Escrito por: Nicolau Soares / Brasil de Fato
Mais de 90% das menções negativas ao tucano vêm de servidores cobrando o fim do desconto de até 16% em seus benefícios
A campanha digital do governador Rodrigo Garcia (PSDB) à reeleição enfrenta um forte adversário: servidores públicos aposentados e pensionistas. Prejudicados pela criação de uma contribuição de até 16% sobre os benefícios que recebem, eles formam um grupo mobilizado em torno da tarefa de cobrar do governador o fim desse “confisco” iniciado por João Doria e que Garcia até agora não reviu.
Trata-se do Decreto 65.201, editado pelo então governador João Doria em junho de 2020, que impôs uma contribuição de até 16% sobre os valores recebidos por aposentados e pensionistas acima de um salário mínimo – hoje, R$ 1.212.
A medida só foi possível por conta da reforma da previdência estadual aprovada em março de 2020 sob protestos de servidores dentro e fora da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Ela foi o primeiro ataque de Doria aos servidores, aumentando a idade para aposentadoria e as alíquotas descontadas dos funcionários para valores entre 11% e 16%, de acordo com a faixa salarial.
A reforma também criou um que permite o desconto sobre aposentados e pensionistas caso o governo se declare em déficit atuarial. Esse foi o caminho usado pelo governador no decreto 65.201.
Até então, aposentados e pensionistas só contribuíam na parte de seus benefícios acima do teto Regime Geral de Previdência Social, hoje em R$ 7.087,22. Com o decreto, a contribuição passou a incidir sobre os valores acima do salário mínimo, R$ 1.212.
As alíquotas também são progressivas: 12% para quem recebe de um salário mínimo até R$ 3.000,00; 14% para quem ganha de R$ 3.000,01 até R$ 6.101,06; e 16% para valores acima de R$6.101,06 – incluindo os aposentados e pensionistas que possuem doenças incapacitantes.
“O funcionário público do estado de São Paulo odeia o Doria por causa disso”, avalia a cientista política Maria Teresa Miceli Kerbauy, professora da Unesp em Bauru e co-organizadora do livro Política em São Paulo. Uma análise da dinâmica político-partidária no estado.
As redes sociais confirmam essa impressão. De acordo com o analista de redes sociais Pedro Barciela, o tema é de longe o foco mais negativo para Garcia, que já conta com limitações em sua presença digital.
Análise realizada nesta quinta-feira (1) sobre postagens nas redes sociais mostram o tamanho do problema. O confisco da aposentadoria foi tema de 92% das menções negativas em relação a Garcia, que teve um dia bastante ruim em geral: 93% das menções ao candidato foram negativas, contra apenas 7% de comentários positivos.
Em comparação, Fernando Haddad teve 42% de menções negativas, 28% de positivas e 30% de neutras. Já Tarcísio de Freitas recebeu apenas 11% de comentários negativos e 82% de positivos.
“Não vejo nenhum tema com efeito negativo similar para Haddad nem para Tarcísio. Até porque é uma pauta que é muito cara aos aposentados e justamente pelo PSDB estar a tanto tempo quanto está no governo de São Paulo”, avalia Barciela.
Segundo ele, os aposentados chamam a atenção “pela mobilização desse campo, muito unido, aglutinado ao redor dessa pauta”, realizando um “ataque sistemático” contra o governador.
“Ele [Garcia] não conta com o apoio massivo de nenhum dos grandes agrupamentos das redes sociais. Ele tende a se afastar do Doria, que seria o cabo eleitoral dele. Com isso, de certa forma ele tenta se blindar do ataque à imagem de Doria, mas outro ponto é que ele não conta com o apoio massivo de nenhuma frente vinda de um cabo eleitoral de peso”, explica.
“Quando recebe esse ataque tão sistemático dos aposentados, ele acaba por ficar ainda mais limitado a um tema, sem ter uma resposta que não seja a oficial. Então, se não vem da [campanha] oficial, esse movimento de ataque contra a campanha de Rodrigo Garcia acaba por não ter nenhuma resposta.”
O tema foi trazido para a campanha eleitoral pelo petista Fernando Haddad. “Considero o que o [ex-governador] João Doria fez um confisco, aumentou impostos de todo mundo”, disse em sabatina realizada pelos jornais Valor e O Globo e pela rádio CBN, em 17 de agosto. “Reconheço que houve um confisco por decreto. No dia 2 de janeiro, vamos abrir a mesa, sentar com os servidores e restabelecer isso.”
O bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) também entrou na questão, na chave do aumento de impostos. “Enquanto o governo federal baixou impostos, o governo de São Paulo aumentou impostos, na contramão do que o presidente Bolsonaro fez”, comparou em postagem nas redes sociais. “A gente precisa rever isso, porque é um dinheiro que faz falta para o trabalhador, principalmente aquele aposentado, que passou anos trabalhando para conquistar sua aposentadoria e agora sofre com o confisco. Por isso que o Rodrigo é conhecido como ‘Rodrigo confiscado’.”
Nas redes, no entanto, aposentados e pensionistas parecem não ter ficado muito comovidos com as declarações, segundo Barciela. “Esses usuários que se engajam com esses temas, eles estão mais preocupados em exigir do Rodrigo Garcia enquanto governador, exigir uma responsabilidade, um compromisso dos candidatos, mas não estão demonstrando empenho em, a partir desse compromisso, se mobilizarem a favor de X, Y ou Z”, afirma.
“Eles pedem esse compromisso, mas esse compromisso dado como algo necessário, não como um diferencial entre os candidatos. Então é como se fosse um ‘você deu seu apoio, beleza, não fez mais que a obrigação’. E a cobrança a Rodrigo Garcia continua justamente por isso.”