Escrito por: Rosely Rocha
Governo federal implantou mudanças na metodologia de informação de dados das empresas sobre seus trabalhadores. Confusão pode deixar trabalhadores sem abono salarial
Uma mudança nas regras para os empresários passarem informações ao governo federal sobre o cadastro de empregados e desempregados, feita pela gestão do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) pode, pela primeira vez em 50 anos, impedir ou atrasar o pagamento do abono salarial aos trabalhadores e trabalhadoras com carteira assinada.
Isso pode acontecer se o governo não estender o prazo para empresas informarem os dados de demissões e admissões no eSocial.
Entenda a confusão
Até agora, as empresas eram obrigadas a informar os dados de entrada e saída dos trabalhadores ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e à Relação Anual de Informações Sociais (Rais). É por meio da Rais que pessoas jurídicas enviam informações sobre seus empreendimentos e os trabalhadores que nele atuam. Assim, a Secretaria do Trabalho registra essas informações e pode analisar a situação trabalhista no Brasil.
Com a mudança para o eSocial muitas empresas ainda não se adequaram, o que vem provocando informações contraditórias que podem refletir no pagamento do abono salarial. Isto porque para receber o abono, o trabalhador tem de estar cadastrado no Programa de Integração Social (PIS) há pelo menos 5 anos, ter trabalhado pelo menos durante 30 dias, consecutivos ou não, no ano-base para a apuração e ter seus dados informados pelo empregador corretamente na Rais, e agora, no eSocial.
“A mudança de metodologia para o eSocial, de unificação de dados está gerando muita confusão, o que pode ter provocado danos aos trabalhadores que ficaram sem receber o abono. Até mesmo os dados da Rais de 2019, que foram divulgados na semana passada, estão com problemas. Tudo neste governo é confuso”, diz a economista e pesquisadora do mercado do trabalho da Unicamp, Marilane Teixeira, que já foi procurada por alguns trabalhadores que não conseguiram receber o abono salarial e não sabiam o motivo, já que cumprem os requisitos do benefício.
Segundo Marilane, o processo de mudança de metodologia teve início no final do ano passado, quando o governo migrou o sistema para o eSocial. Só que tem empresas informando ao Caged e outras à Rais, e não informando ao eSocial.
“Quando a gente olha os dados do Caged deste ano percebe-se que há confusão. As empresas que não fizeram declaração tinham até setembro para resolver o problema dos trabalhadores, mas muitas não o fizeram e não temos como saber quantos serão prejudicados. Na hora que é o trabalhador vai solicitar o abono é que ele descobre que seus dados não foram atualizados”, diz Marilane.
Enquanto o governo não resolver este problema o trabalhador que tem direito ao abono pode não receber.
Incompetência de gestão prejudica benefício que tem cinco décadas
Há cinco décadas o abono salarial vem sendo pago aos trabalhadores e trabalhadoras do país como forma de atender a uma parcela que ganha até no máximo dois salários mínimos (R$ 2.090). Criado em 1970, numa época em que o salário mínimo equivaleria hoje a cerca de R$ 700,00, o abono ainda é um importante auxílio para quem, apesar de ter carteira de trabalho assinada, encontra dificuldades em sua subsistência. Por isso que ele é tão importante para os trabalhadores de baixa renda.
Somente no ano passado foram pagos mais de R$ 18 bilhões a 22 milhões, 162 mil e 440 trabalhadores.
Site econômico alerta para dados imprecisos do Caged
O site econômico 6 Minutos também apontou inconsistências nos dados do Caged. Segundo o governo, nos primeiros nove meses deste ano, 151,4 mil empregos formais foram gerados na faixa etária até 17 anos.
O número, segundo o site, surpreende, porque em dezembro de 2019, pela Rais, havia no total, 277,7 mil trabalhadores menores de idade com vínculo trabalhista no país. Isto representa um aumento de 50% de contratação de menores de idade neste ano. Já uma faixa etária próxima, entre 18 e 24 anos, o crescimento positivo foi de apenas 4,8%.
Outro dado que chama a atenção é que a profissão de “alimentador de linha de produção”, uma área pouco recomendada a menores de idade, foi a que mais cresceu. As vagas geradas entre janeiro e setembro teriam sido 14,1 mil, um salto de 370% se levarmos em consideração que a Rais de 2019 apontou que havia apenas 3,7 mil contratos ativos em regime CLT.
Para Marilane Teixeira, as confusões do governo e a inconsistência de dados vão além do prejuízo financeiro direto e atingem todo o mercado de trabalho.
“Para nós, pesquisadores fica difícil ter uma dimensão do trabalho formal, onde cresce, quais os segmentos, as formas de contratação e salários, impactando nas análises que poderiam nortear até mesmo o ministério da Economia e a Secretaria do Trabalho”, critica a economista da Unicamp.
* Edição: Marize Muniz