Cruzamento das mensagens mostra que Dallagnol seguia ordens de Moro
Artigo 254 do Código Penal diz que se "tiver aconselhado qualquer das partes" e não se declarar suspeito”, o juiz “poderá ser recusado por qualquer das partes”. Defesa de Lula até tentou, mas STF e manteve Moro
Publicado: 13 Junho, 2019 - 13h22
Escrito por: Redação CUT
O cruzamento entre as mensagens trocadas pelo chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, e o ex-Sergio Moro indicam que as orientações dadas pelo então magistrado por meio do aplicativo Telegram foram cumpridas à risca pelo Ministério Público Federal do Paraná, o que contraria a legislação brasileira.
De acordo com a lei, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
E o artigo 254 do Código de Processo Penal (CPP) é absolutamente claro ao afirmar que “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se "tiver aconselhado qualquer das partes".
Não foi o caso de Moro. A defesa do ex-presidente Lula tentou várias vezes tirar Moro do julgamento do caso do tríplex do Guarujá, alegando a suspeição do ex-juiz, mas os recursos foram negados pelos tribunais superiores.
A conclusão de que as mensagens entre Moro e Dallagnol indicam que essa regra legal foi quebrada é da reportagem do BuzzFeed, publicada nesta quinta-feira (13). Segundo o portal, as mensagens indicam que em "pelo menos dois casos, as orientações dadas pelo magistrado no aplicativo Telegram foram cumpridas à risca pelo Ministério Público Federal".
O BuzzFeed detalha os dois exemplos. O primeiro: em 16 de outubro de 2015, o procurador Dallagnol trocou mensagens com o então juiz Sérgio Moro sobre a soltura do ex-executivo da Odebrecht, Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, por decisão do então relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo em 2017..
“Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível apreciar hoje?”, escreveu Dallagnol, segundo o Intercept Brasil. “Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia”, respondeu Moro, segundo o site, em tom de alerta.
Segundo as mensagens publicadas pelo Intercept, Moro diz: “Teriam que ser fatos graves”.
Em outubro daquela ano, o Ministério Público Federal do Paraná apresentava uma nova denúncia e pedidos de novas prisões preventivas contra a cúpula da Odebrecht, só que sem o nome de Alexandrino.
Outro caso citado pelo BuzzFeed aponta que, no dia 6 de novembro de 2015, a Lava Jato do PR protocolou um recurso contra as condenações de três delatores da Lava Jato, o executivo da Toyo Setal, Augusto Mendonça, o operador de propinas Mário Góes e o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco.
Os procuradores queriam aumentar a pena por considerar que Moro errou ao não condená-los por lavagem de dinheiro na compra de um avião em sociedade com dinheiro de propina gerada por contratos na estatal.
No dia 17 de novembro, Moro escreveu para Dallagnol pelo Telegram em tom de reclamação.
“Olha está um pouco dificil de entender umas coisas. Por que o mpf recorreu das condenacoes dos colaboradores augusto, barusco e mario goes [sic] na acao penal 5012331-04? O efeito pratico é impedir a execução da pena”, enquadrou o juiz às 12h07, segundo o site.
"E julio camargo tb. E nao da para entender no recurso se querem ou nao alteracao das penas do acordo?", continuou Moro, 11 minutos depois.
"Vou checar", respondeu Dallagnol às 12h25, de acordo com o Intercept Brasil. E, depois das 14h, enviou uma série de considerações justificando a decisão de recorrer:
"Estamos aqui discutindo o caso. O problema é que o recurso tem uma série de questões objetivas, factuais e jurídicas, que se comunicam aos corréus não colaboradores. [...] Não tem como o tribunal rever em relação aos corréus e não em relação ao colaborador. [...] Seriam dois direitos no mesmo caso para os mesmos fatos. [...] Em síntese: não estamos vendo como recorrer só em relação aos não colaboradores em questões que se aplicam a todos, sob pena de se julgar prejudicado o recurso."
Moro respondeu. "Sinceramente nao vi nenhum sentido nos recursos ja que nao se pretende a alteracao das penas finais dos colaboradores. O mp está recorrendo da fundamentação, sem qualquer efeeito pratico. Basta recorrer so das penas dos nao colaboradores a meu ver. Na minha opiniao estao provocando confusão", escreveu às 16h49, segundo o Intercept. "E o efeito pratico sera jogar para as calendas a existência execução das penas dos colaboradores", completou o juiz, no minuto seguinte.
No mesmo dia 17, Moro se pronunciou nos autos do processo rejeitando o recurso dos procuradores, com argumentos muito parecidos com as mensagens enviadas a Dallagnol.
"O recurso está, com todo o respeito, obscuro, pois não se compreende se o MPF pretende de fato a reforma das penas finais aplicadas aos criminosos colaboradores e que foram fixadas considerando os termos do próprio acordo celebrado pelo MPF e, se negativo, qual seria o interesse jurídico do Parquet [MPF], máxime considerando, neste último caso, o único efeito prático de retardar a execução das penas fixadas no acordo", escreveu o juiz, no despacho.