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Cooperativas podem produzir de máscaras a respiradores, só falta vontade política

Costureiras revertem produção e fazem máscaras, mas podem fazer aventais de proteção também. Outras cooperativas podem produzir ou consertar respiradores. Só falta Congresso aprovar PL de reconversão industrial

Publicado: 16 Abril, 2020 - 08h31 | Última modificação: 16 Abril, 2020 - 09h21

Escrito por: Érica Aragão

Arte: Edson Rimonatto (Rima)
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A pandemia do novo coronavírus escancarou um enorme problema de gestão do governo de Jair Bolsonaro na área da saúde. Além de não ter nenhum plano para conter a disseminação rápida de uma doença como a Covid-19, o Brasil não tem sequer um estoque de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como máscaras e capas de proteção para trabalhadores da área da saúde, nem a quantidade ideal de respiradores pulmonares para atender os casos mais graves.

A dificuldade de importação dos produtos, disputados por governos de todo o mundo, gerou um debate importante, o da reconversão industrial para produção de produtos essenciais, como respiradores pulmonares e outros equipamentos e produtos para a área da saúde.

Gerou também uma ação imediata de pequenas cooperativas de costureiras do país que passaram a costurar máscaras depois que perderam a maior parte do faturamento mensal desde que se iniciaram as medidas de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para reduzir a proliferação do coronavírus.

As costureiras analisaram o cenário e viram uma oportunidade de negócio quando perceberam que faltavam máscaras no mercado e os preços do produto dispararam, chegando a aumentar em até 3.000% em algumas cidades. Gostariam e podem produzir mais, mas não têm incentivos do governo.

A reconversão industrial, que ainda está em debate e é uma luta encampada pela CUT e pela UNISOL Brasil, Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, segundo o presidente da entidade, Leonardo Penafiel Pinho, o Léo, pode ser a solução tanto para as costureiras como para parte da indústria brasileira.

De acordo com ele, a Central está lutando, junto com outros setores, para que o Projeto de Lei (PL) nº 1551, que estabelece medidas de emergência nacional para garantir a fabricação de produtos essenciais em período de calamidade pública, seja aprovado. Ele conta que o projeto não foi especificado para a economia solidária porque sozinha não iria dar conta e é preciso ser mais amplo.

“É preciso uma política nacional de reconversão produtivo industrial que incentive formação para os processos de mudanças em indústrias e fábricas em geral, porque só economia solidária não dá conta da produção de respiradores e outros equipamentos. E a gente entra com os nossos empreendimentos nesta política geral”, explica o presidente da UNISOL Brasil.

O PL, de autoria do deputado Helder Salomão (PT/ES), está aguardando  despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pode ser votado como pauta emergencial a qualquer momento.

“A gente precisa que este PL seja aprovado porque a gente sabe que se continuar do jeito que está muitas portas serão fechadas e muitos perderão suas produções nos empreendimentos solidários”, afirma Djenane Martins, conhecida como Nani, uma das dez cooperadas do empreendimento Charlote Arte em Costura, em São Bernardo do Campo, que trocou a produção de brindes corporativos por máscara de proteção caseira.

“Com apoio e investimentos poderíamos até ampliar a produção de máscaras e costurar também equipamentos de proteção como aventais, por exemplo, porque também há muita procura”, diz Nani, que complementa: A Charlote Arte e Costura está sendo procurada para produção de mais máscaras, mas as vezes deixa de produzir por falta de materiais e investimento.

“Cada uma na sua casa, estamos fazendo uma média 250 máscaras por dia. E ainda temos muitas encomendas e vários orçamentos lançados só com a divulgação boca a boca. É uma produção encaixada na outra e só não estamos produzindo mais porque não estamos encontrando o material neste momento. Mas é uma forma da gente conseguir gerar alguma renda pro pessoal aqui”, explica Nani.

Essa solução de emergência, no entanto, não resolve o problema da economia solidária que perdeu investimentos desde o golpe de 2016, que tirou os governos do PT do poder, na opinião da costureira. “Se tivesse uma política voltada para economia solidária, como tínhamos antes, podíamos estar ajudando muito mais gente”, disse se referindo a antiga secretaria Nacional da Economia Solidária, criada no governo do ex-presidente Lula, que garantia  créditos e investimentos.

As costureiras do empreendimento solidário Armazém das Oficinas, em Campinas, que produziam boneca de pano, caixa de costura, caminho de mesa e jogo americano e que pararam totalmente os trabalhos devido ao isolamento social, também decidiram costurar máscaras e se tivessem investimentos produziriam mais.

“Até pra nos proteger enquanto trabalhadores”, disse Kátia Liane Rodrigues, uma das cooperadas. E isso, segundo ela, “tomou uma proporção muito grande porque tem um mercado consumidor sedento por este produto. Nossos clientes começaram a saber e ver as postagens no site, nas nossas redes sociais e Whatsapp e isso tem gerado um volume grande de produção”.

Economia solidária

Tanto o Empreendimento Charlote Arte em Costura, quanto o empreendimento solidário Armazém das Oficinas são associados a UNISOL Brasil, que representa mais de mil empreendimentos como estes no país.

O presidente da entidade diz que estes casos de São Paulo acontecem também em outros lugares e outros setores do país e tem sido o jeito que estes empreendimentos solidários acharam de correr atrás do prejuízo.

“Muitos estão buscando readequar suas produções para esses novos tempos, inclusive na agricultura familiar, que estão reorganizando as condições para atender e comercializar seus produtos. Ao invés de feiras e eventos migramos para o marketing digital e delivery e isso tem funcionado bem, mas é preciso avançar”, disse Léo.

Reconversão Industrial

Mas é na reconversão industrial que todos apostam e a luta pela aprovação da proposta está na pauta de entidades importantes como o Sindicarto dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), um dos principais aliados da UNISOL Brasil  desde sua fundação.

Segundo o diretor executivo, Carlos Caramelo, a direção do SMABC está acompanhando de perto e bem articulada com a Agência de Desenvolvimento Regional, da qual o sindicato faz parte junto com academia e empresários, todos os debates e propostas como a da reconversão industrial.

“A discussão está sendo feito para construir alternativas e ajudar a produzir, numa grande força tarefa e de forma solidária, insumos para área da saúde, principalmente na construção e manutenção dos equipamentos importados e caros para nosso país”, explicou.

Para Caramelo, a reconversão industrial vem criando musculatura para que se possa discutir também a emancipação da indústria brasileira na produção deste segmento da área da saúde, mas principalmente para que possa desenvolver novamente a indústria do país.

“Essa reconversão é um legado para que as empresas possam voltar a disputar os grandes centros de produção do mundo, sem importação, melhorar o custo destes equipamentos e com garantia de empregos no país”, contou.

Doações de máscaras

Os empreendimentos solidários e o SMABC também estão se organizando para doarem máscaras de proteção caseiras.

Caramelo contou que além da doação financeira, o SMABC vai criar uma rede solidária com várias entidades da região para distribuir as máscaras gratuitamente. E os empreendimentos solidários citados na matéria vão se organizar e doar as máscaras caseiras na região em que são produzidas, inclusive para hospitais.

Você é costureira e quer saber como faz para gerar renda?

Léo Pinho, Nina e Katia disseram que costureiras da região, onde os empreendimentos solidários atuam, que precisam trabalhar podem procurar a UNISOL Brasil por meio do e-mail wend@unisolbrasil.org.br.

Renda Emergencial

Outra luta da UNISOL Brasil é pela aprovação do Projeto de Lei (PL) 873, que amplia os beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600 para a população de baixa renda, trabalhadores informais e autônomos, como os da economia solidária, que não foram contemplados na proposta aprovada e sancionada por Bolsonaro.   

“Para incluir os cooperados, catadores de materiais reciclados, trabalhadores e trabalhadoras da cultura e da área de artesanatos no auxílio emergencial a gente tá na luta e na pressão pela aprovação do PL, junto com os representantes da agricultora familiar e outros setores que não foram beneficiados com a Lei 3.983/20, sancionada por Bolsonaro em 2 de abril”, explicou.