Escrito por: Carolina Servio
Para especialistas e direção da CUT, sociedade sabe dos impactos negativos na prestação de serviços essenciais e pode se mobilizar
Assim que tomou posse, o presidente Lula (PT) anunciou que as privatizações não seriam mais alvo do governo federal. O aviso também aparece diversas vezes em mensagens presidenciais enviadas ao Congresso Nacional.
Isso vai no caminho oposto ao tomado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que vendeu estatais como Eletrobras, Liquigás, BR Distribuidora, Refinaria Landulpho Alves (atual Mataripe) e Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa).
O governo Bolsonaro ainda estudou privatizar Correios, Petrobras, Casa da Moeda, Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre outras empresas públicas, mas os planos não foram para a frente. De acordo com Lula, elas continuarão sendo dirigidas pelo governo.
Mas o projeto defendido pelo governo Bolsonaro deixou seus herdeiros nos estados. Eleito em outubro de 2022 com um programa de governo focado em privatizações de empresas e serviços públicos de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) deu início nos últimos meses a estudos para repassar à iniciativa privada o controle de três principais estatais paulistas.
A primeira delas é a Sabesp, a bilionária companhia de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto do estado, considerada a “joia da coroa” do plano. Em seguida, aparecem o Metrô, estatal que opera quatro linhas metroviárias na capital, e a CPTM, que administra uma rede com cinco linhas de trem.
Essa primeira leva de empresas que Tarcísio deseja entregar para o controle de empresários, é o que motivou a paralisação dos trabalhadores no dia 3 de outubro, e que contou com grande aderência da sociedade.
A economista Marilane Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho, do Instituto de Economia da Unicamp, afirma que está claro pelas pesquisas que a população reconhece tanto o metrô quanto a Sabesp como empresas que prestam excelente serviço cobrando um preço justo, e que caso sejam privatizadas, que a qualidade e o acesso a esses serviços essenciais irá cair.
“A ideia de privatizar é transformar algo em uma mercadoria qualquer. Ou seja, se eu tenho dinheiro, eu compro e tenho acesso, se não tenho, fico sem. Serviços essenciais para a população, como água e transporte público, são subsidiados pelos governos. Essa é a função do Estado para que todo mundo tenha acesso. As pessoas já se deram conta disso, e é preciso aproveitar esse momento de consciência da sociedade para enterrar esse tipo de projeto”, afirma a pesquisadora.
Isso que Marilane aponta como um caminho colocado pelas pesquisas, já é sentido nas ruas e nos movimentos sindicais. Segundo a vice-presidenta da CUT, Javandia Moreira, há um entendimento da sociedade em geral que as empresas, caso privatizadas, vão encarecer a cobrança dos seus serviços. “São empresas lucrativas, que prestam serviços essenciais, e que para o bem estar da população precisam ser geridas pelo Estado. A tese de que empresas estatais são mal geridas é uma falácia e isso está cada vez mais evidente.”
Eletrobras
Fabiola Latino Antezana, especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trabalhadora do Sistema Eletrobras, diretora do Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal (STIU-DF), e integrante da Plataforma Operária e Camponesa de Água e Energia, viu a Eletrobras ser privatizada em 2022, depois de anos de resistência dos trabalhadores contra a medida, e afirma que, não fosse a pandemia - e o consequente isolamento causado, poderiam ter sido feitas mobilizações de rua e um debate social mais intenso a partir de audiências públicas, por exemplo, e a empresa certamente não teria sido privatizada.
“O governo [Bolsonaro] se aproveitou da ausência de debates para aprovar as votações no Congresso, que mesmo assim foram apertadas”, comenta Fabiola, lembrando que a ideia de privatizar a companhia começou após o golpe da então presidenta Dilma Rousseff, em 2016, quando assumiu Michel Temer, (MDB-SP), mas naquele momento a sociedade foi capaz de se mobilizar, e a privatização só ocorreu com a posse de Bolsonaro.
Ruim para a população, ruim para o trabalhador
O impacto negativo das privatizações no trabalho e na vida do trabalhador são latentes. O primeiro deles está na redução do número de funcionários, segundo Marilane. “A ideia da empresa é maximizar os lucros para recuperar o investimento no menor tempo possível. A qualidade do serviço prestado, que está diretamente ligada a qualidade do trabalho desempenhado pelos funcionários, fica em segundo, terceiro, último plano”, afirma a economista.
No recente caso da Eletrobras, Fabiola afirma que esse impacto foi sentido mesmo antes da empresa ser privatizada. Isso porque entrou em marcha “uma gestão de sucateamento deliberado da empresa para justificar a venda, o que significou em demissões, diminuição da manutenção em linhas de transmissão e subestações.”
“O número de acidentes de trabalho teve uma curva ascendente a partir de 2017. A quantidade de treinamentos para que a gente tivesse condições de realizar o trabalho diminuiu muito, e isso tem reflexo direto no serviço prestado”, garante a trabalhadora do sistema elétrico.