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“Corda no pescoço” mostra o que anúncios da Friboi escondem

Documentário traz a realidade da cadeia produtiva de fornecedores de frango e fumo no Sul

Publicado: 30 Outubro, 2015 - 18h44 | Última modificação: 03 Novembro, 2015 - 17h52

Escrito por: Luiz Carvalho

Sintau
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Avicultores durante protesto na Paulista contra exploração dos produtores


O Brasil é o maior exportador mundial de carne de frango e tabaco. Apenas em 2014, essas duas indústrias venderam mais de US$ 10 bilhões de dólares para centenas de países.

Mas por trás da embalagem impecável vendida ao consumidor final escondem-se mais de 360 mil criadores de aves e agricultores de tabaco da região Sul mal remunerados, endividados, obrigados a colocar toda a família a favor dessa produção e presos a modelos de contratos nebulosos conhecidos como integração.

As informações abrem o documentário “Corda no pescoço”, disponível na internet, e que apresenta ao público uma realidade bastante distante dos comerciais da JBS-Friboi em que trabalhadores felizes contracenam com um ator global.

A obra de pouco mais de meia hora de duração levou três anos para ficar pronta e é uma produção da Repórter Brasil, ONG (organização não governamental) dedicada à denúncia de condições degradantes de trabalho e desrespeito aos direitos humanos.

Diretor do filme, o jornalista Carlos Juliano Barros, o Caju, conta que a ideia surgiu a partir da produção de “Carne, Osso”, filme sobre pessoas que trabalham nas linhas de abate das indústrias frigoríficas.

Durante a pesquisa, Caju teve contato com o sistema de integração e descobriu que a produção tem como base o fornecimento de insumos pelas empresas, que descontam o valor final do pagamento pela produção e tornam, assim, os agricultores dependentes de oligopólios.

Confira abaixo a entrevista.

O filma foca essencialmente no sistema de integração. Como funciona esse modelo?
Caju –
O sistema de integração é uma “parceria”, em que a agroindústria fornece os insumos necessários para a produção. No caso dos avicultores, os pintinhos, a ração e os remédios e, no caso dos fumicultores, as sementes os agrotóxicos e os fertilizantes. O produtor desenvolve e devolve a matéria-prima, os frangos, já com 45 dias de idade, e as folhas de tabaco já curadas, secas na estufa. Na medida em que entrega esses produtos, o produtor vai ter o custo dos insumos descontados na hora do pagamento e é aí que muitos acabam se complicando. Porque esse controle não é muito simples de fazer, é meio nebuloso. No caso dos avicultores, então, esse é um cálculo muito difícil. Isso acaba gerando dívidas, pagamento muito baixos, por isso que esses produtores estão com a corda no pescoço, como diz o nome do filme.

Você acredita que seja uma forma de mascarar um trabalho terceirizado?
Caju –
Eu não entrei muito nessa discussão, mas esse é um debate feito há algum tempo. Existem alguns representantes de produtores rurais, até mesmo procuradores do Ministério Público do Trabalho que chegaram a questionar essa relação e apontaram que o sistema de trabalho oculta um vínculo empregatício. Porque o que caracteriza o vínculo empregatício é a subordinação, a habitualidade, a onerosidade e a pessoalidade. Alguns representantes dos produtores rurais e procuradores do MPT entendem que esses produtores estão subordinados a agroindústrias como se empregados delas fossem.

Não existe relação de compra e venda, de negócio, os produtores rurais estão sim submetidos a uma relação subalterna em situação de desigualdade, porque as agroindústrias são muito mais fortes.

O Portal da CUT entrevistou alguns produtores pouco antes da manifestação que fizeram na Avenida Paulista, no final de outubro, e muitos reclamaram de monopólio. Você constatou essa realidade?
Caju –
Nos últimos anos houve uma concentração muito forte no mercado de carnes no Brasil. Temos a JBS-Fribo, a BRF, que é a resultante da fusão da Sadia com a Perdigão, e até pouco tempo atrás tínhamos a Marfrig, que anda mal das pernas por problemas de gestão. Essa concentração foi impulsionada pelo próprio governo federal, que entrou no capital dessas companhias. O BNDES não só emprestou esse dinheiro, mas tem parte do capital acionário.

Com muito dinheiro, essas empresas começaram a comprar as menores, há uma concentração muito grande. O produtor rural que tinha mais opções para vender , hoje fica na mão de JBS e BRF. A margem de negociação ficou muito diminuída. Esses frigoríficos aumentam muito o lucro estrangulando os produtores rurais, por isso muitos estão no prejuízo e não aguentam mais, estão quebrando, literalmente.

Eles sofrem algum tipo de retaliação se negociarem com outra empresa?
Caju –
Como o contrato de integração prevê o fornecimento prévio de insumos, de cara, o produtor rural já está devendo para a indústria. É como se tivesse pego emprestado recursos em forma de insumos. Ele tem que produzir, inclusive, para pagar esse adiantamento. Se não quiser entregar, vai ter que quitar essa dívida. De qualquer forma, como o mercado está muito oligopolizado, se não vender para a JBS, vai ter que ser para a BRF. E algumas cidades são pequenas, só tem uma planta frigorífica. Para vender a outro município vai ter que se deslocar centenas de quilômetros, o que inviabiliza por conta do frete.

Os produtores relataram, inclusive, situações extremas, de suicídio por conta desses contratos de integração. Você viu algo caso assim?
Caju –
Esses produtores rurais do Sul do Brasil são descendentes de imigrantes europeus, alemães, poloneses e são pessoas com tradição de apego à terra, que vem do campesinato europeu, uma tradição de trabalho familiar muito forte. São pessoas que quando o trabalho não rende o esperado ou quando começa a dar algum tipo de prejuízo, se abalam muito emocionalmente. A cidade de Venâncio Aires (RS), por exemplo, durante uma época, teve uma das maiores taxas de suicídio do país. É claro que é complicado cravar a razão disso, o suicídio é sempre multifatorial, mas é uma área em que havia produção de fumo muito grande, onde os produtores estavam em dificuldade de quitar suas produções. E também os agrotóxicos desencadeiam reações químicas no cérebro que também levam a problemas emocionais. Talvez essa associação possa ser uma explicação para essas altas taxas.

Qual a novidade que o filme traz para quem conhece a JBS-Friboi e a BRF só das propagandas?
Caju –
A mensagem é que não temos a menor noção do que está por trás dessa cadeia produtiva, não sabemos como são as relações de trabalho e ambientais. Acho que é legal as pessoas terem uma dimensão de onde vem a mercadoria que consomem. Por outro lado, apontamos que isso é resultado de problemas antigos, do estrangulamento da agricultura familiar que leva à exploração desses produtores rurais por oligopólios. A gente precisa repensar uma série de políticas públicas para que possamos mudar esse cenário. Quanto mais gente produzindo, quanto mais gente empregada, melhor para o país. As pessoas acham que a reforma agrária é uma página virada, algo do passado, mas isso é totalmente equivocado. Todos os grandes países do mundo fizeram uma reforma agrária de verdade em algum momento de sua história. E esse filme também aponta para isso, precisamos diversificar as produções, melhorar a remuneração dos produtores e ampliar a qualidade de vida no campo.

Leia também: Ato em São Paulo denunciará abusos da JBS-Frioboi

Ouça a entrevista completa com o diretor de Corda no Pescoço, Carlos Juliano Barros, o Caju