Escrito por: Andre Accarini
Trabalhadores demitidos em consequência da pandemia da Covid-19 têm os mesmos direitos de antes da crise, mas vão enfrentar dificuldades no cumprimento das rescisões, diz mestre em direito do trabalho
Uma das grandes preocupações dos trabalhadores e das trabalhadoras com a quarentena necessária para conter a disseminação do coronavírus (Covid-19), que já infectou quase meio milhão de pessoas em todo o mundo, é com as demissões que podem ocorrer com a piora da economia.
E as perguntas que todos fazem são: que direitos o trabalhador demitido durante a pandemia tem? O que o governo está fazendo para proteger esses trabalhadores durante a crise? É papel do governo garantir uma renda mínima para a sobrevivência das pessoas?
A ansiedade aumenta a cada ameaça de demissão em massa como a que foi feita pelo empresário Luciano Hang, das lojas Havan, aliado de Jair Bolsonaro. Em seu perfil em uma rede social ele já falou em demitir os 22 mil trabalhadores de sua rede de lojas. E ainda zombou: “pagar suas contas, pegar o dinheiro que sobrará e ir para a praia”.
O Portal CUT entrevistou o advogado e Mestre em Direito do Trabalho, Fernando Hirsh, da LBS advogados, para saber que direitos os trabalhadores têm, que soluções “sensatas” poderiam ser tomadas para manter o emprego e outras dúvidas da classe trabalhadora.
Os direitos dos trabalhadores demitidos sem justa causa durante a pandemia de coronavírus são iguais aos que eles tinham antes da crise: 13º salário proporcional aos meses trabalhados, férias proporcionais, multa de 40% do FGTS, aviso prévio de 30 dias, mais 3 dias por ano trabalhado e direito ao seguro-desemprego.
Quando o aviso prévio é indenizado, a empresa tem de pagar a verbas rescisórias em dez dias corridos a partir da data da demissão. Já se o trabalhador cumprir o aviso prévio, a empresa tem 30 dias corridos para o pagamento.
“Não há estabilidade. Infelizmente essa é a verdade. Exceto para os casos previstos na legislação como para quem volta de uma situação de acidente de trabalho, gestantes, servidores públicos e outros casos, a grande maioria não tem estabilidade de fato”, diz Fernando Hirsh.
Se o trabalhador for demitido por suspeita de ter contraído coronavírus pode recorrer à Justiça porque a empresa não pode discriminar o trabalhador por ele ter uma doença.
Já se o motivo da demissão for a crise econômica, a chance de o trabalhador entrar com um processo e vencer é mínima.
Nesse caso, a orientação é o trabalhador procurar o sindicato de sua categoria para saber se há algum item do acordo coletivo sobre demissão em época de crise econômica.
O fato, diz o advogado, é que o governo não criou nenhum mecanismo de proteção para os trabalhadores neste momento de recessão que tende a se acentuar com a pandemia. Ele ressalta, ainda, que existe o risco das empresas não pagarem sequer as vernas rescisórias por causa da crise ou alegando que a crise é o problema.
Sim. O trabalhador pode processar a empresa que demitir e não pagar, diz o advogado. Mas, ele alerta que se a paralisação da economia se acentuar de fato, empresas, em especial as micro e pequenas empresas , também enfrentarão dificuldades para pagar as verbas rescisórias.
“Poderemos ter um caos jurídico no Brasil, porque o número de ações trabalhistas vai abarrotar os tribunais. Por isso, medidas de proteção ao emprego são urgentes para preservar trabalhadores”, diz Fernando.
Ao contrário do que fez Bolsonaro, ao editar a Medida Provisória (MP) 927/2020, conhecida como MP da Morte porque aprofunda a reforma Trabalhista durante uma pandemia como a do coronavírus, o Estado tem que agir economicamente para garantir renda e, assim, sustentar a recuperação da economia, defende o advogado, lembrando que esta é uma proposta apresentada pela CUT e demais centrais no Congresso Nacional e até ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Tofolli .
Fernando Hirsh afirma que “não dá para esperar muito desse governo”, mas o correto seria adotar medidas como outros países já adotaram, de ‘bancar’ salários dos trabalhadores e exigir como contrapartida das empresas a manutenção dos empregos.
“Vivemos um momento muito liberal da economia brasileira, em que o governo só quer enxugar os gastos do Estado. Mas agora isso será necessário. Se o trabalhador perder emprego, não consome. Se ele não consome, as empresas não vendem. A economia, pelo mínimo que fosse, iria girar e ter um certo fôlego. Fora disso, será quase impossível retomar, ele afirma.
A economista do Cesit-Unicamp, Marilane Teixeira, reforça a tese de obrigação do Estado arcar com a responsabilidade nesta situação.
“É muito importante que neste momento o governo se desprenda da lógica de austeridade fiscal e amplie os gastos públicos. É a melhor medida para conter a crise”, afirma a economista. Ela alerta ainda que se não houver uma ação forte do Estado nesse sentido, a crise se prolongará além do esperado, penalizando ainda mais os trabalhadores.
O Estado tem que gastar, contrair déficit. Nesse cenário, não tem como contrair dívida para que os trabalhadores tenham emprego e um mínimo de renda- Marilane TeixeiraPara a pesquisadora da Unicamp, “além de garantir renda, inclusive para quem está desempregado e aqueles que trabalham por conta própria e estão sem poder ter a sua renda, para sobreviver são necessárias medidas básicas como suspensão de aluguéis e pagamentos de taxas como luz, água e gás. Depois se faz uma renegociação, mas agora, o fundamental é isso e garantir a vida das pessoas”.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) elaborou um documento com recomendações aos países para que adotem medidas para a manutenção de empregos.