai resolver o problema de quem não tem dinheiro para pagar uma creche particular.

“A medida tem pouco impacto nas vidas das pessoas, mas representa uma saída de recursos para o FGTS, que pode se agravar durante a tramitação da MP”, diz Clovis Scherer, economista do Dieese que assessora a CUT Nacional no Conselho Curador do Fundo.

Segundo ele, existem inúmeros projetos de deputados que autorizam o sague para gastos com casamento, escola privada dentre outros, que fogem totalmente do escopo do FGTS, que foi criado para ser uma poupança para o trabalhador na hora do desemprego e para a compra da casa própria.

A MP é um desastre porque o governo vai ficar sem moral para impedir medidas eleitoreiras e pedir responsabilidade dos parlamentares no uso do FGTS
- Clovis Scherer

Outra crítica do economista é que o olhar do governo Bolsonaro mais uma vez é privatizante, já que não constrói creches e passa a responsabilidade para o trabalhador que tem de pagar para deixar o filho numa instituição privada.

“O FGTS não é do governo, é do trabalhador e da trabalhadora e Bolsonaro está dizendo ‘vou resolver o problema de vocês, que o governo mesmo criou, com o dinheiro de vocês”, afirma.

Para o economista, o governo Bolsonaro mais uma vez coloca a mão no bolso do trabalhador, por não ter capacidade e competência para gerar emprego e renda. “O dinheiro do trabalhador se torna a solução do problema do governo”, critica Scherer.

Próximos passos

A liberação do FGTS só será feita após análise do Conselho Curador do Fundo (Condefat), formado por representantes dos trabalhadores, entre eles um da  CUT, empresários e o próprio governo, que formalizará a forma de saque e em quantas parcelas poderá ser feito, entre outras regulamentações.

“Como é uma Medida Provisória, o Conselho tem de acatar a lei, mas ainda não foi definido nenhum prazo para formalizar essa regulamentação. Não se sabe se há urgência por que a MP não estipula um prazo e, portanto, é preciso que o Grupo de Apoio Permanente (GAP) do Condefat examine essa questão para deliberação da direção”, explica Scherer.

A falta de creches no Brasil

A Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE) diz que este governo não vai alcançar a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), construído no governo Lula (PT), de até 2024 colocar em creches 50% das crianças de zero a três anos. Hoje apenas 35% estão matriculadas. 

Pelo PNE, o Brasil teria de atender 50% (2,2 milhões) das crianças de zero a três anos, com creches, até 2024. Hoje está em 35%, pontua Heleno

“Será impossível alcançar esta meta, por causa das decisões políticas de Bolsonaro e, agora, por causa dos desvios de dinheiro. A CNTE sempre criticou a definição de políticas e programas sem ouvir os educadores, as entidades representativas, e é isto que o governo Bolsonaro faz. Ele não dialoga com a categoria. Sempre há decisões e programas longe da realidade, de imposição política, de interesses de pessoas que não têm compromissos com a educação”, diz o Heleno Araújo, presidente da CNTE.

Confira as 15 principais medidas da MP 1116/2022:

  1. Autoriza, mas não estabelece como direito, o pagamento do reembolso creche. Pode fazê-lo por acordo individual ou coletivo em valor a ser estabelecido nestes instrumentos, obedecendo os limites a serem definidos pelo governo. Contempla empregados e empregadas que possua filhos entre quatro meses e cinco anos de idade. A nova regra poderá gerar duplo prejuízo para a família: (1) o deslocamento, que poderá dificultar a amamentação adequada, e (2) o custo do valor da creche, que pode ser superior ao estabelecido no acordo individual ou no limite do governo.
  2. A MP libera valores do FGTS para auxílio no pagamento de despesas com creche. Isenta a empresa de fornecer local adequado para guarda, cuidados e amamentação, autoriza um reembolso creche com valor que será insuficiente, tanto é que autoriza o trabalhador sacar de seu FGTS para complementar.
  3. A MP sugere que as empresas priorizem na alocação em teletrabalho as empregadas mãe e os empregados pais de crianças até 4 anos. Uma iniciativa que não gera direitos e desconsidera que a primeira infância é do nascimento até seis anos de idade. O teletrabalho é objeto de discussão no Congresso e nos nas negociações coletivas dos sindicatos. A imposição de metas tem intensificado o trabalho e alongado a jornada, em prejuízo das tarefas de cuidados exigidas pelas crianças.
  4. A MP estabelece um regime especial de compensação de jornada de trabalho por meio do banco de horas, autorizando o pagamento de horas extras e folgas quando da rescisão. Desconto, caso o devedor seja o trabalhador e pagamento quando a dívida for patronal. Ora, se a empresa despede o trabalhador não cabe este tipo de desconto, pois quem estabelece quando são prestadas e compensadas as horas extras são os empregadores.
  5. Férias são antecipadas, mas a remuneração postergada. A MP estabelece que o empregador poderá atender solicitação de antecipação de férias do empregado durante o primeiro ano do nascimento do filho ou enteado; da adoção; ou da guarda judicial, desde que não sejam inferiores a cinco dias. O § 1º do art. 134 da CLT já assegura esta situação. A novidade esta é a antecipação das férias e postergação do seu pagamento.
  6. A MP autoriza medidas visando a promover a conciliação entre o trabalho e os cuidados decorrentes da paternidade. Não é surpresa que um governo misógino, que estimula o machismo, exclua do texto a maternidade. O que esperar de um governo que tem como presidente da Petrobras um sujeito que declara: - "mulheres são mais eficientes fora do mercado".
  7. A MP autoriza as mulheres a fazerem saques no seu FGTS para pagamento de despesas com qualificação profissional. O governo reduz os investimentos em educação pública e gratuita, interrompe o crescimento da oferta de cursos de qualificação profissional gratuitos, para que o trabalhador recorra à sua poupança e pague cursos de qualificação privados.
  8. A MP autoriza os empregadores a suspenderem o contrato de trabalho para as mulheres participarem de cursos ou programas de qualificação oferecidos pelo empregador. Durante a suspensão, a empregada fará jus a uma bolsa de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, algo já previsto na legislação, mas através de acordo ou convenção coletiva. A MP traz a possibilidade da suspensão ocorrer por acordo individual, sem estabelecer limites à suspensão contratual, como está estabelecido no art. 476-A da CLT.
  9. A MP estabelece que entidades dos serviços sociais autônomos, privados, vinculados ao Sistema S, implementarão medidas que estimulem a ocupação das vagas de gratuidade por mulheres em todos os níveis e áreas de conhecimento, destacando as que forem vítimas de violência doméstica ou familiar com registro de ocorrência policial.
  10. A MP autoriza os empregadores a suspenderem o contrato de trabalho dos empregados, cuja esposa ou companheira tenha encerrado o período da licença-maternidade. Assim o empregado pai pode prestar cuidados e estabelecer vínculos com os filhos e apoiar o retorno ao trabalho de sua esposa ou companheira. Autoriza, mas não determina. Ou seja, o empregador pode suspender o contrato do empregado pai e pagar uma ajuda compensatória adicional à Bolsa Qualificação, em valor desconhecido, para que seu empregado faça curso de qualificação virtual e cuide dos filhos para que sua mulher volte a trabalhar em outra empresa. A ver.
  11. A MP altera o Programa Empresa Cidadã, para que pai e mãe possam requerer compartilhamento de licença, desde que as empresas empregadoras de ambos participem do Programa Empresa Cidadã e estejam de acordo. Ao se referir a empregados e empregada, a iniciativa exclui as uniões homoafetivas. Estas empresas podem ainda substituir o período de prorrogação da licença-maternidade pela redução de jornada de trabalho em 50% pelo período de 120 dias por meio de acordo individual. Não institui direito, mas autoriza o empregador a fazer, caso queira.
  12. A MP institui o selo emprega + mulher, com o declarado objetivo de reconhecer as boas práticas de empregadores que estimulem a contratação, a ocupação de postos de liderança e a ascensão profissional de mulheres; a divisão igualitária das responsabilidades parentais; a promoção da cultura de igualdade entre mulheres e homens; a oferta de acordos flexíveis de trabalho; e a concessão de licenças para mulheres e homens que permitam o cuidado e a criação de vínculos com seus filhos. Apenas estimula, nada mais.
  13. A MP cria o Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes e oferece como estímulo a suspensão do processo administrativo trabalhista de imposição de multa pelo descumprimento da cota de aprendizagem profissional e uma redução de 50% no valor da multa decorrente de auto de infração lavrado anteriormente à adesão ao Projeto.
  14. A MP possibilita a contagem da contratação de aprendizes adolescentes ou jovens em situação de vulnerabilidade em dobro. Um grande estímulo para evitar que as empresas sejam autuadas por descumprimento da lei. Entretanto, há que se considerar que ao contar em dobro estão automaticamente reduzindo as vagas para menores aprendizes potencialmente existentes.
  15. A MP, enfim, traz algo residual, mas positivo. Ela aumenta de um para cinco os dias que o empregado ou empregada pode deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo dos vencimentos em caso de nascimento de filho; muda de dois dias para "tempo necessário" a dispensa do horário de trabalho para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira.

Tramitação de uma MP

Assim que é editada, uma MP começa a valer, mas o Congresso Nacional tem de aprovar a medida. A validade da MP é de 90 dias. Para aumentar esse prazo e se tornar lei precisa passar pela aprovação do Senado e da Câmara Federal.