CONTAG: breve memória dos 100 anos da Greve Geral no Brasil
A entidade relata a participação do movimento sindical rural e os desdobramentos da Greve.
Publicado: 10 Julho, 2017 - 08h50 | Última modificação: 10 Julho, 2017 - 18h03
Escrito por: Givanilson Porfírio da Silva, mestre em Sociologia e atual assessor da CONTAG
No último 9 de julho, dia que lembramos dos 100 anos da GREVE GERAL no Brasil, a CONTAG compartilhou em seu portal uma breve memória das Lutas e Organização Sindical Rural no período de 1917 a 1919.
Lutas e Organização Sindical Rural
A greve de 1917 marcou de forma profunda a vida sindical e social do Brasil, pois havia assumido contornos inéditos ao ser abraçada pela primeira vez por diversos ramos de atividade, categorias que paralisaram cidades, regiões e se estenderam por diversos estados no país em reivindicando por reformas sociais e econômicas para classe trabalhadora.
Sua novidade está na abrangência das categorias paralisadas, na pauta apresentada e na sua duração (seus efeitos seguiram até 1919) e também porque contou com o apoio da população.
O período de 09 a 16 de julho de 1917 foi decisivo. As mortes do pedreiro Nicola Salerno, da menina Edoarda Bindo e principalmente a do jovem sapateiro anarquista espanhol José Gimenez Martinez pela polícia de cavalaria durante o protesto dos trabalhadores e trabalhadoras da fábrica Mariângela em São Paulo gerou uma onda de protestos e fez aumentar a solidariedade de classe ao se transformar num grande comício na Praça da Sé. Logo, mais de 400 empregados(as) da indústria têxtil Crespi – a maioria mulheres e crianças, filiadas à Liga Operária da Mooca, fundada em maio de 1917– paralisaram os trabalhos e esse ato foi o mais inspirador para as outras categorias. Vale destacar que uma das reivindicações foi contra o assédio sexual sofrido a partir dos contramestres (supervisores). Esses dois fatos deram o passo inicial para mais 70 mil pessoas irem às ruas em São Paulo para protestar contra a situação política, social e econômica brasileira. Greves marcadas essencialmente pelas ideias anarquistas e socialistas.
Parou o comércio, o transporte, os funcionários públicos aderiram. Nas ruas havia barricadas, bondes e veículos incendiados, armazéns saqueados. A situação tomou as proporções em razão da conjuntura, pois a primeira Guerra Mundial na Europa fez os produtos brasileiros se valorizarem e aumentou significativamente a demanda. Houve aumento do carga horária de trabalho sem reposição salarial (passando de 13 horas para 16 horas a jornada de trabalho), alta dos preços gerais no país e uma consequente onda de desemprego. A Revolução Russa foi também outro fator importante porque forneceu o instrumental político, ideário e social.
Outro fator pouco mencionado é a participação dos trabalhadores rurais assalariados principalmente das fazendas de café, algodão, cacau e dos engenhos de açúcar. A greve de julho de 1917 foi geral também pela participação destes trabalhadores cujo trabalho explorado já vinha registrando graves problemas de descumprimento das “leis”. Exemplo disso foi a obrigação do Governo Federal publicar o decreto nº 1.150 de 05 de janeiro de 1904 que “confere privilégio para o pagamento de dívida proveniente de salários de trabalhador rural” garantindo, inclusive, ao trabalhador de usar as prerrogativas de ação sumária, embargo ou arresto assecuratório para garantir o pagamento do salário (art. 3º); obviamente somente nos casos posteriores à edição da referida lei e depois de apurado o saldo em caderneta própria do trabalhador entre as despesas contraídas e o valor devido pelo patrão.
Em março de 1917 o movimento contra a “carestia da vida” já estava nas ruas protestando contra a alta dos preços dos alimentos, outros produtos e dos serviços públicos como transporte.
Seguiram novas paralisações no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina. É importante destacar que esses estados, a exceção de Minas Gerais e Santa Catarina já estavam organizados em entidades sindicais cujo resultado foi a fundação da Confederação Operária Brasileira em 1906.
A maioria desses trabalhadores e trabalhadoras tanto no rural como no urbano eram de imigrantes. Registra-se que em 1900 havia pelo menos 1.256.806 estrangeiros residindo no Brasil (7,27% da população total).
O campo brasileiro guardava grande relação com a indústria, pois produzia boa parte da matéria prima para a manufatura e o capital acumulado pelo capitalista rural subsidiava e era investido na indústria urbana que constava de indústrias têxteis, fundições, indústrias de sabões, bebidas, produtos químicos, alimentícios e outras.
A organização sindical rural já havia inclusive previsão em legal, a lei nº. 979 de 06 de janeiro de 1903, cujo artigo primeiro assevera: “É facultado aos profissionais da agricultura e indústrias rurais de qualquer gênero organizarem entre si sindicatos para o estudo, custeio e defesa dos seus interesses”. Aqui profissionais da agricultura sendo “o proprietário, o cultivador, o arrendatário, o parceiro, o criador de gado, o jornaleiro, e quaisquer pessoas empregadas em serviço dos prédios rural, bem como a pessoa jurídica cuja existência tenha por fim a exploração da agricultura ou outra indústria rural” conforme art. 4º, inciso iv do decreto nº. 6.532, de 29 de junho de 1907.
As principais obrigações prerrogativas eram: criação de fundos de apoio e aposentadoria ou mesmo instituições de mutualidade e cooperação quaisquer; exercer a função de intermediário do crédito a favor dos sócios, adquirir para estes tudo que for mister aos fins profissionais, bem como vender por conta deles os produtos de sua exploração em espécie, bonificados, ou de qualquer modo transformados; organização de caixas rurais de crédito agrícola e de cooperativa de produção ou de consumo, de sociedade de seguros, assistência; formação de uniões, ou sindicatos centrais com personalidade jurídica separada podendo abranger sindicatos de diversas circunscrições territoriais.
As reivindicações eram apresentadas ao patronato e ao governo a partir da formação de Comitês de Defesa Proletária, uma representação das categorias. As principais diziam respeito a: liberdade a todas as pessoas detidas por motivo de greve; nenhum operário seja dispensado por haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista; garantia de trabalho permanente; respeitado ao direito de associação para os trabalhadores; abolida de fato a exploração do trabalho de menores de 14 anos nas fábricas, oficinas e fazendas; abolição do trabalho noturno para menores de 18 anos e para as mulheres; aumento de 35% para os salários médios e 25% para salários superiores; jornada de 08 horas semanais sendo de 06 horas para mulheres e crianças; aumento de 50% nas horas extras; redução dos preços dos gêneros de primeira necessidade em geral; criação de mercados livres nos bairros operários e matadouro municipal para fornecer carne à população a preço razoável; obrigatoriedade da venda do pão a peso e fixação semanal do preço do quilo; controle das tarifas de transporte por meio de subsídios da municipalidade; controle dos preços dos aluguéis e dos produtos vendidos nos barracões das fazendas rurais e nos armazéns urbanos, inclusive o direito de não ser obrigado a comprar nesses estabelecimentos.
Resultado das greves e mobilizações de que sacudiram o país entre 1917 e 1919, o debate a propósito das questões social e do trabalho e as medidas necessárias para enfrentá-las alcançou notável espaço no cenário político nacional. Segundo afirma Raimundo Faoro, autor de Os Donos do Poder, “atingem grau de efervescência quase revolucionária”.
Sua importância está em outros aspectos, na consolidação da formação da classe trabalhadora composta de escravos libertos, do agricultor familiar camponês, dos imigrantes e dos migrantes principalmente das secas do Nordeste. Esse panorama se consolida a partir de duros conflitos sociais e econômicos.
A exploração e o descaso com os contratos de colonato e contratos urbanos, as burlas às leis contra a escravidão e a relação direta das elites com o legislativo, executivo e o judiciário, favoreceram ao trabalhador urbano e rural a paulatina construção de uma consciência de classe a partir do chão da fábrica e da lida no campo como agricultor familiar ou assalariado.
É nesse contexto histórico que afirma-se a necessidade de um embate contra hegemônico para aperfeiçoar e construir novas leis sindicais propostas pela classe trabalhadora por direitos e cidadania.
São momentos assim como a GREVE GERAL de 1917, que nos convocam à luta, às ruas, aos anseios do povo trabalhador. Que se afirma a necessidade urgente de um Sindicalismo militante e combativo!
“Mas, quem é o Sindicato?
Ele fica sentado em sua sede com o telefone?
Seus pensamentos são secretos, suas decisões desconhecidas?
Quem é ele?
Você, eu, vocês, nós todos.
Ele veste sua roupa, companheiro, e pensa com a sua cabeça onde você mora é a casa dele.
Luta!
Mostre-nos o caminho que devemos seguir e, nós seguiremos com você.
Mas não siga sem nós o caminho correto.
Ele é, sem nós, mais errado.
Não se afaste de nós.
Podemos errar e você ter razão, portanto não se afaste de nós!
Que o caminho curto é melhor que o longo, ninguém nega.
Mas quando alguém o conhece e não é capaz de mostrá-lo a nós, de que serve sua sabedoria?
Seja sábio conosco!
Não se afaste de nós!”
Bertolt Brecht
“Lutar para nós é um destino, uma ponte entre a desesperança e a certeza de um mundo novo”.
Agostinho Neto