Escrito por: Redação CUT
Médica relata como é o dia-a-dia dos profissionais de saúde na luta contra a pandemia do novo coronavírus lamentando que as infecções crescem 'por ignorância das pessoas'
A Drª Antonieta Ozzetti, médica geriatra no Hospital Beneficência Portuguesa e no Hospital das Clínicas, em São Paulo, é uma das profissionais de saúde na linha de frente do combate e ao novo coronavírus (Covid-19). Ao site Bem Blogado, ela relatou como é a rotina desses profissionais descrevendo um dia de trabalho e fazendo um crítica á desinformação e falta de compreensão de parte das pessoas sobre a gravidade da pandemia.
Leia a íntegra do texto:
Um dia na vida de uma médica no combate à Covid-19.
Hoje não foi um dia bom na UTI do Covid-19. Média de idade dos pacientes 53 anos, 10 com menos de 60, somente 4 idosos. A linha em branco no painel de pacientes, deixada por um óbito na noite anterior, logo foi ocupada por uma paciente do andar, 45 anos, que demorou para descer, pois precisou ser entubada antes de ir. Exame para COVID positivo.
Nenhuma alta. Mais um óbito. Dois prováveis óbitos em breve, nas próximas horas. Somente dois dos 14 pacientes não estavam entubados, uma delas “traqueostomizada”. E eu pedi para ficar com ela, pois estava sentindo falta de conversar com um paciente.
Eu só queria chegar em casa, depois do banho e assepsia, comer e descansar, mas olhei as notícias: ultrapassamos o número de mortos da China!
Só uma constatação do óbvio, pelo menos para mim: é só o corpo do bicho imenso que eu encarei durante 12 horas hoje, e estará lá me esperando amanhã novamente. E sei que ele é grande demais para caber na minha UTI, em todas as UTIs do país. A maior parte dele ficará do lado de fora fazendo o estrago que só cresce. E ele se alimenta da ignorância das pessoas.
Não, a culpa não é minha que não fui otimista, que estou falando há tempos que isso aqui vai ser um caos, que estou implorando pelo isolamento social.
Não, a culpa não é minha pois não penso positivo.
Talvez, eu sofra demais com a possibilidade de um massacre em massa, causado por esse inimigo invisível…
Talvez eu não seja pessimista como dizem, talvez eu só esteja querendo abrir os olhos de quem resiste em enxergar…
Talvez eu devesse somente acordar todos os dias, trabalhar calada, e sair calada, enquanto esse bicho cresce. Mas eu simplesmente não posso deixá-lo me silenciar!
Talvez não seja falta de inteligência emocional as minhas crises de choro, a minha dor. Pode ser somente empatia mesmo.