Escrito por: Eduardo Maretti, da RBA
Na sessão desta quarta, em resposta a parlamentar fanático pela cloroquina, Otto Alencar diz que senador bolsonarista deveria tomar vacina antirrábica
A CPI da Covid tomará nesta quinta-feira (6) depoimentos do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres. O presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), anunciou ainda os depoimentos aprovados para a agenda da CPI da Covid da semana que vem. Na terça-feira (11), serão ouvidos o ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten, e os representantes da farmacêutica Pfizer Carlos Murillo e Marta Diéz. Na quarta (12), a presidenta da Fiocruz, Nísia Trindade, e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. E na quinta-feira (13), o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e o presidente da farmacêutica União Química, Fernando de Castro Marques, empresa que tenta obter autorização para a utilização no Brasil da vacina russa Sputnik V.
Em entrevista coletiva após o fim da sessão de hoje, o presidente da CPI da Covid foi questionado se caberia na agenda da comissão, no mesmo dia, a realização dos depoimentos de Queiroga e Barra Torres, dado que as sessões com os ex-ministros da Saúde Nelson Teich (hoje) e Luiz Henrique Mandetta (ontem) ocuparam todo o dia. Omar Aziz explicou que, como amanhã não haverá Ordem do Dia no Senado, a agenda da CPI da Covid poderá se estender até a noite.
Na entrevista, o relator do colegiado, Renan Calheiros (MDB-AL), foi questionado sobre o fato de senadores da base de Jair Bolsonaro estarem “muito felizes”, já que até agora a comissão não teria identificado crimes de Bolsonaro, segundo um repórter. Isso porque, de acordo com esses senadores, ninguém viu a minuta de decreto ao qual Mandetta se referiu, com previsão de prescrição de cloroquina em bula para tratamento de Covid-19. Renan respondeu a questão com ironia: “Não cabe a mim quebrar esse estado de espírito de felicidade da tropa governista. Meu papel não é esse”, disse. Está evidente que Aziz e Renan tentam imprimir um ritmo célere à comissão.
Bancada da cloroquina
Na agenda de hoje, a “tropa” bolsonarista na CPI da Covid – que também já é chamada de “bancada da cloroquina” – continuou batendo na tecla de que o medicamento está sendo boicotado pela “esquerda”, apesar de ser “comprovadamente eficaz”, segundo eles, quando na verdade pode provocar até a morte. Mas, atacado pelo ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), ultradireitista que defende a cloroquina de maneira fanática, o senador Otto Alencar (PSD-BA) devolveu de maneira dura.
“Vossa excelência é agrônomo, mas não sei se está confundindo, aqui, aquilo que se faz nos animais com o que se faz nos humanos. Tem uma diferença muito grande”, disse Alencar, que é médico. “Vossa excelência – continuou – falou até em laboratório de bovinos para usar em humanos. Falou com tanta raiva de quem se coloca contra aqueles que prescrevem (a cloroquina) de forma incorreta, que uma vacina antirrábica não ficava inadequada pra vossa excelência”.
“Não me coloco como alguém de esquerda, muito menos faço politicagem com a medicina”, acrescentou Otto Alencar. Segundo ele, tomar um copo de água tem a mesma eficácia contra a doença do que “um comprido, 10 ou 20 de hidroxicloroquina, mas água não dá efeito colateral”.
Teich: “Sem autonomia”
Em oposição a Mandetta – que ontem falou claramente e indicou detalhes do comportamento negacionista de Bolsonaro – Nelson Teich se colocou de maneira cautelosa, às vezes esquiva, sob o argumento de que só podia falar tecnicamente. Mesmo assim, deixou claro que se demitiu, menos de um mês após assumir o ministério, por ter resistido à pressão do presidente para incentivar o uso da cloroquina. Mas o principal motivo, segundo ele, foi não ter autonomia para liderar o ministério, o que impossibilitou que coordenasse ações segundo suas crenças científicas. Entre essas, a necessidade de promover distanciamento social e uso de máscara para evitar a disseminação do vírus.
Segundo ele, é preciso haver um “sistema social que abrace as pessoas que não podem se afastar (pelas medidas de isolamento)”. Questionado se faltou dinheiro para sua gestão, afirmou: “Não é só dinheiro (que é decisivo), é a eficiência do sistema de saúde. Os Estados Unidos têm muito dinheiro e o resultado inicial foi muito ruim”. O ex-ministro também disse que a carência de vacinas no país se dá por falta de planejamento e que “essa imunidade de rebanho, através de infecções, é um erro”. O depoimento de Teich, cauteloso, foi ao encontro da oitiva de Mandetta. Pois confirma que a estratégia do governo Bolsonaro se resume ao uso da cloroquina e o incentivo à imunidade de rebanho.
Bolsonaro: ataque à China e ameaças
Hoje, em mais uma de suas falas ultrajantes e deliberadas, Bolsonaro voltou a atacar a China, sugerindo que o país produziu o Sars-CoV-2 em laboratório. “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano (que) ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, afirmou. “Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês.”
Ele também ameaçou governadores e o Supremo Tribunal Federal com a intenção de editar um decreto para impedir medidas de restrição e distanciamento social. “Nas ruas, já se começa a pedir por parte do governo que ele baixe decreto. E se eu baixar um decreto, não vai ser contestado por nenhum tribunal, porque ele será cumprido”, disse, citando o artigo 5° da Constituição. O STF já decidiu que governadores e prefeitos têm autonomia constitucional para adotar medidas necessárias ao combate à pandemia. O decreto seria editado para dar uma resposta aos “que foram às ruas no 1º de maio”, segundo ele.