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CPI da Covid: Familiares das vítimas relatam dor e revolta com descaso de Bolsonaro

Uns ficaram órfãos, outros perderam um dos pais, irmã, marido e um perdeu o filho. Além da imensa dor, a revolta contra o comportamento do presidente esteve presente em todos os depoimentos dados hoje na CPI  

Publicado: 18 Outubro, 2021 - 16h55 | Última modificação: 18 Outubro, 2021 - 17h12

Escrito por: Redação CUT

Pedro França/Agência Senado
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Além da dor da perda e do penoso luto de quem não pode se despedir dos entes amados, enterrados nus em sacos pretos, os depoimentos na sessão extraordinária da CPI Covid do Senado desta segunda-feira (18) foram marcados pela revolta com o descaso do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, pela demora na compra de vacinas e pelo tom de zombaria do presidente em várias situações em que falou sobre as vítimas da pandemia.

"Quando a gente vê um presidente da República imitando uma pessoa com falta de ar, isso para nós é muito doloroso... Se ele tivesse ideia do mal que ele faz para a nação, além de todo o mal que ele fez, ele não faria isso", disse Katia Shirlene Castilho dos Santos, que perdeu os pais para a Covid-19, sobre o vídeo do presidente imitando uma pessoa com falta de ar.

“Não são só números. São vidas, são sonhos, são histórias que foram encerradas. Encerradas por tantas negligências. E nós queremos justiça. O sangue dessas mais de 600 mil vítimas escorre nas mãos de cada um que subestimou esse vírus. A vacina é a única solução para vencermos”, completou  Kátia.

“Não tive nem oportunidade de chorar a morte da minha mãe [vítima da Covid-19]”, contou a jovem Giovanna Gomes Mendes da Silva, de 19 anos, que ficou órfã e agora vai ter a guarda da irmã de 11 anos.

A mãe era transplantada e fazia hemodiálise. O pai, que também havia se contaminado e se recuperou, sofria de câncer e voltou pro hospital dias depois e morreu.  

“Não perdemos só os pais, perdemos uma vida de alegria. Hoje temos uma vida triste", lamentou a jovem, que agora vai cuidar da família. 

“Acho que nós merecíamos um pedido de desculpas da maior autoridade ao país, porque não é questão política, de um partido ou de outro. Estamos falando de vidas", disse Márcio Antônio do Nascimento Silva, taxista carioca que perdeu o filho Hugo, de 25 anos, morto em consequência de complicações causadas pela Covid-19 e três dias após a morte do filho ouviu Bolsonaro dizer “e daí” sobre as vítimas da doença.

Quando o país ultrapassou a China na quantidade de mortos pelo coronavírus, no ano passado, o chefe do Executivo disse: “E daí? Sou Messias, mas não faço milagres”. 

 “Eu escutei no fundo do meu coração: ‘E daí que seu filho morreu?”, disse Marcos.

"Não pude dar um abraço no meu filho, não pude dar um último beijo. Cheguei a levar uma roupa para vesti-lo. Não consegui fazer nenhum dos atos simbólicos. Tive que ficar parado 3 ou 4 horas na porta do cemitério olhando um carro sabendo que meu filho estava ali dentro para ser enterrado. Então, minha dor não é mimimi. Não é. Dói pra caramba mesmo. Dói, entendeu? Não aceito que ninguém aceite isso como normal. Não é normal. Não é mimimi. Não é minha [dor] só não. São de todas [as pessoas] que perderam [alguém]", relatou o taxista.

 

Kátia contou que o pai contraiu a Covid-19 cerca de uma semana da data em que poderia tomar a vacina, em São Paulo. Já a mãe morreu depois de ficar hospitalizada por 26 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital da operadora de saúde Prevent Senior.

A mãe, afirmou ela, usou os medicamentos do kit covid logo após a primeira consulta por videochamada, sem que qualquer exame tivesse sido feito.

No dia em que o pai morreu, disse Katia, o número de mortos pela doença no Brasil chegou a quase 4.000 mortos e por isso, o drama da família foi ainda mais doloroso.

A irmã dela teve que ir no carro da funerária até o necrotério porque não achavam o corpo do pai. No necrotério, o responsável pelo local pediu ajuda para procurar o corpo.

 

Já taxista que perdeu o filho esteve presente na praia de Copacabana em 11 de junho de 2020, dia em que apoiadores do presidente invadiram e hostilizaram um protesto que colocava cruzes na areia em memória das vítimas da doença.

"Era muita dor, muita tristeza. Quando vi aquela cena (de um homem derrubando as cruzes), pensei: 'será que esse cara não vê que está pisando na cova do meu filho?"

Não admito que outros pais achem isso normal, não é normal”, disse Marco. "Minha dor não é 'mimimi'". 

Para Marco Antônio do Nascimento Silva, o início da CPI da Covid foi um alívio. Ele relata ter sido um alento pensar que nem todas as autoridades diriam “e daí” para os óbitos em decorrência da pandemia. "O trabalho feito aqui, senhores senadores, eu tenho um grande agradecimento. Para mim, não importa o partido político dos senhores, o que importa é que meu Hugo não volta mais, mas tenho outros filhos e quatro netinhos". 

O depoente criticou a postura do presidente e a demora para a aquisição de vacinas. Segundo ele, o que dói não é apenas o luto, mas o que veio após a morte de Hugo: “o deboche, a irracionalidade das pessoas, inclusive de amigos”. “Eu daria a minha vida para o meu filho ter chances de ser vacinado”, disse. 

Sequelas da Covid

O servidor público Arquivaldo Leão Leite, que perdeu um irmão para a Covid-19, relatou aos senadores que a Covid-19 lhe deixou sequelas graves: sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e perdeu a audição de um dos ouvidos, como consequência da infecção, mostra reportagem da RBA.

“Tive um derrame que prejudicou meu corpo. Não consigo mais andar sozinho, me desequilibro. Eu perdi a audição de um ouvido e tenho muito cansaço”, relatou.

“Fomos hostilizados por setores da sociedade, liderados pelo presidente, por conta do respeito ao isolamento social. Está confirmado que o Bolsonaro provocou um genocídio ao atrasar as vacinas”, acrescentou.

Enfermeira cobra aprovação do PL da categoria

A enfermeira de Manaus Mayra Pires Lima contou que, após a morte da irmã por Covid-19 passou a cuidar dos quatro sobrinhos pequenos, sendo um casal de gêmeos.

Ela aproveitou para cobrar a valorização de enfermeiros e técnicos em enfermagem. “Não precisamos de tapinhas nas costas. Precisamos de valorização. Falar que nós somos heróis é fácil, mostrar através de atos é que é difícil,” disse a enfermeira lembrando que, enquanto muitos dormem a categoria faz turnos noturnos para melhorar a renda.

Mayra se referia indiretamente ao Projeto de Lei (PL) 2564/2020, conhecido como PL da Enfermagem, de autoria do Senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que atualmente aguardando a ‘boa vontade’ do presidente da Casa, Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de colocar o projeto em votação.

O PL da Enfermagem estabelece piso salarial de R$ 7,3 mil e jornada de 30 horas semanais.

Vidas abreviadas

Rosane dos Santos Brandão também fez um testemunho de acusação ao governo Bolsonaro, em razão da morte do marido, que era servidor da Universidade Federal de Pelotas-RS. Sem hesitar, ela afirmou que o companheiro “teve a vida abreviada por uma política genocida”.

“A vacina chegou tardiamente e a conta-gotas. Há várias maneiras de o Estado matar o povo e a falta de política pública é uma delas. Há pessoas que deveriam estar entre nós, se não fossem as escolhas deste governo”, criticou.

Rosane também fez um apelo aos senadores da CPI da Covid e criticou parlamentares que ostentam, em suas mesas, placas que celebram os “curados” da Covid-19. “Vocês precisam de coragem, não fiquem ombreando com fascistas e canalhas, colocando um ‘ponto final’ no genocídio. Honrem nossos mortos, diferente do que fez o presidente da República. Há placas com números de mortos aqui na CPI, mas também tem quem comemore o número de sobreviventes. É como comemorar os que não morreram no Holocausto”, finalizou.