Escrito por: Leonardo Severo
CUT e CNTV defendem medidas em prol da indústria nacional, mas propõem contrapartidas como emprego de qualidade e salário digno
Jacy Afonso (microfone) representou a CUT no debate, que contou com a presença da presidenta da CNTV, Cida Trajano (à direita)
Durante o evento, representantes dos trabalhadores e dos empresários alertaram que esta conjugação de fatores está afetando a competitividade das empresas, aumentando o risco de desindustrialização do setor, o que torna inadiável a necessidade de o governo adotar urgentemente medidas de proteção da indústria e dos postos de trabalho.
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de calçados (atrás de Índia e China) e o quinto maior exportador do produto, empregando cerca de 900 mil trabalhadores, 400 mil diretos e mais 500 mil da cadeia produtiva, através das fábricas que fornecem produtos. Conforme o IBGE, o maior polo calçadista do mundo está no Vale dos Sinos, uma região formada por 14 municípios ao norte de Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, o setor emprega atualmente mais de 143 mil trabalhadores. No país, a maior empresa calçadista é a Vulcabrás-Azaléia, com mais de 35 mil operários no Brasil e exterior.
A presidenta da CNTV, Cida Trajano, lembra que em Parobé, no Rio Grande do Sul, a Azaleia fechou a fábrica – a primeira do grupo, fundada em 1958 -, e demitiu os seus 840 trabalhadores. Além dos empregos, explicou, o município perdeu a fonte de 60% dos seus impostos e o Estado ficou empenhado depois de ter concedido cerca de R$ 50 milhões em benefícios fiscais para a empresa.
Cida recorda que para defender o produto nacional, os salários e os empregos, foi feito em 2009 um acordo com empresários e governo para a taxação dos sapatos chineses. O problema, alertou, é que aprovada a taxa antidumping - resultado de uma investigação de defesa comercial feita pelo Ministério do Desenvolvimento – os sapatos chineses passaram a entrar com selos de outros países, burlando a fiscalização. Assim, embora a medida tenha reduzido as importações do pares de calçados da China em 22% em um ano, catapultou a entrada de outros países asiáticos. Em 2010, o Brasil passou a importar mais da Malásia, 1.356% de crescimento; Indonésia, 93%; Vietnã, 81%, e até de regiões onde praticamente inexistem fábricas do produto, como Taiwan (428%) e Hong Kong (132%) e Taiwan (428%). Há fortes indícios de que por meio desta triangulação o sapato chinês acabe se livrando da taxa de US$ 13,85 por par.
CONTRA O IMPORTACIONISMO
“Precisamos de uma ação mais firme para barrar o importacionismo, que devasta a indústria brasileira e, consequentemente, os empregos, mas também necessitamos garantir postos de trabalho de qualidade e uma negociação nacional para a valorização dos pisos salariais. É inaceitável que as empresas estimulem a guerra fiscal para correr atrás dos locais onde os salários são mais baixos, se aproveitando das desigualdades regionais e de eventuais debilidades da organização dos trabalhadores para arrochar e precarizar direitos”, declarou a presidenta da CNTV.
O secretário de Organização da CUT Nacional, Jacy Afonso, alertou sobre a necessidade de mudanças na política econômica, particularmente na questão dos juros e do câmbio que trazem o risco de desindustrialização. Mas o dirigente cutista alertou que “muitas vezes o governo atende nossas reivindicações, mas as empresas não apresentam contrapartidas sociais”. Entre os exemplos de descompromisso, Jacy citou a postura do empresariado contra a proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, medida que além de garantir a abertura de novas vagas de trabalho contribuiria para colocar a roda da economia para girar.
Outro equívoco apontado por Jacy Afonso é o estímulo dado pelo governo à exportação do couro na forma bruta, que vai para a China e a Alemanha, retornando ao Brasil como calçado, competindo de forma desigual com a indústria calçadista local.
O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), que solicitou a audiência, citou o exemplo da Fábrica de Calçados Azaléia, no município de Itapetinga, a 562 Km de Salvador (BA), que recentemente também anunciou demissões, férias coletivas e ameaça fechar algumas unidades de produção.
EMPRESÁRIOS CONDENAM “DUMPING”
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Milton Cardoso, condenou o ‘dumping’ praticado principalmente pela China – que inunda o mercado doméstico com produtos vendidos a preços ínfimos - e a importação fraudulenta são problemas a serem enfrentados com urgência. “É difícil competir com eles”, declarou Cardoso, citando o câmbio e os subsídios governamentais. Sem providências, disse, a indústria brasileira vai desaparecer.
O líder empresarial lembrou que fez uma denúncia em 2008 para que o Ministério da Fazenda investigasse a importação fraudulenta, destacando que o Brasil importou sete milhões de pares de sapatos da China naquele ano e o país asiático diz que exportou para o Brasil 25 milhões. “O que foi feito desses 18 milhões?”, questionou o empresário, lembrando que embora a fraude tenha sido denunciada, a investigação ainda não começou.
O representante da Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração da Bahia, Paulo Guimarães, também criticou a manutenção da política de exportação de commodities e importação de produto manufaturado, que compromete o desenvolvimento e o emprego no país. Guimarães propôs que o governo aproveitasse o período de alta nos preços das commodities para fortalecer a industrialização do país, ainda mais num momento de alta demanda para a produção brasileira no mercado interno.
Presente à audiência, o representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Simon Salama, limitou-se a dizer que as soluções solicitadas por trabalhadores e empresários são da competência do Ministério da Fazenda e do de Relações Exteriores.
PROTESTOS NO SUL
Na semana passada, trabalhadores, sindicalistas e parlamentares gaúchos realizaram um ato público em Parobé, de repúdio ao fechamento da fábrica da Azaléia e em solidariedade aos demitidos.
O governo gaúcho cobrou responsabilidade social da direção da Azaléia. “Não fomos comunicados sobre a decisão da empresa, que recebeu benefícios fiscais homéricos do Estado. Portanto, recebeu dinheiro do povo gaúcho. Pelo menos deveria ter dado um aviso prévio e ter feito uma saída negociada do Estado, para não causar uma comoção como essa que está causando”. “Aliás, o único comunicado foi o aviso prévio dado aos empregados demitidos”, condenou o governador Tarso Genro.
Em nota, a direção daAzaléia responsabilizou o câmbio valorizado e as importações predatórias pela decisão de fechar sua fábrica, mas não disse uma vírgula sobre os fartos recursos públicos recebidos nem sobre responsabilidade social.