Congonhas reage a alto risco de rompimento da barragem Casa de Pedra
Moradores cobram da CSN, privatizada em 1993, paralisação de atividades de uma das maiores barragens em área urbana do mundo. Se romper, lama cobre bairro mais próximo em oito segundos
Publicado: 01 Fevereiro, 2019 - 09h29
Escrito por: Cláudia Motta, da RBA
Os moradores de Congonhas do Campo, uma das cidades mineiras consideradas patrimônio histórico e cultural da humanidade, convivem com o medo há anos. Mas desde o crime da Vale, em Brumadinho, o medo se transformou em pavor. Três bairros, onde vivem mais de 5 mil pessoas, estão abaixo do nível da barragem de rejeitos de minérios Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma das maiores do mundo em área urbana, com 50 milhões de metros cúbicos.
A barragem existe desde a década de 1970, mas com a privatização realizada pelo governo de Fernando Collor, em 1993, foi sendo expandida até chegar, na década de 2010, a esse gigantismo. Para efeito de comparação, a barragem do complexo Mina Córrego do Feijão, rompida em 25 de janeiro, em Brumadinho, tinha capacidade de aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos. A de Fundão, em Mariana, despejou para o meio ambiente em 2015 mais de 60 milhões de metros cúbicos.
“Em todos os lugares onde há uma barragem, todas as pessoas que estão embaixo de uma barragem de rejeito hoje, ninguém dorme tranquilo”, afirma a integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Fernanda de Oliveira Portes.
Classificada como Classe 6 pela Agência Nacional de Águas (ANA), a mais alta em categoria de risco, a Casa de Pedra está acima da cidade de Congonhas. Avaliações técnicas dão conta de que, em caso de rompimento, a lama tóxica cobriria o Bairro Residencial, que está a 200 metros da barragem, em apenas oito segundos. Os rejeitos também se deslocariam por toda a cidade, com 54 mil habitantes, e atingiria comunidades próximas.
“Brumadinho foram 30 segundos, Mariana quatro minutos. Ou seja, não há plano de emergência que consiga dar segurança para as famílias de que se aquilo romper, não vão morrer, não vai acontecer um desastre ainda maior de perda humana, além dos impactos sociais e ambientais”, alerta Fernanda, afirmando que a retirada das famílias seria o ideal, com pagamento de aluguel e indenização para todos.
Essa e outras exigências dos moradores foram entregues nesta quarta-feira (30) à direção da CSN. A pauta de reivindicações foi definida em assembleia realizada com o MAB no dia 29 e o prazo para retorno da empresa é de três dias.
“Queremos que tenha fiscalização dos órgãos ambientais que cobre o processo de licenciamento para operar; paralisação das atividades onde estão essas barragens de risco e fazer o secamento da barragem. E o monitoramento, até que acabem todos os riscos para as famílias”, explica Fernanda.
De acordo com o MAB, no sétimo dia desde o rompimento da barragem foram confirmados 110 mortos, dos quais 71 foram identificados. Ainda há 238 pessoas sem contato ou desaparecidas entre trabalhadores e moradores de Brumadinho. São 108 os desabrigados. A área atingida pela lama, que já percorreu 98 quilômetros, equivale a 300 campos de futebol.
Brumadinho
A coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens em Minas Gerais lembra que a barragem da Vale no Córrego do Feijão, em Brumadinho, não estava ativa. Mas em dezembro de 2018 a empresa obteve uma nova licença para recuperar o minério de ferro que estava nos rejeitos.
“Não era minerar, mas recuperar e isso de uma certa forma mexe com aquele rejeito”, explica. “Eles alegam que isso seria feito somente a partir de fevereiro, porém a comunidade afirma que já havia caminhões passando lá. Muitos avaliam que já estariam começando a mexer e isso pode ter contribuído para o rompimento da barragem.”
A lama tóxica da Vale já chegou ao rio Paraopebas, responsável pelo abastecimento de toda da região metropolitana de Belo Horizonte. O risco iminente da Casa de Pedra acende mais um sinal de alerta, diz Fernanda. “Temos duas bacias com risco de contaminação: Paraopebas já foi atingido e isso pode chegar ao São Francisco, comprometendo o abastecimento de água em oito estados. A Vale ainda não tratou disso. É um crime ambiental, um massacre, um genocídio humano.”
Na manhã desta quinta-feira (31), integrantes do MAB reuniram-se com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em Brasília, para reivindicar direitos dos atingidos. O objetivo do movimento é que a impunidade no crime da Samarco, em Mariana, não se repita no caso de Brumadinho.