Com plano genocida de Bolsonaro, pobre tem de ter internet para conseguir auxílios
Para requerer auxílio emergencial, aposentadoria ou seguro-desemprego é preciso ter acesso à internet e celular. Não é modernidade. É estratégia para não pagar direitos e promover genocídio dos mais pobres
Publicado: 21 Maio, 2020 - 09h27 | Última modificação: 21 Maio, 2020 - 14h53
Escrito por: Rosely Rocha
As imensas filas em torno das agências da Caixa Econômica Federal, provocando aglomerações diárias de milhares de pessoas, desde que teve início o pagamento de R$ 600,00 do auxílio emergencial, para ajudar os informais a enfrentarem a crise aprofundada pelo coronavírus (Covid 19), e a obrigação de utilizar o site “Meu INSS”, antes da pandemia, para obter benefícios da Previdência, são apenas duas medidas que demonstram mais uma vez o desprezo que Jair Bolsonaro tem pelos mais pobres. Até os desempregados sofrem com o sistema on-line da Secretaria do Trabalho para trabalhador “agilizar” processo de requerimento do seguro-desemprego.
Em nenhum momento a equipe econômica do governo federal, ou mesmo Bolsonaro, se preocupou em “ler” os números de utilização e acesso precário à internet no país. Se tivessem verificado saberiam que milhões de brasileiros e de brasileiras seriam prejudicados com essas medidas anunciadas como modernidade num país onde impera a desigualdade.
No Brasil, são cerca de 70 milhões de pessoas com acesso precário à internet ou sem nenhum acesso, mais de 42 milhões nunca acessaram a rede e 85% dos cidadãos, das classes D e E, já conectados, utilizam a internet só pelo celular e com pacotes limitados, que dificultam a conexão.
Especialistas em desigualdade social, como a ex-ministra de Combate à Fome, Tereza Campello, disse em entrevista ao Portal CUT que as dificuldades provocadas pelo governo para impedir o acesso aos serviços públicos fazem parte de um plano claro de genocídio, especialmente dos mais pobres e vulneráveis.
Desta vez, quem faz a mesma afirmação é o economista, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Francisco Menezes e a secretária-geral do Sindicato dos Servidores no Seguro Social e Previdência Social no Estado De São Paulo (SINSSP), Vilma Ramos.
Ao analisar os comportamentos do ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, que tem um olhar voltado apenas para o capital, sobretudo o financeiro, e o do presidente, que tem uma obsessão pelo fim do isolamento social, ignorando as necessidades e até a vida do povo, Menezes diz que “Bolsonaro cria fatos para o povo ir às ruas, pouco se importando com o número de pessoas que vão se contaminar e morrer pela Covid 19. Neste sentido é uma política genocida”.
Uma parcela da população já está tão vulnerável que não vai chegar aos programas sociais. E as atitudes do governo demonstram que há uma disposição de deixar gente de fora mesmo. Não é só uma questão de incompetência. Há um plano genocida, independente das pessoas passarem fome, ou correrem risco de morte na pandemia.
No caso do atendimento no Instituto Nacional do Seguro Saúde (INSS), não é diferente. O órgão, em suas 5.500 agências pelo Brasil, atende, na grande maioria das vezes, a população de baixa renda, que não tem acesso à internet e não sabe usá-la.
“Mesmo nas grandes capitais do país você percebe que a internet não é democratizada. O INSS é um serviço público, mas quando você obriga essas pessoas a um atendimento virtual e elas não sabem como utilizar, você já está fazendo uma seleção de quem tem direito”, afirma Vilma Ramos.
A população mais vulnerável que não tem acesso à internet acaba perdendo o direito, e a que tem pouca afinidade com a tecnologia contrata um advogado, um intermediário, e paga por um serviço público, gratuito
A dirigente do SINSSP é categórica ao afirmar que a exclusão, via internet, não é só para quem quer se aposentar, é para quem recebe o auxílio-doença, o Loas, o seguro defeso.
“Quando você obriga uma pessoa a procurar seu direito, por telefone ou por um site, mesmo que ela esteja na sua frente dentro da agência do INSS, que esta é a determinação do governo, você está tirando a obrigação do Estado em prestar um serviço público”.
“Na verdade, há sim uma política de diminuição de direitos. E a eliminação total de direitos, que este governo quer chegar, num país tão desigual, leva a uma política genocida”, diz Vilma.
Método para requer benefício de R$ 600 é excludente
Para o pesquisador do Ibase, Francisco Menezes, o método adotado pelo governo para atender quem precisa de um auxílio ou benefício também é uma forma de genocídio, por ser inadequado e excludente. Segundo ele, ninguém tem dúvida que nos últimos anos o acesso a celulares e notebooks aumentou, mas a parcela mais vulnerável da população não tem acesso a essas ferramentas.
“O método, por exemplo, do acesso ao auxílio emergencial, foi excludente porque não considerou uma questão básica: não é a classe média que precisa do auxílio. Foi uma forma que buscaram para diminuir a efetividade do que seria esse auxílio para os pobres”, afirma.
Além do uso da internet, o pesquisador Francisco Menezes cita outras obrigatoriedades que o governo impôs para a obtenção do auxílio emergencial , como fatores de impedimento para os mais pobres.
- Colocar a Caixa Econômica Federal como banco centralizador e impedindo subcontratações para operacionalizar o pagamento;
- O atraso no início do pagamento;
- A exclusão de diversas categorias que deveriam compor o conjunto de pessoas com direito ao auxílio, como pescadores artesanais, motoristas de aplicativos, agricultores familiares, entre outros, apesar do Senado ter ampliado o benefício para essas categorias e;
- A demora em incluir no Bolsa Família cerca de 1,5 milhão de pessoas que estão na fila do programa, que poderiam ter acesso mais rápido ao auxílio emergencial
“Temos 1,5 milhão de pessoas pleiteando a entrada no Bolsa Família. O recurso já foi liberado, mas não utilizado, portanto essas pessoas ainda não foram incluídas“, diz o pesquisador do Ibase.
Segundo ele, antes da pandemia, já havia uma parte da população precisando se cadastrar no Cadastro Único (CadÚnico) por ter entrado numa situação de extrema pobreza, e são esses que o governo ignora.
Menezes diz que em 2019 o país chegou a 13, 8 milhões de pessoas na extrema pobreza. O governo não divulgou, mas, a consultoria LCA chegou a este número utilizando os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNDA Continua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2018 eram 13,5 milhões – um aumento de 300 mil, pessoas em apenas um ano.
“Nunca é demais repetir que a pandemia no Brasil evidenciou o grau de desigualdade e ausência de enfrentamento dessas questões. Isto pressupõe a necessidade uma revisão profunda de medidas tomadas ,não só na questão da renda básica, mas retirar a Emenda Constitucional nº 95, que congelou os gastos públicos por 20 anos , e nos deixou neste grau de fragilidade”.
“Tenho ouvido alguns ultraliberais dizendo que quando acabar a a pandemia tudo voltará a ser como antes. Precisamos fazer frente a isso”, conta o economista.
Bolsonaro tira proveito político da pandemia
Francisco Menezes ressalta que o governo nunca desejou pagar o auxílio emergencial, que a princípio anunciou R$ 200,00, e só chegou aos R$ 600,00 porque o Senado aprovou R$ 500,00 e, Bolsonaro “falastrão”, segundo Menezes, aumentou o valor.
“Agora, quer tirar proveito político da situação. Basta abrir o aplicativo do auxílio e lá está indicado que a iniciativa é do governo federal. Mas, ele teve de engolir a aprovação do Senado”, critica.
O economista se preocupa com o período curto de três meses de pagamento do auxílio emergencial, que para ele, será insuficiente.
“Ninguém ignora que os efeitos da pandemia não vão passar nos próximos meses. É preciso se antecipar e já falar na extensão da renda a quem precisa, conclui”.
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