Escrito por: Eduardo Maretti, da RBA
“Estamos vendo os primeiros lances da relação mais próxima entre os recém-eleitos presidentes de Câmara e do Senado”, diz cientista política Maria do Socorro Sousa Braga
O país já ultrapassou o número assustador de 250 mil mortos pela covid-19 e o Estado brasileiro deixa a pandemia “correr solta”, nas palavras do infectologista Gonzalo Vecina. Mas o tema não parece impressionar o Congresso Nacional, assim como o presidente da República. O Senado dedica suas energias à Proposta de Emenda Constitucional Emergencial (PEC 186/2019), que propõe mais cortes de investimentos públicos à saúde e à educação, desvinculando verbas hoje direcionadas às duas áreas, como condição para recriar o auxílio emergencial – reduzido e por menos tempo. Os senadores entraram em acordo, adiaram o início da discussão da PEC e transferiram a leitura do relatório do senador Marcio Bittar para a próxima terça-feira (2).
Por sua vez, a Câmara dos Deputados tem uma “prioridade inadiável”. Faz tramitar, em rito sumaríssimo talvez nunca visto, outra PEC, com a qual os congressistas tentam salvar a própria pele. Já apelidada de “PEC da impunidade”, ela surgiu inspirada pelo medo dos deputados pela decretação da prisão do colega Daniel Silveira (PSL-RJ) pelo Supremo Tribunal Federal, referendada pelos próprios parlamentares para não serem julgados pela opinião pública.
O texto – que pode ser votado ainda na noite desta quinta-feira (25) – proíbe a prisão cautelar de parlamentar por decisão monocrática, como determinada pelo ministro Alexandre de Moraes contra Daniel Silveira, e prevê que, caso seja preso, fique sob custódia do próprio Parlamento.
De uma tacada só, a proposta “sobre as prerrogativas parlamentares” altera os artigos 14, 27, 53, 102 e 105 da Constituição Federal. O autor é o deputado Celso Sabino (PSDB-PA). “Eu gostaria muito de, ao voltar do recesso, encontrar um Congresso mobilizado pelas pautas candentes da sociedade brasileira, vinculadas à pandemia, à defesa da vida das pessoas, e que o debate central fosse a defesa da saúde, do orçamento do SUS, do auxílio emergencial, não vinculado ao pacote fiscal, muito menos à PEC Emergencial que está no Senado”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), na Tribuna da Câmara.
“Ontem apresentaram PEC3/21, hj ela está no Plenário! Ñ se modifica a Constituição assim!”, escreveu a deputada Maria do Rosário (PT-RS) no Twitter (grafia original mantida). “Atropelo para criar IMPUNIDADE. Estão transformando imunidade em impunidade. Se aprovada, O tal Daniel não poderia ser preso e cassado. É um absurdo! Não com meu voto”, protesta. Se a Constituição é soberana e prevê o instituto da imunidade, diz ela, protegendo a democracia, “isso jamais poderá ser um subterfúgio para ações criminosas contra qualquer pessoa ou instituição”.
Sobre a chantagem do governo ao vincular o auxílio emergencial à retirada de mais recursos de saúde e educação em plena tragédia social, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) comenta na mesma rede social. “Condicionar o pagamento do auxílio emergencial ao fim dos investimentos mínimos em Saúde e Educação é chantagear quem está passando fome. Bolsonaro quer tirar de quem tem pouco p/ dar a quem tem menos ainda. Não permitiremos essa covardia”, promete.
Por sua vez, o governo, aliado ao Centrão no Congresso, parece apostar que chegou a hora de aprovar as reformas ultraliberais. Ou seja, fazer as privatizações sonhadas pelo mercado, como da Eletrobrás e Correios. As propostas de desestatização já foram enviadas ao Congresso.
A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), observa que a investida de governo, Câmara e Senado é o óbvio resultado das recentes eleições no Congresso. “Estamos vendo os primeiros lances da relação mais próxima entre Bolsonaro e os recém-eleitos presidentes de Câmara (Arthur Lira/PP-AL) e do Senado (Rodrigo Pacheco/DEM-MG)” , diz.
Internamente, no Congresso, essa aproximação já provoca lances visíveis. Desativado desde o início da pandemia, o Conselho de Ética da Câmara voltou a funcionar imediatamente após a votação do caso Daniel Silveira. E já nesta quarta-feira (24), em decisão que passou quase despercebida, o colegiado arquivou representação contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), protocolada pelo próprio PSL, que o acusou de ofender a correligionária Joice Hasselmann (SP).
Porém, apesar das boas relações entre Bolsonaro e o Congresso, a professora da Ufscar não vê como favas contadas que as privatizações sejam aprovadas no Congresso, devido à magnitude e impopularidade de propostas que mexem na estrutura do Estado e, portanto, podem repercutir negativamente nas bases eleitorais dos parlamentares. Se Bolsonaro foi bem sucedido no acordo com o Centrão e hoje tem base “para passar qualquer coisa”, por outro lado ele precisa do voto da população nas eleições do ano que vem.
“A dúvida é saber se isso vai passar. Pode ser que essas privatizações sejam mais para Bolsonaro tentar se manter bem com o mercado. Se não passarem, ele põe a culpa no Congresso. Ele tem controle das casas no parlamento, mas essas prioridades de privatizações, penso que é mais para a Faria Lima não ficar tão descontente”, diz Maria do Socorro, em referência à avenida considerada o mais importante centro financeiro do país. Ela lembra a recente intervenção do Bolsonaro na Petrobras. “Isso não é algo que agrade o mercado. Bolsonaro joga de novo com a ambiguidade.”
Na terça, a Câmara aprovou a medida provisória 1026/2021, que facilita a compra de vacinas e insumos. O texto foi enviado ao Senado. Já ontem, o Senado aprovou o projeto de lei (PL 534/2021), que também facilita a compra de vacinas contra o coronavírus pela União, estados e municípios e permite a compra direta de doses por empresas privadas. O texto foi enviado à Câmara.