Com pressão popular, a agricultura familiar poderá renegociar dívidas
Com luta e mobilização, a agricultura familiar pode voltar renegociar dívidas com até 95% de descontos e recomeçar a produção de alimentos, melhorando as condições de vida de milhares de famílias
Publicado: 06 Setembro, 2018 - 17h10 | Última modificação: 06 Setembro, 2018 - 17h20
Escrito por: Érica Aragão
A luta e mobilização dos trabalhadores e das trabalhadoras da agricultura familiar, que reverteu a Medida Provisória 842 na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (5), pode impactar diretamente o emprego no campo e a produção e no preço dos alimentos, beneficiando milhares de famílias de agricultores. Agora, a luta é para a MP seja aprovada no Senado.
A MP 842/18 foi apresentada no último dia 25 de junho pelo ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP) com alterações nos pontos das Leis n° 13.340 e n° 13.606. A proposta era de anular a renegociação de dívidas rurais nos financiamentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer) e do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (Procera). A MP também revogaria o desconto, de até 95%, para liquidação de débitos de produtores rurais com linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Durante o mês de agosto, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) e as Federações filiadas participaram de reuniões com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e também fizeram mobilização nas ruas, nas redes, no Congresso Nacional e nas bases eleitorais dos parlamentares e conseguiram incluir emendas e recuperar, ainda na Comissão especial, grande parte dos pontos positivos previstos nas duas leis, bem como incluir novos itens como o Procera.
O Plenário da Câmara aprovou o texto, que retoma algumas condições vetadas por Temer quando da sanção das Leis 13.606/18 e da 13.340/2016, sem destaques por acordo de líderes, sem necessidade de votação nominal e seguiu para o Senado.
O texto, que é originário de MP, tem prioridade na próxima sessão no Senado, programada para o próximo dia 10 de outubro e inclui as dívidas de agricultores e agricultoras familiares de todas as regiões brasileiras contratadas de 2006 até 2011. Para o semiárido nordestino, norte de Minas Gerais, inclusos os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, e norte do Espírito Santo permaneceram os percentuais de 95% de desconto como garante a Lei 13.606/2018. Para os demais municípios dessas regiões e das demais houve redução linear de 10% dos descontos originais.
O Projeto de Lei também estendeu o prazo para a renegociação das dívidas até dezembro de 2019 e foram mantidas as condições de repactuação de dívidas pelo Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste (FNE) e Fundo Constitucional de Desenvolvimento da Região Norte (FNO), previstas na Lei 13.606/2018. O Fundo Constitucional de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (FCO) e demais regiões do País terão renegociadas as dívidas feitas até 2006 com rebate de 60%, e as dívidas feitas entre 2007 a 2011 terão rebate de 30%.
Endividados devido à seca e outras condições climáticas, os agricultores familiares de todo o Brasil já podem planejar o pagamento ou quitação de dívidas e a reestruturação do processo de produção, como explica a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro.
“A CONTAG teve pressa para negociar esta medida porque além de prejudicar a cadeia produtiva, aumentando preços e piorando a qualidade de vida do produtor, a MP tinha um prazo de validade até novembro deste ano e as pessoas teriam até dezembro para acessassem o benefício, já que o ano que vem teremos outro governante”, disse Carmen.
Segundo ela, se esperasse a MP caducar em dezembro a Lei que garantia o desconto de 95% iria voltar a valer, porém não ia dar tempo de as pessoas renegociarem as suas dívidas.
“Além da demora burocrática dos bancos, com a eleição esse processo iria ficar mais lento e não daria tempo para as famílias resolverem seus problemas”, explica a vice-presidenta da CUT.
“Esta conquista foi fundamental para as famílias pagarem ou quitarem suas dívidas e voltarem a produzir já que uma família de agricultores que deve R$ 10.000,00 com a renegociação de dívidas no semiárido nordestino, por exemplo, pagará apenas R$ 500,00 e o governo completará o resto do valor em nome do agricultor e ele poderá acessar um novo crédito e reiniciar o processo produtivo”, explicou Carmen.
Já na avaliação do presidente da CONTAG, Aristides Santos, o texto aprovado não é o ideal, principalmente para as Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, mas com o aumento do prazo a entidade continuará na luta.
“A CONTAG defendia a renegociação das dívidas até 2015 e em iguais condições para todas as regiões. Mas foi o possível de ser negociado para não prejudicar os agricultores e agricultoras familiares em função do prazo previsto anteriormente na MP. Não podemos deixar os agricultores e agricultoras familiares endividados”.
Segundo Aristides, a CONTAG vai construir uma nova proposta de projeto para atender melhor as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, bem como incluir os anos de seca no Nordeste e as dívidas do Norte.
Mesmo assim, diz o presidente da Contag, “só em garantir o retorno das famílias ao acesso ao crédito e à produção resolvendo as dívidas até 2011 foi extraordinário”.
Ele explicou que as regiões do semiárido e do norte de Minas foram priorizadas porque nelas vivem os trabalhadores e trabalhadoras mais endividados, o maior índice de pobreza e o menor de Desenvolvimento Humano e, também, porque são as produções mais prejudicadas com as mudanças climáticas.
Na negociação entre entidades de trabalhadores e governo foi incluído mais segmentos, como a agroindústria, cooperativas e regularização fundiária, que também poderão renegociar suas dívidas com os mesmos critérios.
Além disso, o acordo prevê que nada mudará no Senado e depois de publicado passará a valer. Porém, o Banco Central e os bancos privados terão que mudar normas e sistemas para atender as novas condições, demorando em torno de 30 a 60 dias. A vantagem é que agora, as famílias de agricultores terão até dezembro de 2019 para dar entrada no benefício.
Segundo o coordenador da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil), Marcos Rochinski, é muito importante essa conquista após tantas perdas e ataques contra a classe trabalhadora.
“Na prática eles vão recolocar no mercado milhares de famílias e isso significa uma melhor condição de vida destas pessoas que vão voltar a produzir alimentos que terão impacto direto na economia e no bolso da população brasileira”, afirmou Marcos Rochinski.
Para a secretária de Formação da CUT Nacional, Rosane Bertotti, o que ficará marcado será a capacidade de mobilização dos trabalhadores.
“Num momento de crise como estamos vivendo é uma grande vitória, afinal são os agricultores familiares que produzem mais de 70% dos alimentos das nossas mesas e da maioria dos produtos da cesta básica”, finalizou Rosane.