Escrito por: Andre Accarini

Crise na indústria da alimentação é culpa de Temer

Dificuldades do setor começaram com a Operação Carne Fraca e pioraram com o embargo europeu à carne brasileira. Mobilização dos caminhoneiros complicou ainda mais a situação

reprodução

A paralisação dos caminhoneiros é legítima e, ao contrário do que tem noticiado a imprensa golpista, alinhada à posição das entidades que representam as indústrias, não é a principal causa da morte de milhões de aves nos últimos dias, nem dos prejuízos que o setor de alimentação vem amargando nos últimos meses.

A afirmação é do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação (Contac-CUT), Siderlei Oliveira, que apoia a mobilização dos caminhoneiros.

O dirigente explica que o mercado já vinha enfrentando problemas desde que a Polícia Federal deflagrou a Operação Carne Fraca, em março de 2017, para investigar denúncias de adulteração de produtos comercializados pelos frigoríficos e estabelecimentos.

 “Quem não se lembra da onda de boatos sobre ter papelão na carne consumida pelos brasileiros?”, questiona Siderlei, que considerou a operação da PF irresponsável e claramente influenciada pelo mercado estrangeiro.

“As vendas externas da produção brasileira caíram graças à operação”.

Outro fator que agravou os problemas do setor, continua o presidente da Contac-CUT, foi o embargo europeu à carne brasileira.

“Tudo começou em março desse ano, com a decisão do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, de proibir temporariamente nove frigoríficos brasileiros, entre eles a BRF, de exportar para países da Europa com a justificativa de uma suposta contaminação de salmonela nos alimentos”, lembra Siderlei.

Por conta dessa medida, diz ele, a União Europeia proibiu, no dia 19 de abril, frigoríficos brasileiros de exportarem carne de frango, sendo 12 deles, da BRF.

Segundo o presidente da Contac-CUT, os estoques cresceram e nenhuma medida foi tomada para escoar esse excedente que não foi exportado no mercado interno.

A paralisação dos caminhoneiros, explica o dirigente, ajudou a agravar ainda mais a situação do setor. Os estoques estão parados nas fábricas sem chegar nem ao mercado interno desde o dia 21 de maio, quando começou o movimento contra os preços abusivos do diesel e do pedágio. Paralelamente, o processo de produção também ficou comprometido.

Ocorre que essa produção é um ciclo. Da incubação ao abate, há a criação e o alojamento das aves e porcos, até que o produto final esteja pronto para a comercialização. Esse processo foi paralisado e os animais ficaram sem ter o que comer, já que não chegava a ração que deveriam ser entregues pelos caminhões.

“Eles não têm o que comer, porque o caminhão não foi entregar. Por isso você vê o canibalismo, o pinto comendo o pinto, o porco comendo a orelha do outro porco. É instinto. Mataram todos, porque não tinham como criar. O pintinho e o porco não tinham o que comer”, lamenta Siderlei.

Por isso, uma eventual normalização dos transportes, não vai resolver de imediato a situação, diz o dirigente.

Emprego em risco

Com a paralisação da produção, segundo Siderlei Oliveira, não há dúvida que o emprego está ameaçado. Ele diz que nas grandes empresas há uma certa segurança para os trabalhadores por causa dos custos e da experiência.

Demitir e recontratar depois, quando for retomado o ritmo de produção, custa caro, e as fábricas têm que estar preparadas para o retorno. As grandes têm condição para isso. As pequenas e médias não têm- Siderlei Oliveira, presidente da Contac-CUT

Pequenas empresas podem fechar as portas

Ele avalia que, em um curto prazo, os preços podem cair para o consumidor. Mas as cerca de 33.320 pequenas e médias empresas, que já operam em seus limites, não conseguirão baixar os preços para escoar a produção, não aguentarão e, provavelmente, terão de fechar as portas.

Para Siderlei, o governo “safado”, só apresenta propostas loucas para atender às reivindicações dos caminhoneiros, mas não pensa em uma estratégia de abastecimento nem para garantir a alimentação dos animais, nem para ajudar o mercado a “desovar esse estoque”.

Ao mesmo tempo, o retorno à produção não pode ser considerado como reestabelecimento da normalidade. O embargo europeu continua e o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de carne de boi e frango.

“Aí, você sai de uma paralisação de caminhoneiros, tendo que produzir e sem ter onde botar tudo o que já está pronto”, diz o presidente da Contac-CUT.

Pequenas empresas, grandes prejuízos

Com um eventual fechamento das pequenas fábricas, quem ganha são os grandes conglomerados, como BRF e JBS. Para a Contac-CUT, a concorrência com as “pesadas” é injusta porque elas têm condições de se sustentarem nesse caso. Não ocorre com as pequenas e, mais uma vez, não há nenhuma sinalização do governo em proteger essas empresas.

“O setor passa por crise, e não há perspectiva. O mercado europeu está se mantendo com a produção local e o Brasil está com fábricas cheias, tentando vender mais barato no mercado interno e quebrando as pequenas indústrias”, diz Siderlei.

Caminhoneiros

Para a Contac-CUT não se pode culpar os caminhoneiros por um problema que já vinha acontecendo. Siderlei Oliveira explica que algo tinha que ser feito para frear os aumentos abusivos dos combustíveis.

“Estava na hora de fazer algo, mas acho que não vai ficar só aí. Quando a rotina voltar, o que vai ‘pegar’ para o povo é a gasolina e o gás de cozinha, que não vão ter redução”

Siderlei destaca que o diesel é usado para o transporte pesado. Já a gasolina é no dia-a-dia e quem sente os impactos dos altos preços é o trabalhador e trabalhadora, especialmente os mais pobres.

“A gasolina é usada no transporte pequeno, do armazém para o mercado, do mercado para casa. Não existe solução somente com as medidas propostas do governo para aos caminhoneiros. Estão tapando a cabeça e destampando o pé. E enquanto isso, a bomba fica ligada, pronta para explodir”.

Ditadura nunca mais

Mesmo considerando legítima a paralisação dos caminhoneiros, o presidente da Contac-CUT considera inaceitáveis as manifestações de apoio a uma intervenção militar.