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Correção da certidão de óbito de Rubens Paiva é reparação histórica

Para dirigente da CUT, o caso é uma reparação às vítimas da ditadura no Brasil e há ainda uma necessidade de lidar com os legados das violações graves de direitos humanos praticadas pelo regime militar

Publicado: 27 Janeiro, 2025 - 15h13 | Última modificação: 27 Janeiro, 2025 - 15h42

Escrito por: Walber Pinto | Editado por: Rosely Rocha

Reprodução - Arquivo pessoal
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A certidão de óbito do engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva, cuja sua história é contada no filme “Ainda Estou Aqui”, foi corrigida na semana passada pelo Cartório da Sé, na capital paulista. Na nova versão do documento consta a informação de que ele desapareceu em 1971 e teve morte violenta causada pelo Estado.

Na versão anterior, de 1996, após uma luta judicial da esposa, Eunice Paiva, a vítima era considerada apenas como desaparecida desde 1971. O assassinato de Rubens Paiva pela ditadura militar e a transformação de sua esposa em uma das maiores ativistas dos direitos humanos do país é o tema do filme, que já foi indicado a três categorias do Oscar (melhor filme, atriz e filme internacional).

A secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara conta que a decisão da justiça traz uma reparação histórica às vítimas da ditadura no Brasil, já que nunca houve punição e julgamento.

“No Brasil não houve julgamento e punição dos crimes da ditadura militar. Essa reparação faz parte das ações da Justiça de Transição que busca oferecer reparações às vítimas, mas também para sociedade brasileira, que foi vitimada como um todo”, afirma a dirigente.

Para ela, ainda existe uma necessidade de lidar com os legados das violações graves de direitos humanos praticadas pelo regime militar. “Esse reconhecimento é só uma parte do que é necessário fazer, e as vítimas precisam ser reconhecidas, mas também é necessária a responsabilização e punição para os que cometeram crimes, para que ações como o 08 de janeiro de 2023 não voltem a acontecer”.

A decisão

A mudança na certidão de óbito atende a uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de dezembro do ano passado para que cartórios de registro civil lavrem ou corrijam os documentos de pessoas mortas e desaparecidas políticas.

Segundo o CNJ, levantamento realizado pelo Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais ( ONRCPN) mostrou que há 202 casos de retificação de certidões de óbito e 232 novos registros de óbito a serem produzidos.

“Procedo a retificação para constar como causa da morte de RUBENS BEYRODT PAIVA, o seguinte: não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964 e para constar como atestante do óbito: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)”, diz o trecho do novo documento.

Mais casos

Os 232 desaparecidos durante o regime militar terão finalmente direito a um atestado de óbito. E todos os registros terão que informar que essas pessoas foram vítimas da violência cometida pelo Estado. A Comissão Nacional da Verdade instaurada em 2012, foi que reconheceu o número total de 434 mortos e desaparecidos na ditadura.

A entrega de certidões retificadas não será realizada pelos cartórios. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) deverá providenciar as entregas dos documentos em solenidade com pedidos de desculpas e homenagens.

"Elas não precisam vir ao cartório. Elas serão contactadas no momento oportuno já com as certidões em mãos para que elas possam ter seu direito de reparação consagrado”, afirma Gustavo Renato Fiscarelli, vice-presidente do Operador Nacional do Registro Civil.

Segundo os dados, os estados que puxam o topo da lista das vítimas são: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco e a região onde atualmente está o Tocantins.

O documento em nome de Ari Lopes de Macedo é um dos novos. O estudante foi morto em Brasília (DF) aos 20 anos após ter sido detido pelo 26º Batalhão de Caçadores de Belém (PA), em 1963. A versão oficial apresentada foi a de suicídio, de acordo com o Memorial da Resistência de São Paulo.

Quem foi Rubens Paiva

Nascido em 1929, em Santos (SP), Rubens Paiva foi eleito em 1962 deputado federal por São Paulo, pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), mesma legenda do então presidente da República, João Goulart. Foi cassado após golpe militar em 1964.

Exilou-se na embaixada da Iugoslávia, no Rio de Janeiro e, em junho de 1964, deixou o Brasil, partindo para a França e depois para a Inglaterra. Retornou ao país natal no início de 1965 onde se instalou com a família inicialmente em São Paulo, e, depois, no Rio de Janeiro. Ele foi levado por agentes da ditadura de sua casa em 1971 e seu corpo nunca foi encontrado.

O filme

A história de Rubens Beyrodt Paiva, engenheiro, empresário e político brasileiro, é contada no longa "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro. A obra é a adaptação para o cinema do livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens, e conta a história da mãe, Eunice Paiva, que criou os cinco filhos e se tornou advogada e defensora dos direitos humanos e pela demarcação de terras indígenas.